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Por Luciano Correia (*)

 

Voltei a Cuba 26 anos desde a última vez. Primeiro foi em 1989, ainda sob o signo da Cortina de Ferro e da estrela da União Soviética, responsável então por uma banda do mundo. Ali vivi três meses no tradicionalíssimo e lendário Hotel Nacional, depois de duas semanas no subúrbio de Machurrucutu. Fui para uma pós-graduação intensiva, uma especialização em economia e relações internacionais na Universidade de Havana, por um programa da Flacso, e mítica Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, onde pontuou, lá atrás, gente como Fernando Henrique Cardoso.

Foram três dos melhores meses de minha vida. Primeiro, por ser pago para estudar, que é a melhor coisa do mundo. Depois, pelo contentamento com a primeira viagem para fora do Brasil, ainda mais num país celebrado pela minha geração de esquerda, pelas ditas conquistas da revolução e pelo irremediável charme que ainda emanava dos barbudos da Sierra Maestra. Na época, claro, o Che já não vivia, abatido que foi na selva boliviana em 1967, e Camilo tampouco, morto num acidente aéreo que os “contra” cubanos especulavam ter sido provocado. Mas Fidel sustentava bem a mística em torno dos guerrilheiros que fizeram uma revolução que deixou o mundo entre fascinado e incrédulo.

Fidel ainda portava um charme que encantava não só a esquerda e mídia mundiais, mas, sobretudo, o povo cubano, em sua maioria. Orador extraordinário, fazia qualquer um admirá-lo por horas nos seus intermináveis discursos, mesmo que por baixo do tapete corresse já uma onda de críticos, dissidentes e prisioneiros. Foi essa Cuba que experimentei, numa fase militante de minha vida, na época engajado no velho PCB, O Partidão, entre defesas ainda eloquentes do regime e muita boemia entre os colegas de curso. No fim, creio eu, venceu a vida mundana, alcoólica, musical e cheia de amores pelas calles do bairro Vedado.

A segunda viagem foi em 1997, para participar de um evento internacional de Televisão, onde apresentei um trabalho (os bossais da academia chamam: paper) no famoso Capitólio de Havana. Aqui uma pausa para um registro: os guias turísticos locais dizem com orgulho que o belo edifício é um metro mais alto do que o equivalente americano. Já sem muito entusiasmo pela política, conheci muita gente de imprensa e televisão, alguns deles claramente insatisfeitos com o regime. Foram só sete dias, dividido entre as belas colunas do hotel Inglaterra, em Centro Habana, os painéis do evento, um calor senegalês e a maviosa música de uma banda feminina que se apresentava no terraço do velho hotel.

Por uma dessas decisões que a gente não explica, resolvi voltar agora em novembro, numa excursão pilotada pelo gaúcho Thomaz, um advogado que resolveu apostar nesse turismo pela ilha. São roteiros diferentes, seguindo uma espécie de narrativa ou curadoria que explora vários aspectos da vida e da história. Topei o arriscado desafio de passar 15 dias em um ônibus lotado de senhorinhas petistas e outras menos atentas aos movimentos da política no mundo, mesmo que isso custasse dissabores eventuais, impaciências e o inevitável cansaço. Sim, teve também o concurso do paulista João, pé de cana de quatro costados, e do amigo arquiteto Ricardo Nunes, dos nossos Aracajus. Ao fim e ao cabo, sobrevivemos com poucos arranhões.

A primeira razão que despertou em mim a vontade de voltar à ilha, além de sua extraordinária cultura, com uma das três melhores músicas do mundo, foi o cumprimento de um roteiro pelo interior do país, passando por cidades como Trinidad, Camaguey, Santiago de Cuba, Cayo Guillermo e Santa Clara, além de Havana. Pesou também a certeza de encontrar um dos povos mais felizes e cordiais do planeta, mesmo com todo infortúnio que se abateu sobre sua vida após o colapso da União Soviética e do chamado socialismo real. Enfim, com uma agenda assim e a alma leve para não achar nada chato, como diz Gil, mergulhei num honesto mergulho pelas dores e delícias de uma Cuba que também sinto minha, voltando com novas impressões na mochila, além de uma garrafa de rum e um punhado do charuto pé-duro vendido nas lojas estatais. É o que contarei no próximo artigo.

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Luciano Correia

Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).

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