Paulo César Santana (*)
O atraso no repasse de verbas por parte da Agência Nacional do Cinema (Ancine) tem preocupado entidades e representantes ligados ao setor. Atualmente, as travas que impedem a transferência de quantias pertencentes ao Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), umas das principais ferramentas de fomento no país, vão desde o não pagamento de cerca de R$ 1 bilhão, herdado da última gestão, até a demora na liberação de valores para projetos já aprovados em editais passados. Com isso, a indústria cinematográfica nacional pode sofrer prejuízos a longo prazo e, assim, frear um desenvolvimento que vinha ganhando cada vez mais força.
“O descaso com a cultura já estava anunciado antes mesmo da posse do presidente que, durante sua campanha, intensificou os ataques à área e à classe artística brasileira e, logo após o início de seu mandato, rebaixou o Ministério da Cultura para o status de secretaria, minimizando a relevância da área,” comentou a professora do curso de Audiovisual da Universidade Federal de Sergipe, Danielle de Noronha.
A forma como, até então, o cinema brasileiro tem sido financiado é fruto da criação de algumas medidas que, ao longo da história, permitiram que fossem ampliadas as possibilidades de desenvolvimento para o setor. Uma delas, a Lei do Audiovisual (8.685/93), ocorreu posteriormente ao episódio de fechamento da Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Embrafilmes) e de demais órgãos de apoio, no início da década de 1990, ainda na era Collor. Sancionada já sob o comando de Itamar Franco, a nova legislação abriu espaço para que pessoas físicas e a iniciativa privada, as quais forneciam recursos a projetos audiovisuais, recebessem incentivo fiscal por meio do abatimento e isenção de taxas tributárias. A nova legislação representou o fim do blecaute sofrido por cineastas, produtores e roteiristas durante os dois primeiros anos da década.
Dois anos mais tarde, a indústria cinematográfica vivia o seu auge pós-apagão, com o lançamento de 12 longas-metragens e atraindo um público de quase 30 milhões de pessoas aos cinemas. Entre os clássicos pertencentes à época, esteve ‘Carlota Joaquina, a Princesa do Brazil’, dirigido pela novata Carla Camurati. Lançada em 6 de janeiro de 1995, a produção, estrelada por Marieta Severo, permaneceu em cartaz por quase um ano e arrecadou a quantia de R$ 6 milhões em bilheteria, dez vezes mais que o seu orçamento. Outra medida criada nesta década, a lei nº 8.313/91, nomeada pelo atual presidente como Lei de Incentivo à Cultura, também gerou resultados positivos à indústria a partir de sua formulação, transformando-se num dos principais mecanismos de fomento no país. Em abril do ano passado, o governo federal determinou mudanças na lei que fizeram aumentar ainda mais as desavenças entre a gestão, artistas e representantes de diversos segmentos culturais.
No que diz respeito à participação da indústria audiovisual no Produto Interno Bruto do Brasil, a mesma tem demonstrado expressividade e comprovado a importância de investimentos no campo. A porcentagem, apontada nos dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), divulgados em 2018, está entre 0,5% a 1,5% dos resultados do principal índice financeiro do país, correspondendo a quase metade do PIB cultural. Além disso, neste mesmo ano, as 185 produções cinematográficas lançadas nacionalmente, número considerado histórico desde 2009, foram exibidas para 15% do total de público, representando um quantitativo de 24 milhões de ingressos vendidos, segundo o Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual. Já no que se refere à geração de emprego, o mercado mobiliza um número de 330 mil por ano, entre ocupações diretas e indiretas.
“Há muitas outras questões que ainda poderiam ser destacadas, mas uma relevante é pensarmos sobre os motivos que levam o atual governo a se preocupar e combater tanto a cultura e, especificamente, o audiovisual. Um dos caminhos para refletirmos sobre isso é entendermos a importância das imagens em movimento como ferramentas de luta e de construção de narrativas críticas, que visibilizam outras histórias e personagens e preservam a nossa memória. O momento atual é delicado e pede que profissionais, estudantes, empresas e instituições envolvidas em todas as áreas do setor se unam e se mobilizem em prol da sobrevivência e resistência do audiovisual brasileiro”, concluiu Danielle.
