Por Léo Mittaraquis (*)
Para os diamantinos próceres Marcos Almeida, Marcus Éverson e Mateus Ma’ch’adö
“Imagine-me sentado em casa na noite do primeiro dia da Páscoa envolto em um roupão; lá fora chove suavemente; Não há mais ninguém na sala. Olho por um longo tempo para o papel em branco diante de mim, pena na mão, zangado com a quantidade confusa de todos os assuntos, eventos e pensamentos que exigem ser escritos; e alguns exigem isso com muita tenacidade, pois ainda são jovens e fermentam como mosto. Por outro lado, aquele pensamento, maduro e velho luta como um velho que, com um olhar ambíguo, despreza os cuidados da juventude”
Friedrich Nietzsche – Pensamentos Diversos. Abril a Setembro de 1864 (Sobre estados de ânimo)
O insípido título é sintoma dum incômodo similar à queimação que por vezes sinto ao beber muito. O que acontece com certa (ou errada, segundo outros) frequência. O motivo? Uma observação feita a mim sobre os escritos de sábado. E qual foi a observação? Que eu escrevo sobre tudo, sobre qualquer tema, sem norte, sem padrão, sem uma linha editorial.
A figura humana, a serumaninha, que procedeu com tal carraspana, o fez enquanto este triste exemplar da espécie aqui estava a aspirar os sutis aromas da solidão voluntária (devidamente autorizada pela radiopatroa), a bebericar seu Brandy Jerez Solera Gran Reserva (a vinte e cinco graus) e a fumar seu Dunhill Carlton “Um Raro prazer”.
Pelo que entendi, a grasnadora me viu por acidente e, ante caso fortuito e, no seu entender, de força maior, viu-se autorizada a sentar, pedir um pescoço longo qualquer, danar a falar sobre si mesma e, ao perceber que estava eu me lixando, decidiu, ébria de frustração, fazer o tal pronunciamento a título de crítica intelectual e hipócrita admoestação própria de fofoqueiros.
Bem, calado estava, assim permaneci, cuidando de renovar a dose e acender outro cigarro.
Tomada da mais profana ira, a doidivanas saltou faiscante da cadeira provocando leve abalo sísmico na mesa, atraindo a atenção do discreto garçom, veterano cúmplice dos meus crimes, indo-se e desaparecendo entre automóveis.
Bem dizia Pierre Bourdieu: poucos permanecem indiferentes à indiferença.
A propósito: graças à etimologicamente zoila obnubilada, fui ungido, por cortesia, com uma dose extra de Brandy. Iniciativa do amigo garçom. Parece que a frase “não há mal que não traga um bem” tem algum fundinho ralo de verdade.
Sim, e daí, ô cabrunco de articulista pedante e pernóstico: o que tem a ver o reto com as calças?
Ah, é verdade, perdi-me em divagações, creio.
Ao refletir depois sobre o ocorrido, algo como um insight papocou-me o toitiço: sobre o que ando a escrever, ao longo das madrugadas, mesmo? A relampejante resposta não tardou: nada com coisa alguma.
E né qu’é mesmo?
A coluna por mim ocupada mais parece a mercearia de Lee Chong, personagem de “A Rua das Ilusões Perdidas” (no original, Cannery Row), de John Steinbeck: “no estabelecimento encontra-se de tudo o que um homem necessita para ser feliz”.
Certo que o “tudo” que o infeliz leitor encontra nos meus artigos não proporciona o estado de satisfação, equilíbrio e bem-estar físico e psíquico, em que a pessoa se sente realizada e não sofre. Muito pelo contrário. Até onde sei, meus escritos de sábados (salvo honrosas exceções dignamente representadas por reduzidíssima e seleta consociação de leitores) induzem, via de regra, à depressão, ao desencanto, ao desinteresse, ao ressentimento, à maledicência e ao abatimento mental.
Então, em termos de referências que acrescentam o amargor do pior café, sim, logro êxito, ainda que não seja amiúde minha intenção.
Pois é… Escrevo de tudo sobre o tudo…
Porém, não é bem assim. Primeiro porque ninguém, até onde sei, é bom em tudo. Este que vos insulta, ops!, que vos escreve, especializou-se apenas em ser muito bom em nada.
Sou a antítese ante o dito “ex nihilo, nihil”.
Escrevo sobre o que me vem à cachola. Um apanhado de anos de leituras inúteis, belas mulheres, música imortal, bons amigos, brigas de murro e faca, furtos de livros e bebidas, horas felizes a cozinhar, inexaurível litragem (vinho, cerveja, brandy, Aviation, Manhattan, Moscow Mule, Negroni, Milone, Casca de Pau, Cravo&Canela e congêneres).
