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Por Léo Mittaraquis (*)

 

Tudo o que é útil é horrível e feio. A cozinha é indispensável numa casa; mas ninguém se lembraria de lá ficar, e vamos para um salão a que enfeitamos, como este, de coisas perfeitamente supérfluas. Para que servem essas pinturas encantadoras, essas madeiras trabalhadas? Só é belo o que nos parece inútil!

Honoré de Balzac, A Comédia Humana

 

Após duas semanas de ausência, por quase todos despercebida, retorno a este conceituadíssimo hebdomadário, saltitante e serelepe que nem um caxinguelê a entornar taças e taças dum Veuve Clicquot Brut. Ou seria, deslocando-me para a outra extremidade, taças dum Brandy de Jerez Osborne, muito mais em conta?

A bolsa ou a vida? Bem, catemos as moedas do fundo da algibeira, bebamos o que com elas pudermos beber. E vivamos. Recordemos de Beethoven, de seu tardio quarteto: “Muss es sein? Es muss sein!”. Tem de ser!

Digressões, digressões e digressões…

Ressalto o “quase” todos por causa de uma mensagem, via WhatsApp, que recebi do médico, escritor, pesquisador, latinista e amigo querido, Marcos Almeida, na qual diz ter sentido falta dos meus artigalhos semanais.

Puxa! Fiquei mais feliz do que galinha a ciscar terreiro ao Sol numa manhã de abril. Este que, a parafrasear Konstantínos Kaváfis, costuma trazer boas notícias, na qual amigos chegam e tudo de bom prospera.

Ora, leitor, sim, eu o sei, estamos ao final de julho. Acaso não me terei o direito à evocação e à saudade?

Saber, direto da fonte, que alguém, de tamanha estatura intelectual como Marcos, gosta de ler o que escrevo é quase como antever, qual Dante, a amada beatitude permanente nos círculos celestiais e paradisíacos.

Sim, porém, e a razão de ser do pouco significante lapso? Ah, outros compromissos e intimações textuais e filosóficos cobraram sua parte na implacável fita métrica da vida.

Ali, encomendam-me um jingle apologético; acolá um panfleto virtual com promessas de vida no coração da comunidade interiorana — mais uma praça está a ser inaugurada…

E os universitários… Aos quais, ninguém, em sã consciência — no caso de dispor de uma que preste  — irá recorrer para dirimir qualquer que seja a dúvida em conhecimentos gerais e específicos: eles mesmos, desorientados graduandos, estão acossados por toda a ignorância diante do mundo e, ainda mais, do Mundo. Tomo-lhes uma das mãos, os ponho na senda correta: tese, antítese e síntese… E se conseguem, assim, dez ou doze folhas escritas, comemoram como se tivessem alcançado o Pico da Bandeira.

Parcos foram, pois, os momentos dos quais pude dispor para pensar no que escrever fora do campo de trabalho forçado.

 

Ontonce, noite passada, garrafa dum Hermanos Traversa Tannat 2021 sobre a mesa, a harmonizar com um corte de peito amaciado no molho de abacaxi e vinagre de vinho — prato meio que autoral. Algo de descanso mental se deu por uns instantes…

Eu a ouvir choppinianas composições que evocavam nebulosos pensamentos inspirados por Kant — e sua legítima paixão cosmológica — e pela alta noite a olhar, apequenado, o vasto céu estrelado, indaguei-me: por que cargas pensar, escrever e publicar? O que há de necessário e essencial nisto?

Resposta imediata: nada mais para além da vaidade, da arrogância, da realização estética, do ser aprovado por pessoas melhores que eu, do conquistar um mínimo de popularidade, seja esta negativa ou positiva. No meu caso, a primeira condição costuma prevalecer.

Entretanto, talvez, também, escreva na vã e descompromissada esperança de que algumas pouquíssimas pessoas façam eco às inúteis reflexões, as quais pincelo com a rala aquarela do meu godet interior — “quais são as cores, leitor, de sua predileção?”

E essa coisa de alta cultura… Ainda terá lugar num mundo cada vez mais superficial, rebaixado e acéfalo. Será ainda necessária?

Digressões, digressões e digressões…

Tecer despretensiosas considerações críticas voltadas para a Literatura, para as Belas-Artes (a exceção da tal “arte” contemporânea, ante a qual não tenho coisa alguma a comentar) para a Música, para a Culinária, para o Vinho é um exercício que me agrada e conforta.

Encontrar quem veja nisto algo de significativo é revigorante e compensador. Quiçá, por isso, prossiga eu com minhas sensabóricas tolices mundano-filosóficas com toques de nostalgia renascentista, barroca, neoclássica, vitoriana e setentista.

Práxis pela qual corre o risco (com o qual não me importo tanto) de soar e aparentar tão somente como bazófia enciclopedista…

Decerto o seja…

Santé 🍷

 

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Leo Mittaraquis

Léo Mittaraquis é graduado em Filosofia, crítico literário, mestre em Educação. Mantém o Projeto "Se Comes, Tu Bebes". Instagram: @leo.mittaraquis

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