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De fenômeno a mito

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Luiz Thadeu (*)

Caro leitor, amiga leitora, tenho que começar fazendo um mea-culpa. Até o final da tarde da sexta-feira, 5,  não conhecia Marília Mendonça, o fenômeno que morreu, aos 26 anos, no acidente aéreo, juntamente com mais quatro tripulantes:  Abiceli Silveira Dias Filho, 26 anos, tio e assessor; Henrique Ribeiro, produtor, 32 anos, de Salvador; piloto Geraldo Medeiros, 56 anos, Floriano, PI;  e copiloto Tarcísio Miranda, 37 anos, de Brasília.

No final daquela tarde, meu filho Rodrigo chegou em casa e perguntou: “Vistes que Marília Mendonça morreu?”. “Quem é Marília Mendonça?”, perguntei do alto de minha ignorância no sertanejo e na sofrência, gênero em que ela era rainha.

Louco por música, sempre tenho algo ligado no meu entorno; não ouço música sertaneja, sou do rock, do blue, Jazz e principalmente Bossa Nova. Por isso a desconhecia, mesmo sendo onipresente em todas as plataformas de música.

Já na madrugada de sexta-feira para sábado, mergulhei de corpo e alma na discografia da goiana, fiquei versado em Marília Mendonça. Para aplacar minha ignorância, fiz um simulado rápido. Assisti a tudo que as TVs colocaram no ar, li tudo sobre ela na internet, vi seus vídeos, vasculhei suas redes sociais, me tornei um quase expert na cantora goiana.

Cada vez que me aprofundava em sua espetacular e especial trajetória de vida, mais me apaixonava pela mulher Marília.  Que mulher especial, genial, diferenciada.

A profusão de canções feitas por ela, em pouco tempo, já a colocaria no Panteão do cancioneiro nacional. Com doze anos de idade vendia suas canções para duplas sertanejas goianas, com o dinheiro ajudava a alimentar a si, a mãe e um irmão, que recentemente ela lançara no meio artístico, como cantor sertanejo.

Quando se lançou cantora, não teve para mais ninguém, começou seu reinado, que acabaria de forma trágica na tarde do dia 05 de novembro, no auge da fama. Ela compôs mais de trezentas músicas em um curto espaço de tempo.

Tão precoce quanto inesperada, a morte de Marília Mendonça deixou o Brasil em estado de choque. Ela foi simplesmente o nome mais relevante do universo pop sertanejo nos anos recentes, a ponto de ter se sobressaído em um meio predominantemente masculino. Foi a responsável pelo que se chama hoje de feminejo.

Nascida em Cristianópolis, e criada em Goiânia, foi cantora e compositora de números colossais, obtidos em trajetória meteórica. Com letras simples, suas músicas falavam diretamente ao universo feminino: esposas, amantes, prostitutas, traídas, mulheres de todas as classes sociais. Se Chico Buarque de Holanda já foi descrito como um grande intérprete da alma feminina, coube à Marília com sua sofrência, falar diretamente das dores da alma do mulherio.

Dor de cotovelo ou fossa é um gênero musical que existe no Brasil há tempos. A primeira grande intérprete de tipo de canção foi Dolores Duran, nome artístico de Adiléia Silva da Rocha, cantora, compositora e instrumentista brasileira, que morreu também jovem, aos 29 anos, em outubro/59, um ano após meu nascimento.

Outro grande exemplo de cantora de fossa foi a paulistana Maísa Matarazzo, que marcou sua época. Na minissérie que a Globo exibiu em, mostra Maysa, um dos grandes mitos da música popular brasileira, em três décadas de vida, em meio a amores, álcool, brigas e canções. Maysa morreu em janeiro de 1977, aos 40 anos, no auge da fama, em um acidente na ponte Rio-Niterói.

Outras mulheres cantaram antes o sertanejo: Inezita Barroso (1925-2015), e Roberta Miranda, mas nenhuma como Marília Mendonça. Dando voz ativa às mulheres, ela renovou e ampliou o repertório desse tipo de música já bem conhecida do universo sertanejo, só que ela era diferenciada, e com seu timbre de voz, a colocava no patamar de estrela com luz própria.

O ótimo hit “Infiel”, que faz parte do álbum e DVD “Marília Mendonça ao vivo”, feitos em 2016, impulsionou em definitivo sua carreira, que sai de cena no auge do sucesso, e com futuro promissor pela frente. Se ela fez tudo isso com tão pouca idade, imagina o que não faria pelos próximos 26 anos?

Em meio ao desrespeito às mulheres, Marilia soube mandar seu recado, através de suas canções, contra esse machismo tóxico que assola o Brasil. “Mulher pode tudo”, cantou Marília Mendonça. Com sua precoce morte, Marília deixa de ser fenômeno para virar mito.

Sua música, seu talento, sua criatividade, sua arte, sua autenticidade, seu carisma, sua alegria e respeito aos fãs farão muita falta. Uma pena eu conhecer o fenômeno Marília Mendonça após a queda do avião na tarde de 5 de novembro. Marília Mendonça é a mais perfeita tradução do que é Brasil. Ela deixou o país numa enorme sofrência.

Marília era tão poderosa, que não precisava cantar em dupla, como a maioria dos cantores sertanejos. Como só fui conhecê-la após sua partida? Como seria bom conhecer de perto uma pessoa como ela: simples, alegre, criativa, divertida, que amava a vida.

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(*)  Engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.

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Luiz Thadeu Nunes

Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o homem mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.  Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; ABLAC, Academia Barreirinhense de Letras, Artes e Ciências; ATHEAR, Academia Atheniense de Letras; e da AVL, Academia Vianense de Letras, membro da ABRASCI. E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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