quinta-feira, 10/04/2025
Grota do Angico
Grota do Angico, em Poço Redondo, na região da caatinga em Sergipe Foto: Arquivo/ASN

Com avanço do desmatamento, Ministério Público lança força-tarefa para proteger a caatinga

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Com o objetivo de fortalecer a proteção e recuperação da vegetação nativa e da biodiversidade da caatinga — o único bioma exclusivamente brasileiro e um dos mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas —, a Associação Brasileira de Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) lança o projeto Caatinga Resiste, durante o XXIII Congresso Brasileiro do Ministério Púlico do Meio Ambiente, de 14 a 16 de abril, no Ceará. A iniciativa reunirá esforços dos Ministérios Públicos de nove estados inseridos no bioma – Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais –, em parceria com órgãos estaduais de fiscalização.

Além de fortalecer as fiscalizações por meio do trabalho conjunto, o projeto visa promover a transparência e a correta atualização dos dados no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e das Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV), conforme as diretrizes estabelecidas na Nota Técnica da Abrampa. Prevê, ainda, o levantamento dos principais remanescentes da Caatinga e das Áreas Prioritárias para Recuperação do bioma, bem como fomentar o processo de validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) no bioma caatinga.

A promotora de Justiça do MPSE e coordenadora do projeto, Aldeleine Melhor Barbosa, destaca que “considerando a importância do bioma como sumidouro natural de carbono, sua preservação é urgente e essencial, não apenas para proteger sua biodiversidade única, mas também para promover a sustentabilidade das comunidades do semiárido brasileiro, combater a crise hídrica na região e integrar uma estratégia de adaptação climática em um contexto global, dando especial atenção ao controle e reparação dos processos de desertificação nas áreas mais críticas do bioma, as quais têm avançado significativamente nos últimos anos”.

Promotora de Justiça, Adeleine Barbosa: “preservação é urgente e essencial” Foto: Igor Graccho/TCE-SE

Entre os dez estados onde a caatinga está presente, predominantemente na região Nordeste, o Ceará é o único totalmente coberto pelo bioma, seguido pelo Rio Grande do Norte (96%), Paraíba (92%), Pernambuco (84%), Bahia (62%), Sergipe (55%) e Alagoas e Piauí, ambos com 47%. No Sudeste, Minas Gerais é o único estado com cobertura de vegetação semiárida, ocupando 5% de seu território. Com a menor cobertura do bioma (1%), o Maranhão não registrou alertas de desmatamento para a Caatinga nos últimos anos e, portanto, não integrará a força-tarefa do projeto Caatinga Resiste.

O projeto será lançado em abril, em Fortaleza, durante o 23º Congresso Nacional do Ministério Público de Meio Ambiente, realizado pela Abrampa em parceria com o Ministério Público do Ceará (MPCE).

“O alto índice de desmatamento irregular na caatinga demonstra a necessidade urgente de ações coordenadas entre os Ministérios Públicos e os órgãos ambientais. Nossa meta é aprimorar o controle sobre a supressão de vegetação, assegurar maior transparência na regularização ambiental e impulsionar a responsabilização de infratores, contribuindo para a proteção desse bioma tão singular e essencial para o equilíbrio climático e para as comunidades que dele dependem”, ressalta Alexandre Gaio, promotor de Justiça, presidente da Abrampa e idealizador do projeto.

Cenário do desmatamento

A crescente perda de vegetação nativa na caatinga nos últimos anos tem gerado grande preocupação. As pressões das atividades econômicas, da exploração desenfreada dos recursos naturais e dos impactos evidentes das mudanças climáticas — como o aumento das temperaturas e as alterações nos ciclos hidrológicos — estão reduzindo sua capacidade de se autoregenerar.

Entre 1985 e 2023 (INPE), o bioma perdeu aproximadamente 8,6 milhões de hectares, o equivalente a 14% de sua cobertura vegetal original. Atualmente, das áreas remanescentes, menos de 9% estão protegidas por unidades de conservação, e apenas 1,3% dessas áreas são de proteção integral.

Dados do MapBiomas indicam que, em 2023, a caatinga registrou um aumento de 43,3% no desmatamento em relação ao ano anterior, totalizando 201.687 hectares de vegetação nativa perdidos, representando 11% do total de desmatamento no Brasil. Os estados mais afetados foram: Bahia (34% de aumento) e Ceará (28%). Pernambuco foi o único estado que apresentou queda (35%).

Caatinga vem sofrendo com desmantamento em algumas regiões Foto: Arquivo/ASN

Em todo o bioma, apenas 2,81% das áreas desmatadas não apresentaram indícios de irregularidades — a menor taxa entre todos os biomas brasileiros. A perda de vegetação, somada à fragmentação, mudanças no uso da terra e às condições áridas e semiáridas, compromete a capacidade do solo de reter água e nutrientes, aumentando o risco de desertificação.

De acordo com o MapBiomas, 112 municípios da caatinga classificados como Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD) nos níveis “Muito Grave” e “Grave” já perderam aproximadamente 300 mil hectares de vegetação nativa, representando cerca de 3% da perda total no bioma.

Além da agropecuária, empreendimentos de energia solar e eólica também têm pressionado o bioma. Em 2023, a supressão de vegetação para esses projetos aumentou 24%, somando 4.302 hectares. O Rio Grande do Norte liderou com 1.369 hectares desmatados, um aumento de 372%.

Esses dados reforçam a urgência de medidas de fiscalização e controle para conter o desmatamento e monitorar os impactos das atividades econômicas sobre a vegetação nativa da Caatinga.

Estratégia de fiscalização

Entre 2019 e 2023, apenas 8,53% das áreas desmatadas na caatinga (85.873 hectares) foram alvo de ações de fiscalização (MapBiomas). O projeto Caatinga Resiste quer mudar esse cenário, com o fortalecimento de políticas contra o desmatamento ilegal e o uso de estratégias mais eficazes de fiscalização ambiental.

Inspirado na Operação Mata Atlântica em Pé, o projeto utilizará monitoramento por satélite (MapBiomas Alerta) para detectar áreas de desmatamento ilegal, cruzando os dados com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e com as ASVs para identificar irregularidades.

As fiscalizações serão feitas por órgãos ambientais e polícias, tanto presencialmente quanto por ferramentas de fiscalização remota. Quando identificadas irregularidades, o Ministério Público adotará medidas para garantir a reparação dos danos ambientais e a responsabilização dos infratores, inclusive em relação aos impactos no clima.

Ao final, será divulgado o balanço com as áreas fiscalizadas, os processos instaurados e o total de multas aplicadas.

Caatinga e mudanças climáticas

A caatinga desempenha um papel crucial no sequestro de carbono, funcionando como um sumidouro natural de CO₂, inclusive em períodos de seca. Um estudo do Observatório Nacional da Dinâmica da Água e do Carbono no Bioma Caatinga (OndaCBC) mostrou que o bioma é um dos mais eficientes do mundo em armazenar carbono, superando até a Amazônia em certas condições climáticas.

Segundo o estudo, ao longo de quase uma década, a caatinga removeu, em média, 5,2 toneladas de carbono por hectare por ano — o equivalente a 527g por metro quadrado. No entanto, a perda de vegetação compromete essa capacidade, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e agravando as mudanças climáticas.

 

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