Desde os tempos mais remotos que se estuda sobre a imortalidade da alma. Eis que o empresário José Hamilton Santana, dono da Casa de Forró Cariri, disse que seu estabelecimento, uma das casas mais tradicionais e famosas de Aracaju, é a clínica para cuidar dessas almas. Mas tal clínica, como ele anunciou essa semana, poderá fechar as portas no dia 20 de abril, na flor da juventude, aos 21 anos. O que será, então, dessa clínica?
Longe de teorias filosóficas, se até lá o governo federal não reeditar a Medida Provisória 936, que nada mais é do que o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), a Casa de Forró Cariri – a tal clínica da alma – fechará as portas, desempregando 85 pessoas e deixando sem renda outras cerca de 200, que gravitavam em torno do empreendimento, só para falar dos músicos, que todos os dias animavam os milhares de turistas que iam buscar alegria. “Nós éramos a única casa do Nordeste que, na sexta-feira à tarde, tinha samba”, diz Hamilton do Cariri, como é carinhosamente conhecido o empresário.
Hoje, aos 69 anos, Hamilton não faz previsões para o futuro e reserva-se, apenas, a olhar o mar em frente ao Cariri e agradecer a Deus pelo fato de acordar. “Se eu for pensar no amanhã, vou ficar doido”, avisa. Hoje, diante das incertezas surgidas com a pandemia da Covid-19 e com as decisões tomadas, quase que semanalmente, pelo Comitê Técnico-Científico e de Atividades Especiais (Ctcae) do Governo de Sergipe, Hamilton prefere viver um dia de cada vez.
Ele lamenta e diz que, em virtude da idade, não há mais tempo para se formar em Medicina e integrar o Ctcae. “Se tivesse tempo de me formar em medicina e entrasse no Comitê, talvez a visão seria outra, porque teria uma voz para dizer a eles que não têm lógica essas medidas que eles tomam”, diz. É o Ctcae, junto com o governador Belivaldo Chagas, que decide quem abre, quem fecha, o que é essencial ou não nestes tempos pandêmicos e decide sobre o horário de ir e vir das pessoas, com o tal toque de recolher.
O empresário faz duras críticas, também, à política de turismo em Sergipe que hoje, apesar de ser uma ciência, é movida pelos ventos políticos que sopram a cada temporada. Ou seja, nunca teve um profissional turismólogo no comando. Referindo-se aos governadores eleitos e àqueles escolhidos por eles para a pasta, Hamilton diz o seguinte: “Muda a política, entra outro e o que chega não dá continuidade ao trabalho do anterior, para não dar o gosto àquele que estava fazendo o certo, e aí desfaz tudo. Nunca temos uma sequência”, observa.
Mesmo com os dissabores da política e a pandemia, como numa contagem regressiva para a morte, a Casa de Forró Cariri segue em seus últimos fôlegos. O tempo dirá, rapidamente, se ela vencerá ou não a Covid-19 e a política que diz administrar a pandemia em Sergipe e no país.
Que a Casa de Forró Cariri vença, mantenha os empregos diretos e indiretos e continue sendo a clínica da alma para milhares de pessoas, que depois de terem conhecido todas as capitais do País, venham para Sergipe e voltem para seus lugares de origem dizendo que aqui é um lugar esplêndido, pois vivenciaram a alegria em toda a sua plenitude. Esse é o desejo de Hamilton do Cariri, que conversou com o Só Sergipe.
SÓ SERGIPE – Esta semana fomos sacudidos com a informação de que o Restaurante Cariri vai fechar as portas no próximo dia 20.
HAMILTON DO CARIRI – É complicado você anunciar o fechamento de casa de 21 anos. É como anunciar um velório ou dizer como você vai enterrar alguém que você ama no dia tal. Marcar a morte é triste. É o único jeito que estou fazendo.
SS – Mas por que tem data marcada?
HC – Eu tenho hoje 86 colaboradores, uma folha de R$ 140 mil. Eu consegui pagar a todos no mês de março, com o maior sacrifício do mundo. Eu paguei numa quinta-feira, antes até da data que eu costumo pagar e uma semana depois fiz uma reunião com todos eles e disse que não esperassem adiantamento de salário e nem salário, porque esse dinheiro eu não tinha mais. Estou rezando, pedindo a Deus que o Governo Federal reedite a Medida Provisória 936, pois se não tiver a casa vai fechar no dia 20.
