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Crise política: o que Odisseu, Sócrates e Carnegie podem nos ensinar?

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Rafael Leleu (*)

Ao refletir sobre os últimos acontecimentos no Brasil, acerca do quadro de extrema polarização de ideias, em que amizades estão sendo desfeitas e familiares cortando relações em razão de posições políticas divergentes, lembrei-me de Dale Carnegie, de Odisseu e de Sócrates. Os três trazem conselhos úteis que podem se aplicar aos dias que estamos vivendo.

Carnegie, em seu célebre livro “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, escrito em 1936, afirma que, em 99% das vezes, as pessoas não assumem a responsabilidade por seus atos e não fazem autocríticas por motivo algum, mesmo que estejam completamente erradas”.

Na obra, ele cita diversos criminosos que ao fim da vida não se enxergavam como criminosos, mas como pessoas bondosas e incompreendidas. Somos tão diferentes desses criminosos? Dale afirma que não! “Eis a natureza humana em ação: malfeitores culpando a todos menos a si mesmos. Todos nós somos assim”.

O autor segue dizendo que por esse motivo, quem deseja influenciar ou ser bem-quisto pelas pessoas, precisa ficar atento de que não adianta criticar. A crítica só vai colocar o ouvinte na defensiva e fazê-lo tentar se justificar dos seus atos. Ela fere o orgulho do indivíduo, atinge seu senso de importância e desperta ressentimentos.

Ele ensina: “quer provocar um ressentimento que perdure décadas e resista até a morte? Basta fazer algumas críticas mordazes, por mais que estejamos convencidos de que elas são justas”. Isso ocorre, segundo o autor, porque “ao lidar com pessoas, devemos lembrar que não estamos tratando com criaturas lógicas, mas com seres emotivos, suscetíveis a preconceitos e motivados pelo orgulho e pela vaidade”.

Assim, ele finaliza esse primeiro capítulo orientando que em vez de condenar as pessoas, devemos tentar compreendê-las, descobrir o que as leva a fazer o que fazem. Essa atitude será bem mais útil e interessante do que as críticas, além de cultivar a compaixão, a tolerância e a bondade.

As críticas severas e as reprovações contundentes só servem para inflar o ego do emissor e gerar ressentimentos no ouvinte. Não vão produzir qualquer efeito diferente disso, qualquer mudança de pensamento ou comportamento! Críticas não são instrumentos de persuasão!

Os ensinamentos de Dale Carnegie, redigidos há mais de 80 anos, ainda são extremamente úteis e atuais. Dizer “verdades”, fazer acusações, rotular pessoas disto ou daquilo são verdadeiros entraves para o desenvolvimento das boas relações interpessoais.

Aplicar rótulos, como vemos com muita frequência hoje – bolsominions, comunistas, por exemplo – reduzem as pessoas a percepções equivocadas, que não contemplam a complexidade dos seres humanos. A opção de voto em A ou B não pode ser critério para julgar caráter e prever comportamentos das pessoas, isso é um tipo de preconceito e precisamos de atenção para evitá-lo.

Uma ação de Odisseu, na peça Ájax , do grego Sófocles, nos ensina a sabedoria de reservar a atitude certa para o momento adequado. Nessa conhecida tragédia grega que se ambienta na Guerra de Tróia, Ájax era o segundo melhor guerreiro, ficando atrás apenas do grande Aquiles, e por isso acreditava ser merecedor de herdar a sua armadura e as suas armas após sua morte.

Mas o seu chefe, Agamemnon, honrou o seu rival, Odisseu, com as armas e a armadura do lendário Aquiles, o que enfureceu Ájax sobremaneira, que quis matar seus companheiros, chefes e a Odisseu. A deusa Atena, para impedir Ájax, fez com que delirasse e acreditasse que seus companheiros eram um rebanho de ovelhas que estava ali. O guerreiro mata alguns e leva outros para a tenda com a intenção de torturá-los, mas ao perceber que havia sido enganado, se sente profundamente humilhado e decide se suicidar, e o faz apesar das súplicas de Tecmesa, sua esposa. Assim, Ájax finca no solo a espada que Heitor lhe deu e se precipita sobre ela.

Diante dessa cena tão trágica, Odisseu então, ainda que odiasse a Ájax, deseja enterrá-lo com todas as honras merecidas, mas Agamemnon, seu chefe, se recusa a conceder-lhe o respeito fúnebre e indaga: “tomas partido dele contra mim?”, ao que Odisseu responde: “Eu o odiei enquanto coube o ódio”.

Odisseu aqui, com essa breve resposta, nos fornece uma lição que sobrevive há 2500 anos: deve-se deixar o ódio de lado com o novo arranjo das circunstâncias. É uma virtude ser flexível e se adequar aos novos cenários que se apresentam. A lição de Odisseu se aplica ao momento em que vivemos no sentido de que a disputa política acirrada até o pleito eleitoral é natural; após ele, é descabida, sem sentido, não honrosa, chata e enfadonha.

Sócrates tomando cicuta
Foto: Wikipedia

Por fim, não menos importante, Sócrates. Registra Platão na “Apologia de Sócrates” e “Críton”, que o grande filósofo grego preferiu acatar sua sentença de morte e tomar do cálice com cicuta, que contestar o julgamento promulgado pela maioria dos seus concidadãos, recusando a fuga ofertada por seu amigo Críton, e com isso, ofereceu verdadeiro sacrifício no altar da democracia. Tal ato heróico, mas indubitavelmente refletido, como se pode constatar em toda sua defesa, deve servir como fonte de inspiração a todo aquele que deseja criar em si um espírito mais democrático e tolerante.

 

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(*) Rafael Leleu é advogado tributarista e sócio da Zahav Investimentos, escritório do Banco Safra em Aracaju.

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