Quem no futuro se dispuser a analisar as eleições presidenciais em 2022 no Brasil, vai ter uma ideia das singularidades deste pleito. Um país bem diferente.
Concluído o segundo turno, não é mero exagero retórico classificar a eleição presidencial de 2022 como um momento sem precedentes da história brasileira. Segundo cientistas políticos e historiadores, a disputa entre Bolsonaro e Lula se caracterizou por uma série de elementos inéditos e mostrou como os últimos anos transformaram profundamente o cenário eleitoral do país.
“Não se parece com nada” do que se viu em outras eleições presidenciais democráticas no Brasil, dizem os analistas políticos.
Algumas dessas novidades podem dar a impressão de ser meros detalhes. Foi, por exemplo, a primeira vez em que dois presidentes da República democraticamente eleitos, entre eles o atual ocupante do cargo, enfrentaram-se diretamente, e a primeira vez que um presidente conquista um terceiro mandato. Os maldosos dizem que essas eleições, foram travadas entre um ex-presidiário contra um futuro preso.
De quebra, desde que reeleições presidenciais se tornaram uma possibilidade, um presidente no poder nunca tinha perdido a chance de um segundo mandato, como aconteceu com Jair Bolsonaro. Nesta eleição, foi a disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e a caneta, contra o adversário Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo com dinheirama, Bolsonaro não se reelegeu.
Também é a menor diferença de votos de todos os tempos entre os candidatos no primeiro e no segundo turno, embora, nesse caso, a nossa série histórica seja muito curta. Por fim, o país continuou a bater seu recorde de eleições democráticas para presidente (33 anos de 1989 a 2022, contra o intervalo bem mais curto de 1945 a 1964).
Já tivemos polarizações tão fortes quanto a atual anteriormente , com os partidários de Getúlio Vargas e os antivarguistas, ou entre os eleitores de Juscelino Kubitschek e seus adversários. Disputas são esperadas e até positivas em regimes democráticos.
O que não é salutar é polarização radical, desrespeitando as regras democráticas.
Assim como em 2018, recuperou um elemento da política brasileira que tinha ficado esquecido após o desmantelamento do integralismo, principal movimento fascista brasileiro dos anos 1930.
Só naquela época é que a extrema direita do Brasil tinha conseguido se transformar num movimento de massa, com forte participação popular e liderança carismática.
Depois disso, nós sempre tivemos políticos de direita bastante carismáticos, como o ex-presidente da República Jânio Quadros. Mas eles sempre tentaram restringir a participação popular de massa às eleições. Outro exemplo é Fernando Collor de Mello. Não por acaso, os populistas Jânio Quadros e Collor de Mello não terminaram os mandatos.
O voto era visto como a única chancela necessária para eles, e fora disso não havia razão para a população participar da política. O bolsonarismo inverte essa lógica por ser um movimento de massa que, ironicamente, colocou em dúvida a legitimidade das eleições.
A polarização partidária, como a que opôs PT e PSDB ao longo dos anos 90 e das primeiras décadas do século 21 nas eleições presidenciais. O correto agora é falar de uma polarização radical, muito distante da lógica dos partidos. Nestas eleições o PSDB diminuiu de tamanho, e perdeu a joia da coroa, o governo do Estado de São Paulo. São Paulo elegeu o bolsonarista, neófito em política Tarcísio de Freitas.
Nosso presidencialismo favorece as disputas concentradas em personalidades. Só se mantém competitivo quem consegue fazer isso, criando uma linha direta com o eleitor.
É a primeira vez que tivemos os dois principais candidatos com forte conexão popular. Quando isso aconteceu antes? Jamais. “Antes de 1989, os candidatos eram sempre da elite civil ou militar”, analisa o jornalista Rodrigo Vizeu, autor do livro “Os Presidentes” e criador do podcast Presidente da Semana.
Só agora, aos 77 anos, Lula enfrentou e derrotou um candidato que também tem estilo popular. Na verdade, foi nessa eleição que dois “animais” políticos se enfrentaram nas urnas, cada um com seus radicais seguidores.
A última vez que o Brasil elegeu um presidente com perfil de elite foi em 1998, com FHC. Há um quarto de século. Então, parecem-me desafiadoras as perspectivas de membros da elite que sonhem em vestir em si mesmos a faixa presidencial.
Outro elemento que distinguiu a eleição presidencial de 2022, é a mobilização do interior do país em favor de ambas as candidaturas, em contraposição às capitais.
A mobilização de massa era mais comum nas grandes cidades, por conta da complexidade das questões nesses centros. Agora, a gente vê a mobilização do interior do Nordeste e do Centro-Oeste, por exemplo, onde Lula e Bolsonaro, respectivamente, chegaram a obter 90% ou mais dos votos.
Pelo visto, a atual polarização terá consequências de longo prazo para o eleitorado.
Vimos duas grandes rejeições organizando os eleitores, mais do que convergências. Analisando respostas em pesquisas de opinião sobre o posicionamento dos eleitores que apoiaram os dois candidatos, notamos que eles não foram drasticamente diferentes.
Claro que as vitórias de candidatos muito alinhados com Bolsonaro nas eleições legislativas nos fornecem indícios de um eleitor de direita mais conservador, mas isso não corresponde à maior parcela da sociedade, ou algo próximo a 50% do eleitorado.
Outra singularidade: milhares de pessoas nas ruas, em barricadas, fechando rodovias pelos que perderam as eleições, não aceitando os resultados das urnas. Temos uma nação dividida, fraturada e polarizada. O grande desafio do governo eleito será unir o país.
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista, escritor e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”. O sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.