Diante de tantas mudanças – escolas fechadas e novamente abertas, atividades se restringindo no máximo aos quatro cantos da casa, dificuldades de organizar a higienização e os cuidados de saúde para os filhos que possuem guarda compartilhada – os pais se encontram numa situação inédita de tomada de decisões.
Pediatras, professores, babás precisam reaprender, na prática, como trabalhar e, dentro do possível, orientar os pais a conduzir melhor as crianças. Voltamos a um modelo de gestão em que os pais devem assumir integralmente todos os cuidados com os filhos e ainda manter seu tempo de trabalho a salvo para novas atividades, já que a demanda profissional também sofreu alterações e exige mais tempo de adaptação. Como lidar com uma criança ou adolescente em casa que, em tese, ainda está em processo de amadurecimento, maturação e desenvolvimento do controle e das suas funções executivas (que só atingem o auge em torno dos 18 anos)?
Alguns pais estão enlouquecidos com crianças agitadas (veja que falei “agitadas”, que difere e muito de “hiperativas”, para desconstruímos pseudodiagnósticos), impacientes, exaustos e precisando aprender a desenvolver a paciência, a tolerância e a lidar com os grandes e novos limites. Agora, entregar tablet, celular ou permitir o uso do videogame para os pequenos não é suficiente. Eles enjoam rapidamente… Estão cheios de energia e trancafiados em cubículos cada vez menores (nossas casas têm diminuído de tamanho e, hoje, somente arquitetos e designers conseguem colocar tudo o que precisamos dentro de quartos, salas e cozinhas-lavanderias integradas). Os condomínios têm restrições para as áreas de lazer e muitos ambientes estão fechados. Mesmo assim, não podemos descartar o risco de contaminação desses espaços e áreas comuns. O que fazer com pequenos seres humanos com excesso de energia?
Agora, faz falta o “ensaio” não feito quando se ia a restaurantes e, ao invés de ensiná-los a aproveitar o ambiente e interagir em família, se entregava um tablet para que se pudesse comer em paz e não ter de se revezar no desejo infantil de conhecer o mundo e experimentar as coisas, dando-lhes limites e liberdades de acordo com o processo maior de educação e preparação para a vida. Também existem limites para a troca da educação pelo consumismo desenfreado, justificado pela falta de tempo de estar com eles. Em uma situação em que não sabemos como ficará a nossa saúde, poupar pode ser definidor para auxiliar os possíveis gastos. O que fazer para suprir um cuidado que foi delegado parcialmente à escola, aos avós, às babás ou a quem estivesse ao alcance dos pequenos?
Dessa perspectiva, não sem correr o risco de sofrer críticas severas, acredito que estamos em um momento de possível crescimento, pois é tudo o que podemos usufruir dos tempos de crise: ressignificar vivências, construindo novos modelos com mais recursos e capazes de lidar melhor com a vida. Assim, podemos dizer que a pandemia trouxe um lado bom. Está colocando pais e filhos para conviver mais intensamente e pedindo que aprendam a desenvolver sua paciência, busquem novas formas de potencializar o tempo, desenvolvam recursos para lidar com seus sentimentos e a conviver com as diferenças dentro da família.
Não é fácil. Ter que, de uma hora para a outra, se colocar disponível para os filhos, mais do que antes, exige um grau de desenvolvimento e maturidade que foram ignorados pela sociedade capitalista que supria tudo pelo consumo. Agora, o processo é para dentro. Olhar-se, descobrir seus pontos-cegos, investir em si e em todo o seu sistema perceptivo, sensitivo e afetivo é o caminho. Somente pais que conseguem se perceber e se sentir podem auxiliar seus filhos na contenção de tudo o que estão vivendo e sentido (medo, impaciência, angústia, ansiedade, falta de limites). Atividades e passatempos que foquem na meditação, interiorização de si, busca de compreensão e integração entre o pensar e o sentir precisam ser prioridade na gestão da pessoa e da família. Nenhuma decisão definitiva deve ser tomada enquanto a pandemia não houver se diluído, quer seja pelas vacinas ou pelos cuidados sanitários. Decidir sob impulso acarretará decisões impensadas e arrependimentos. As crianças têm os pais como espelhos e, quanto mais convivência, maior o modelo a ser imitado e seguido no futuro.
Crianças não aprendem teoricamente. Não aprendem pela palavra. Elas aprendem por ações e comportamentos vivenciados e a melhor forma de preparar os pequenos para o “novo” futuro é se permitindo ser alguém melhor, com mais recursos e maior amadurecimento (afetivo). Só assim teremos crianças prontas para lidar com qualquer futuro, pois tiveram pais que forneceram a base para o florescimento de grandes cidadãos de bem, consigo, com os outros e com o meio.
(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe, tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit) e em curso Gestão Empresarial pela FGV.
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva da autora. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.