SS- E qual foi a reação deles?
HC – Ah, eu disse, também, que eles têm o seguro-desemprego e o fundo de garantia. Eu só não tenho dinheiro para indenizá-los. E se eles quisessem adiantar já poderiam colocar na Justiça do Trabalho para eu fazer um acordo direto na Justiça com eles. Respondendo a sua pergunta, eles disseram que não iam fazer nada na Justiça, todo mundo concordou muito triste, muitos choraram e eu continuo lutando.
SS- Quantos empregos indiretos gravitam em torno do Cariri?
HC – Pelo menos 200 músicos tocavam no Cariri. Tinha música de segunda a sábado. Dia de sexta-feira à tarde já tinha samba aqui. Nós éramos a única casa do Nordeste que, na sexta-feira à tarde, tinha samba
SS – Como o senhor avalia as medidas restritivas que o Governo Estadual tem adotado nesta pandemia?
HC – São medidas muito malvadas, porque quem está pagando a conta da Covid-19 são os restaurantes. Existe um Comitê Científico que diz que os restaurantes são os maiores transmissores de coronavírus. Mas parece que esses cientistas do comitê não andam. Se eles forem ao restaurante Popular Padre Pedro todos os dias verão 500 pessoas na fila. Se forem às 18 horas aos Terminais da Integração, verão os ônibus entupidos de gente. Se forem ao calçadão e em todo lugar no centro, vão ver gente. Nós, dos restaurantes, estamos funcionando há um ano com 50% da capacidade, com medidor de temperatura, distanciamento, álcool em gel em todos os setores. E mesmo assim, somos nós que contagiamos. E parece que o coronavírus só pega durante a noite, porque a gente abre no horário que devia estar fechado. Às 10 horas da manhã, numa capital que não tem turista e mesmo que tivesse, numa fase desta, quem é que viria? Na quarta-feira, eu vendi R$ 517. Na semana passada inteira em vendi R$ 7 mil. Então, não adianta você estar tomando analgésico para passar sua dor momentaneamente. A minha dor não é individual. É a dor que todo dono de restaurante, de pousada, de gente que trabalha com som está sentindo.
SS – Além da pandemia, ainda existem os problemas econômicos que a doença está gerando, não é?
HC – O que estamos vivendo é uma pandemia muito maior que a do coronavírus. Se nós tivéssemos hospitais aparelhados, remédios para intubação, UTIs que nunca tiveram, porque tudo isso aí é provisório, um hospital de campanha que já foi desativado, nós hoje estaríamos mais tranquilos. O que vai matar muito mais que o coronavírus é a fome. Para a fome não existe remédio, pelos menos até hoje. A não ser que o Comitê Científico descubra uma vacinação para a fome. Se descobrir, graças a Deus, aí estará todo mundo salvo.
SS – O Cariri tem uma história. Mas o senhor quando começou já imaginava que a casa faria tanto sucesso?
HC – O Cariri tem 21 anos. Eu era segurança da Petrobras e me aposentei aos 41 anos, era um menino e fiquei sem fazer nada. Como gostava muito de forró, fui buscar satisfação no forró e perdi minha paz. Porque neste país, quando você se envolve para ser empresário, perde sua paz. A nossa carga tributária é madrasta demais e ninguém pode pagar, são muitas obrigações, deveres e mais deveres sem direito a nada. E agora piorou com essa pandemia. O governo está dando auxílio de R$ 150, enquanto que um pequeno empresário não tem direito a essa ajuda. Ele tem o ordenado da empresa dele, mas se a empresa está parada, não está vendendo, é muito complicado. O que me resta é pedir a Deus para que Ele nos dê livramento e orar para que coloque no coração desses políticos que essa guerra é mais política do que pandêmica.
SS – O Cariri comporta quantas pessoas?
