Deixei o Brasil no início de setembro. Após trinta meses em casa, sem viajar para o exterior, por causa do coronavírus. Desembarquei no Panamá, segui viagem por sete países da América Central, ainda desconhecidos. Nesta viagem cheguei a 151 países visitados em todos os continentes da terra.
Viajei no calor da eleição para o primeiro turno. Quando os dois primeiros colocados na corrida presidencial se vangloriavam que levariam no primeiro turno.
Para quem acompanha política há tempos, sabe que tem muito blefe, muitas notícias falsas, hoje rebatizadas de fake news. Mas que continuam sendo a velha trapaça de sempre.
Assisti, em um quarto de hotel em Tegucigalpa, Honduras, ao hilariante debate na TV Globo, em 28 de setembro. Até um sujeito fantasiado de padre, apareceu como candidato a presidente pelo PTB. Kelmon Luís da Silva Sousa, baiano de Acajutiba, 45 anos, estava no debate como figura folclórica para tumultuar o ambiente. Hilário e triste.
Kelmon, chamado de padre de quadrilha junina pela candidata Soraia Thronick, viralizou nas redes sociais. Kelmon é padre na igreja do Papa Roberto Jefferson. Soraia terminou em último lugar, virou “a mulher do padre”, lembrando as brincadeiras de criança. Quem por pouco não virou “mulher do padre” foi o candidato Circo Gomes, ops, Ciro Gomes, que derreteu nesta eleição, fazendo papel de biruta de aeroporto. Muda de posição de acordo com o vento. “O Brasil não é para amadores”, dizia Tom Jobim.
As pesquisas davam como certa a vitória do candidato Luiz Inácio, o Lula, no primeiro turno. Não só não venceu como a diferença para o presidente Jair Bolsonaro foi pequena. As pesquisas falharam.
Desembarquei de volta ao Brasil por Manaus, no domingo, 2 de outubro, dia das eleições. No mesmo dia segui viagem para Boa Vista.
Tudo tranquilo, bem diferente do que a imprensa vinha especulando. As notícias de que haveria um acirramento dos ânimos entre os eleitores dos dois principais candidatos – poderia haver confusão, conflito, violência, até derramamento de sangue – não se confirmaram.
Lembrei do velho mestre, saudoso professor Kallil Mohana, homem experimentado, astuto observador do seu tempo, que dizia: “No Brasil não há derramamento de sangue nem na lua de mel, porque já derramou antes”.
Para este segundo turno há um personagem novo – o capeta. Os candidatos trouxeram o “Diabo” para o centro do debate, em uma guerra nada santa.
O diabo anda à solta e tem tomado conta da conversa política do país na corrida presidencial. A campanha de Jair Bolsonaro (PL) prega que a eleição é uma luta do bem contra o mal, e aliados do presidente tentam associar Lula (PT) ao capeta, em uma tentativa de afastar os eleitores evangélicos do petista.
Agora foi a vez da esquerda partir para o ataque. Apoiadores de Lula resgataram um vídeo antigo em que Bolsonaro discursa em uma Loja Maçônica, insinuando que o atual presidente tem ligações com o diabo. O público-alvo das mensagens também são os evangélicos.
Seria cômico se não fosse trágico. Na campanha não teve espaço para discutir o futuro do país; como resolver nossos sérios e seculares problemas. Os candidatos não falaram sobre segurança, desemprego, fome, insegurança alimentar, educação, reforma agrária, saúde. Tudo girou em torno de ofensas pessoais, desconstrução do oponente; de chorumelas. Ou seja, coisas de pouco valor, ninharias, questiúnculas, que não melhoram em nada nossas vidas.
Se Deus algum dia foi brasileiro, se cansou de tanta patifaria. Tinha coisas mais importantes para se ocupar, bateu em retirada, nos abandonou à própria sorte.
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista, escritor e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. O sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.
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