Com as ações de fomento ao mercado cinematográfico praticamente paralisadas em âmbito federal, o menor estado brasileiro também sofre com as consequências nefastas da falta de incentivo público a realizadores de produtos audiovisuais. Ainda assim, nos últimos meses, os impactos causados pela pandemia do novo coronavírus ao setor foram minimizados com o anúncio do pagamento de auxílio emergencial, através da lei Aldir Blanc que contempla, também, outras áreas culturais. De acordo com a representante da Fundação Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (Funcap), Jades Moraes, o subsidio também promoverá abertura de novos editais. “Serão vários específicos para o audiovisual englobando categorias como curta, programa de TV e telefilme” pontuou.
No entanto, para os profissionais deste tipo de mercado em Sergipe, a principal dificuldade ainda é a falta de políticas públicas que demonstrem um real compromisso com a sua fomentação. Um destes representantes, o diretor e produtor Baruch Blumberg, defende um diálogo mais próximo entre governantes e entidades que compõem a indústria audiovisual do estado.
“Não podemos nos enganar, o poder público é o principal responsável por fomentar qualquer setor cultural. Mas quando em Sergipe se desenvolve qualquer proposta de ação audiovisual, seja em nível estadual ou municipal, isso é feito sem diálogo, sem discussão com o setor organizado a partir do Fórum Permanente do Audiovisual de Sergipe. É feito totalmente de cima para baixo, e em quase sua totalidade, não atende às necessidades do setor. E por essa ausência local de políticas públicas, os realizadores audiovisuais de Sergipe não conseguiram alcançar políticas nacionais e, com isso, financiamentos maiores, para projetos maiores, produzindo mais renda, gerando mais empregos e mais dinheiro dentro da cadeia produtiva do audiovisual”, ressaltou o produtor.
Baruch destacou como positivo o surgimento de projetos como o Núcleo de Produção Digital Orlando Vieira e o curso de Cinema e Audiovisual, em 2006 e 2009, respectivamente, além do Mestrado de Cinema, inaugurado em 2016, mas, segundo ele, com um processo para implantação desde 2012.
A ausência de mecanismos estatais para expansão do audiovisual em Sergipe acaba agravando, ainda mais, o desconhecimento destas produções por uma parcela significativa da população. Em sua maioria, os filmes produzidos nacionalmente, que chegam a um alcance massivo, tem sua origem em entidades com maior capital, como a Globo Filmes. Sem meios de crescimento para produtoras de menor porte, a grande saída, destaca Blumberg, são os festivais de cinema gratuitos surgidos em todo o estado, de forma independente e sem apoio governamental.
“O cinema, assim como as demais artes, tem que ser visto pelo poder público no que ele é: cultura e arte de um povo, mas também economia, emprego, desenvolvimento humano, educação, etc. Só assim, a população também passará a perceber esses valores e melhor absorvê-los, enxergando ela mesma como parte também dessa produção cultural e artística”, afirmou o produtor.
No estado sergipano, atualmente, dois grandes festivais vêm se mantendo firme com o passar dos anos. Um dos mais antigos, a Casa Curta-SE representou um importante passo no cenário audiovisual local, promovendo um intercâmbio de ideias com fomentadores de outras regiões, realização de palestras, seminários, entre outros eventos. O Sercine, do qual Blumberg é integrante, já possui 10 anos de história voltada a levar para o público a diversidade do cinema brasileiro, por meio da exibição de longas e curtas metragens, locais e de diversas regiões do país, assim como debates sobre temas pertinentes ao cinema regional. Além destes, os últimos dois anos foram marcados pela criação do Festival Universitário de Curtas a Céu Aberto (FUCCA) e o Festival Internacional de Cinema de Itabaiana, este último contribuindo no incentivo à divulgação de trabalhos feitos por jovens produtores, residentes no Brasil e em outros países.
