Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Fim último e natural da existência humana, a morte ainda é uma realidade inquietante para muitos de nós e isso se traduz na aversão que as pessoas têm sobre o tema e até mesmo de lugares sagrados, como o cemitério, mormente apenas procurado no dia dedicado aos Finados. Isso quando o são ou apenas no dia em se faz necessário sepultar alguém muito próximo.
Eu, particularmente, carreguei comigo, por anos, um trauma da morte, sobretudo quando aos oito anos de idade, vi meu pai num caixão. Aquilo foi terrível! O que me causou uma profunda antipatia com tudo que lhe dissesse respeito, como velórios e funerárias. Mas, com o tempo, eu fui encarando a morte ou procurando encará-la de outra forma, principalmente à medida em que ela foi se acumulando na minha realidade existencial, a perda de pessoas muito amadas, a exemplo de meu irmão mais velho, minha mãe e um filho prematuro.
À luz das Sagradas Escrituras e da relação de São Francisco com ela, procurei lhe dar uma nova atenção. Primeiro, como algo inevitável e para a qual devo sim me preparar, como quem planeja a compra de um bem, de um imóvel ou se organizar para uma viagem. No Cântico dos Cânticos, atribuído ao Santo de Assis, há uma passagem que diz: “Louvado sejas, meu Senhor, pela Irmã nossa, a morte corporal, da qual nenhum homem vivente pode escapar”. Por isso mesmo, em algumas de suas icnografias ele aparece com uma caveira na mão ou aos pés.
É fato que não quero morrer agora, beirando o meio século, amo a vida. Mas, não posso abrir mão dessa realidade. Temo mais deixar viúva e órfãos do que necessariamente morrer. Temo mais ainda, como cristão, não ser merecedor do descanso eterno e do Colo da Virgem Maria. Temo, ainda, viver dando trabalho numa cama agonizando. Dado que é necessário não mais temer ou aprender com o filósofo Sêneca (falecido no ano 65, em Roma): “(…) quem aprendeu a morrer, desaprendeu a ser escravo”.
Deixa de ser escravo dos bens materiais, não se deprime, cultiva a esperança e sepulta a ansiedade, não vive em função da vida ou julgamento alheio, das convenções sociais, dos impulsos da raiva e do ódio, das maquinações do orgulho, da vaidade e da soberba e, quando adoece, percebe que nada é mais importante do que a saúde, o viço da vida, o ar que respiramos e a beleza das coisas que nunca admiramos, pois andamos muito ocupados com futilidades.
E, nesse sentido, vale destacar uma canção de Raul Seixas (1945-1989), do LP “Há Dez Mil ano atrás” (1976), “Canto para minha morte”, em que o cantor baiano faz uma reflexão original e profunda, interpretada de forma poética e ao som de um tango argentino, da qual, destaco algumas passagens: “Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez”; “A morte, surda, caminha ao meu lado
/ E eu não sei em que esquina ela vai me beijar”; e “Vou te encontrar vestida de cetim / Pois em qualquer lugar esperas só por mim”.
A morte encontrou Raul no dia 21 de agosto de 1989, vítima de pancreatite crônica e hipoglicemia, com apenas 44 anos de idade, na cidade de São Paulo. Foi encontrado morto, num apartamento modesto, onde morava sozinho, deixando um grande legado sobre a vida e também sobre a morte, como nesta canção, em que, em síntese, nos diz que ela virá como um ladrão e das formas mais inusitadas, não nos deixando, muitas vezes, tempo para resolver coisas que nos escravizavam a ela e não nos permitia dignamente viver.
Que venha então a morte, a irmã morte e que ela seja santa. Aos que partiram, além de nossa gratidão, o cultivo da memória, seja numa oração, num pensamento bom, seja numa vela acesa no túmulo ou numa rosa deixada sobre lápide onde, normalmente, se diz: “aqui jaz”. Espero em Deus que estejam em paz. Dado que: “A vida é frágil e viver / É um lindo momento / Quando se sabe amar” (A Tempestade e o Sol – Júlio e Kim).
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