HC –Tem capacidade para 1.200 pessoas, tanto na casa de forró como no restaurante. Eu digo sem vaidade: o Cariri é uma referência, mas não é você quem faz, é o tempo. E o Cariri, hoje, é uma referência nacional. Quando o cara chega em Aracaju, com avião ainda pousando, a primeira coisa que ele pergunta é sobre o Cariri. E outra coisa: eu tenho coragem. Se eu fosse um animal, seria de rebanho ou de cardume. Sou altamente sociável e independente. Nunca pedi nada a um prefeito, governador e funciono dentro da legalidade. Tenho acústica na casa, tenho tudo que é necessário para os órgãos fiscalizadores. Não dou trabalho, mas também, nunca pedi nada a eles. E mantenho essa casa na beira da praia. Por que a diferença do Cariri? Imagine, há 21 anos quantos restaurantes já foram abertos em Aracaju? Eu respondo que o Cariri não é um restaurante, é uma clínica da alma.
SS – Por quê?
HC – Porque eu vendo alegria, que é o alimento da alma. Vender cerveja gelada qualquer um vende. Se arranjar um cozinheiro bom, todos vendem comida boa. Mas vender alegria como o Cariri, ninguém faz. As pessoas se encantam, rapaz. Quando as pessoas saem do Cariri, saem dançando. É com muita tristeza, com muita dor que vejo essa possibilidade de fechar. Aqui dentro tenho minha vida. Eu tenho 69 anos, não tenho nem mais tempo para me formar em Medicina para tentar fazer parte do Comitê Científico. Se tivesse tempo de me formar e entrasse no Comitê, talvez a visão deles fosse outra, porque teria uma voz para dizer a eles que não há lógica nessas medidas que tomam. Dizer que no meu palco só podem cantar dois músicos, assim mesmo de máscara. Mas numa mesa podem sentar seis pessoas? Meu Deus, por que eu não estudei para entender essas coisas?
SS – Mas o senhor tem a experiência de vida…
HC – É o bom senso e a lógica. Só quem não entende a lógica é o animal, o jegue. Mas qualquer ser humano sabe o que é lógica.
SS – Ao fundar o Cariri o senhor acabou estimulando o turismo sergipano, não foi?
HC – Estimulei e estimulo. Quando eu comecei o Cariri, há 21 anos, todos os bares de Aracaju já quebravam caranguejo. E Aracaju é a única cidade do Brasil que as pessoas usam perfumes e roupas importadas para vir quebrar caranguejo. Na minha época, quando comecei aqui, tinha tamborete e o caranguejo era quebrado numa tábua. Eu introduzi o granito, recepcionista, mâitre, sanitários com ar condicionado. Eu puxei um pelotão. E hoje temos grandes restaurantes, grandes estruturas. Você constrói isso tudo, mas se não tiver alma, não vai. E aqui dentro da minha casa tem alma. Eu, aqui no Cariri, passo o tempo todo na porta. Eu dou um bem vindo ao cliente quando chega e quando sai eu agradeço.
SS – Qual a avaliação que o senhor faz sobre a política de turismo em Sergipe?
HC – Nós não temos trabalho de turismo, mas de eventos. Existe uma grande diferença entre turismo e eventos. Num evento, você divulga, por exemplo, que vai fazer uma vaquejada, sabe o espaço que cabe 5 mil pessoas, sabe a data, a banda que vai tocar, quanto vai cobrar e divulga em cima disso. No turismo, não. O turismo é um trabalho, é ciência, por isso que existe o turismólogo. O turismo você divulga hoje para daqui a 10 anos. Em Sergipe não temos uma política de governo no turismo. Tem um gestor da secretaria e ele faz um trabalho. Muda a política, entra outro gestor e o que chega não dá continuidade ao trabalho do anterior, para não dar o gosto àquele que está fazendo o certo e desfaz tudo. E nunca temos uma sequência. Nosso turismo é decimal. E olhe que temos um roteiro turístico que encanta todo mundo. Chegue em São Paulo e veja quem vende Aracaju? Ninguém. Quando o turista chega aqui, pergunto o que o trouxe para Aracaju e ele diz que já conhece o Brasil todo e não tinha vindo em nossa capital. E fica encantado com Aracaju. É assim mesmo.
SS – Quais os seus planos para o futuro?
