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Carnaval de Salvador, seus encantos e desencantos

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Por Antônio Carlos Garcia (*)

 

“L iberdade, liberdade! Abra as asas sobre nós. E que a voz da igualdade, seja sempre a nossa voz”. Este é o título do samba enredo da Imperatriz Leopoldinense, de 1989, e que significa tudo que alguém pode sentir no maior Carnaval do mundo, em Salvador. Mas a capital, dona deste apoteótico e até merecedor título, apresenta problemas proporcionais à fama. Descompassos que atingem a todos, mas principalmente os moradores desta metrópole que, literalmente, carregam nas costas a maior festa do planeta.
A “coroa” lembra a Estátua da Liberdade

Essa liberdade pôde ser vista, por exemplo, na coroa improvisada de uma adolescente, que curtia a festa do Circuito Dodô e que lembrava a da Estátua da Liberdade, em Nova York. Cada um, do seu jeito, se divertia e, alguns, sequer se deram conta que a entrada de Ivete Sangalo no circuito aconteceu com três horas de atraso. Ali, naquele momento ímpar, o que um mar de gente queria era apenas ser feliz. E como tinha gente! Na passagem dos trios, naqueles quatro quilômetros do circuito, parece que o chão balançava.

Embora seja fato, que para toda ação há uma reação, é bom não levar ao pé da letra essa frase. Quer ver? O público enlouqueceu durante a passagem do Léo Santana, que quase ninguém retribuiu aos acenos do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, que estava em cima do trio. No chão da praça, ops, da avenida, o público feminino se desdobrava em gritinhos e acenos para o Léo Santana. Uma mulher, lindamente trajada com um short, cuja estampa quadriculada lembra as toalhas de mesa que se encontra nos bares, gritou para Léo Santana: “Homem gostooooso”.

Obviamente, que o homenageado não ouviu o discreto gesto de carinho, mas o acompanhante da moça escutou e não gostou. O cidadão, que já tinha cara de poucos amigos e aparentava ser o avô da serelepe foliã, fechou, literalmente, a cara. E não adiantou o sorriso maroto ou acrobacias dançantes da foliã para quebrar o gelo do empertigado coração ferido. Nem mesmo oferecendo um Tequila Baiana, que se o cara tomar a quarta dose dá PT (Perda Total, só isso), ele melhoraria.

Ivete Sangalo, Alok, Bel Marques e Filhos de Jorge: haja animação!

Bel Marques, Ivete Sangalo, Filhos de Jorge, Carlinhos Brown, Alok, Timbalada foram algumas das 38 atrações que, desde as 10 horas da manhã do sábado, levantaram a poeira e zoeira do Circuito Dodô. Alok eletrizou e chegou a faltar energia2 no circuito. De fato, ele eletrizou, mas não foi isso que causou a interrupção, mas sim os confetes e serpentinas jogados do alto dos prédios que caíram na fiação elétrica.

Os desencantos

O Carnaval para o turista ver e, principalmente, para aquele que pode pagar, é maravilhoso. Tudo do bom e do melhor, estrutura vip, mas quando é Carnaval para o povão tudo é diferente. A começar pela espera do ônibus, que nunca chega para te levar ao circuito. Você até pensa que está esperando o coletivo da sua cidade lá do interior da Bahia ou de outra capital e que, óbvio, nunca vai chegar. E você desanima. No fim, lá vem o bólido com gente saindo pelo ladrão e você segue ali apertado numa lata com superpopulação de sardinha.

Outra coisa aterrorizante são motoboys circulando pela cidade, acionando as buzinas com um barulho ensurdecedor. Aquele número do circo, o Globo da Morte (quando dois os três motociclistas fazem malabarismo no globo), é fichinha, se comparado com o que estas pessoas fazem no trânsito. Estão mais para um esquadrão suicida do que qualquer outra coisa. Nos últimos dois anos, 125 pessoas morreram em acidentes com motocicletas. A Superintendência de Trânsito do Salvador (Transalvador) informou que no ano passado houve 2.694 acidentes envolvendo motocicletas. Em 2022 foram 2.081; portanto, um crescimento de 29% nos casos. O excesso de velocidade é apontado como uma das infrações mais recorrentes entre motociclistas.

Ônibus na avenida Centenário: trânsito caótico e orientação equivocada

Desde que o Carnaval existe em Salvador, que a mobilidade não chegou à Boa Terra. E até tem  a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob), comandada por Fabrizzio Müller, que na noite do sábado, ao tentar organizar o caótico trânsito na avenida Centenário, orientou um motorista de ônibus a subir no passeio e o peso do veículo fez com que uma tampa de boca-de-lobo cedesse e a roda dianteira do lado esquerdo ficasse presa. Deu um trabalho sair, mas no final deu certo. Só não resolveu o engarrafamento, que piorou. E será assim até quarta-feira de cinzas e ad eternum por muitos carnavais. Era uníssona a reclamação da população sobre a  (des) organização da mobilidade urbana, que costuma reunir no Carnaval milhões de pessoas. Muitos não encontravam ônibus e os taxistas e os motoristas de aplicativo aproveitavam para cobrar valores altíssimos, como que para garantir o décimo-terceiro salário para o Carnaval de 2025.

A Semob informa no seu site, que nos dos primeiros dias do Carnaval deste ano, mais de 152 mil foliões optaram pela linha gratuita Lapa-Calabar. “O número expressivo representa um aumento de quase 30% em comparação com os registros do mesmo período do ano passado. Em 2023, a quinta e sexta-feira da folia momesca contabilizaram 117.553 embarques”, diz a matéria publicada no site da Semob. Os números podem parecer eloquentes, mas estão longe de atender a todos com a qualidade que merecem. “Sob tortura, nos números confessam qualquer coisa”.

O mundo todo vai para Salvador no Carnaval, mas é o soteropolitano que passa por tantas agruras, sofrimentos e falta de respeito que, com trabalho e um sorriso mágico, carrega essa metrópole nos ombros. Afinal, “o baiano é um povo a mais de mil. Que tem Deus no coração e o diabo no quadril”.

 

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Antonio Carlos Garcia

Editor do Portal Só Sergipe

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