“Estes festivais são fruto de iniciativas independentes, de pessoas que gostam de cinema e viram um estado ausente na oferta por espaços para fruição e debate acerca do cinema e audiovisual. Nós temos avançado com esse mercado em Sergipe, mas não pela ação de governos estaduais ou municipais, e sim pela luta da sociedade civil organizada e por políticas federais que, até 2014, possibilitaram o surgimento de espaços de formação importantes em nosso estado. Temos grandes cineastas como a Everlane Moraes, com ótimos filmes e reconhecimentos nacional e internacional, filmes sergipanos participando pela primeira vez da Mostra Nacional do Sesc, em 2019, entre outras produções nesses últimos 15 anos”, frisou Baruch.
A representatividade também resiste
Se comparado com o início de décadas atrás, a participação de negros e negras em produções do setor cinematográfico pode dar falsos indícios de uma expansão. Apesar de haver uma presença mais acentuada, o público negro parece ainda longe de se reconhecer nas telas de cinema país afora. Conforme constatado pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), das 240 produções realizadas entre os anos de 1995 a 2018, nenhuma contou com mulheres negras na direção. O reflexo da participação majoritária de homens brancos no comando desta indústria é visto na quase inexistência de personagens negros retratados de forma não estereotipada, em longas com alta bilheteria no país.
Em nível local, a luta pela representatividade deste grupo nas telas acontece, especialmente, por meio da Egbé – Mostra de Cinema Negro de Sergipe, outro grande festival audiovisual do estado. Surgido de uma inquietação por parte da produtora e cineasta negra Luciana Oliveira, a iniciativa se firmou, ao longo de seus cinco anos de existência, como um dos principais mecanismos para exibição e discussão de temas voltados à narrativa deste grupo em produções cinematográficas, gerando visibilidade a nomes como o de Severo D’Acelino.
“Há algum tempo, a nossa produtora (Luciana) vinha pesquisando sobre cinema e autorrepresentação e como somos um grupo de amigos ligados por esta e outras artes, surgiu a ideia de montarmos a mostra, começando como uma construção de equipe, um ‘aquilombamento’ como gostamos de dizer. Essa foi a forma encontrada, a partir de uma necessidade, de trazer para os sergipanos o debate racial através dessa arte tão potente que é o cinema. Iniciamos de forma utópica, mas já conseguimos concretizar muita coisa”, ressaltou a assessora de Comunicação da Mostra, Taylane Cruz.
Responsáveis pela seleção de filmes a cada edição do projeto, a equipe de curadores da Egbé, a partir de discussões prévias, define os escolhidos utilizando critérios como relevância da temática trazida pelas produções, inovação estética e, claro, a direção por um cineasta negro. Os encontros, segundo a assessora, ocorrem durante todo o ano, e a diversidade dos membros que compõem o grupo é outra exigência cumprida à risca para que seja mantida a qualidade dos produtos apresentados ao público.
“É fundamental utilizarmos essas áreas dos saberes humanos para desconstruir a imagem do negro do ponto de vista europeizado, que é muito comum ver na história do cinema mundial, e em diversas outras mídias. Essa ideia do negro como subalterno, animalizado, estereotipado, que tantas narrativas da história do cinema construiu. O que a Egbé tenta fazer é justamente oferecer ao público narrativas outras do ponto de vista do negro sobre o negro, a partir de diversos olhares, de cineastas de diferentes estados e países, levando em seus filmes narrativas em que a subjetividade da pessoa negra é o centro, abordando o seu cotidiano, afetos, infância e outras situações que fazem parte de nossa existência”, frisou Taylane.
Nesse sentido, é válido ressaltar que, nos últimos anos, mudanças estruturais nas políticas de acesso aos bens de produção, bem como aos cursos de formação, viabilizaram um crescimento de produções que tentam desconstruir tal representação eurocêntrica em filmes do gênero. Por outro lado, a existência de um cinema hegemônico formado, predominantemente, por pessoas brancas, contribui para a sustentação de um imaginário que, cada vez mais, põe em risco as possibilidades de dar voz e rosto a uma população que, numericamente, forma a maioria dentro do território nacional.
(*) Estagiário sob orientação do jornalista Antônio Carlos Garcia
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