HC – Meu futuro é hoje (risos). Estou vivendo pensando no dia de hoje. Se eu for pensar no amanhã, vou ficar doido. Nem quero saber que dia é amanhã. Estou vivendo um dia de cada vez. Não sei prever o futuro e nem quero. Não tenho parâmetros para fazer previsões. Todo dia agradeço a Deus por ter me dado o direito de acordar com saúde. Estou aqui contemplando o mar. Tenho que agradecer e ser grato.
SS – Quando o senhor começou o Cariri passou por maus bocados. Não sabia como gerir um bar. O Cariri, quando começou, era na rua Niceu Dantas, no fundo da beira mar. Hoje de frente para o mar. Uma mudança muito grande.
HC – Eu era vigilante da Petrobras. Imagine sair de vigilante e passar a ser dono de restaurante. Restaurante é muito bom quando você é cliente. Quando você é o dono é diferente, tem que ter uma habilidade muito grande. Quando comecei não sabia nada, não tinha a mínima ideia. Quando eu virei a casa para frente da praia eu não tinha experiência. Viajei para São Paulo e passei 15 dias, e fui para a Faculdade Águas de São Pedro, a melhor faculdade de hotelaria do Brasil. De lá voltei com conhecimento melhor. Depois comecei a participar de congressos, de tudo que houvesse em termos de restaurante. E também o dia a dia. O que faz o tempero da comida é a fome. Quando você está sem fome reclama que não tem vinagre, tem muito cominho. Mas quando está com fome, você come o que tem na mesa e agradece a Deus. Hoje, com o conhecimento que eu tenho, não me envaideço. Gosto muito de ser anônimo. Fui ‘case’ de sucesso em São Paulo e nunca cheguei aqui pedindo à imprensa que divulgasse. Não me interessa, não sou vaidoso.
SS – O outro momento em sua vida, foi quando o senhor teve depressão. Como superou?
HC – Há quatro anos peguei uma depressão, a doença da alma. Quando se tem depressão é por dois motivos: financeiro ou amoroso. Eu tive financeiro, pois entrei num negócio de mercadinho de bairro e deu errado. Junto com essa perda financeira, veio o falecimento de uma filha minha. E fiquei meio baqueado, mas me curei graças ao meu bom Deus. Agora, com essa dificuldade toda que estou passando, peço a Deus todos os dias que tome conta de mim, deixe que eu fique consciente. Hoje estou muito bem e quero continuar bem. Moro lá no povoado de Areia Branca, cuido dos meus passarinhos e fico pedindo a Deus que me dê sabedoria.
SS – Como a sua família está vendo a decisão de, talvez, fechar o Cariri?
HC – Eu não misturo as coisas. Minha filha trabalha comigo e fica na dela. Eu mostro a ela e a minha esposa que sou forte. Ainda acredito que o governo vá relançar essa MP. É tudo política. É briga do presidente com o Senado e tudo interfere nas decisões.
SS – E estes empréstimos que o governo federal e o estadual lançaram, o senhor foi buscar?
HC – O governo falava em Promane. Eu me humilhei demais nos bancos, que pediram até a certidão de óbito da minha mãe. Eu levava todos os documentos e depois diziam que o dinheiro tinha acabado. Como ele ia emprestar dinheiro sabendo que o cara estava quebrado? Ninguém me emprestou dinheiro. O cara quando está quebrado é igual à mulher quando adultera. Ela adulterou, pede perdão, volta para o marido, mas ele não acredita mais nela. Mesmo que ela esteja na igreja rezando, o marido ainda acha que ela está traindo-o. Bem assim é o pequeno empresário quando precisa do banco. Hoje, nós empresários assamos e comemos. Vendemos na semana para pagar na segunda-feira e assim começa tudo novamente. Entra muito dinheiro em um restaurante, mas não é seu. É da Ambev, da energia, da água, do imposto, que mesmo assim você não consegue pagar. No Brasil, com essa lei tributária é terrível.
SS – Então, com a lei tributária que temos, é difícil ser empresário no Brasil?
HC –É um crime. O pequeno empresário aqui é tratado como um marginal. Já viu empresário ter valor no Brasil? Quem tem valor é o mega empresário. Mas o pequeno, p.q.p. É um cachorro, não tem valor, ninguém escuta. É o mesmo que pregar no deserto. Ninguém dá apoio em nada. E o pequeno é o que mais emprega.