Sim, vez por outra, se a preguiça permite, consulto as fontes. Entretanto, no mais das vezes, puxo pela memória, já carcomida pelos carunchos da eternidade. Há o risco de equivocar-me? Com toda certeza. E se alguém perceber? Bem, reconhecerei o erro e insiro nota de esclarecimento no próximo artigo. Desnecessário instituir mesa redonda.
Isso de fingir humildade, modéstia, é legal. Dá IBOPE.
Escrevo e publico coisas que, por um motivo ou outro, fizeram com que me decidisse por comentá-las.
E, sim, há uns poucos que manifestam interesse e satisfação ao ler meus garranchos. E fazem com que eu sinta algo como uma compensadora realização intelectual, pois, são pessoas da mais alta capacidade de compreensão e dotadas de vasto patrimônio cultural. Superiores a mim. Sou-lhes imensamente grato.
Há quem denomine esta miscelânea de temas sem finalidade específica de Cultura Geral.
Basicamente, Cultura Geral significa o acúmulo de conhecimento que uma pessoa tem sobre temas variados. Quem tem boa cultura geral, tem conhecimento de temas diversos sem se especializar em nenhuma área em particular. Hum… Mais ou menos por aí… Ainda que eu detenha uma xexelenta formação acadêmica em Filosofia e em História da Educação…
Conforme percepção do filólogo, historiador e professor de filosofia Dietrich Schwanitz, aquele que se dedica à Cultura Geral inquire-se sobre coisas tais como: “por que a sociedade moderna, o Estado, a ciência, a democracia, a administração surgiram na Europa e não em outro lugar? Por que é tão importante incluir figuras como Dom Quixote, Hamlet, Fausto, Robinson, Falstaff, Dr. Jekyll e Mr. Hyde entre nossos conhecidos? O que Heidegger disse que ainda não sabíamos? Onde estava o inconsciente antes de Freud?”
É bem verdade que o próprio Freud manifestava algo de prurido (ainda que falso) quanto à abordagem científica do indivíduo e do mundo. Ele o confessa numa carta a Wilheim Fliess, seu amigo e respeitado otorrinolaringologista: “Eu não sou um homem de ciência. Por temperamento, sou um conquistador”.
Então tá…
A exceção da, hum, “descoberta do inconsciente”, esta coisa indefinida, que remete, no parco entender deste analfabeto disfuncional que lhe escreve, a uma bizarra contradição/exclusão de termos, os demais itens, de fato, reconheço, causaram-me insônias colossais.
Afinal, a supracitada cabeça louca, como diria Eugene O’Neill, em “Longa Jornada Noite Adentro”, que invadiu meu consagrado espaço etílico-tabagista, até que me fez um involuntário favor: levou-me a pensar, ensimesmar-me, sobre a mixórdia semanal que expilo.
Há valor nisto? Hum… Sim, no que toca ao massagear ego e vaidade. Já em relação aos pouquíssimos leitores, estes são livres, leves e soltos para julgar.
Seja, quiçá, este artiguito, meu canto do cisne, meu crepúsculo dentre meus amados ídolos – homens e mulheres, os quais, mediante sua poderosa e elegante forma de pensar, contribuíram para a consolidação da Cultura Ocidental, vale dizer, do ‘modus vivendi’ fundamentado na consciência individual, no ato diário de liberdade, no amor ao refinado conhecimento.
Tendo, recentemente, a exercitar o salutar autoexílio, recolher-me à minha bolha e nela, ao lado da minha Imperatriz Absoluta do Meu Coração, receber as poucas almas nas quais enxergo a qualificada amizade de alto calibre.
Seja eu imbuído de coragem e de gratidão ante o tempo que o Pai Altíssimo ainda concede para que eu o viva. Que as boas pessoas, as pessoas de bem, lembrem de mim como um bom homem.
Bem, o espírito da vadiagem e do descuramento começam a dominar. Quase três da madrugada. Duas garrafas de vinho, as “Seis peças para piano em Fá maior, Op. 118: V. Romance. Andante – Allegretto Grazioso” de Brahms (se não estou a equivocar-me quanto à nomenclatura) e, o mais importante, o sorriso apascentador de minh’alma oferecido pela sedutora musa me aguardam.
Encerro aqui.
Santé!
Fiquei aguardando a resposta que Mittaraquis daria à acusação de “Tudismo Cultural”. Foi tudo que esperava e mais um pouco. Mittaraquis falou bem sobre a importância de se ter Cultura Geral. A cultura geral amplia nossa visão de mundo, nos permite conhecer diferentes culturas, histórias, arte, literatura e ciência. Mittarquis prova que tem.
Cultura Geral suficiente para estimular nossa reflexão e análise crítica. A cada novo e diferente Ensaio, corro para anotar sem o mínimo incômodo ou desconforto todas as sugestões.
Forte abraço fraternal querido amigo.