Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
O tema do presente artigo foi inspirado na canção de Erasmo Carlos/Roberto Carlos (1968), sucesso na voz de Agnaldo Timóteo (1936-2021). Aquele ano, incrivelmente o de acirramento da linha dura do regime militar no Brasil, também foi um dos mais prósperos, com “Última canção”, “Sabiá”, “Para não dizer que não falei das flores”, “É proibido proibir”. Surgimento da “Tropicália” e intensificação dos Festivais de Música da TV.
Para o advogado e radialista, André Luiz da Silva (2019), “Deixe-me outro dia, menos hoje”: “É uma canção de amor que fala da tentativa de evitar uma partida, que pode ser definitiva”. Essa era a tônica de boa parte das canções até aquela virada dos anos 60 para os anos 70. Até então, e por algum tempo ainda, vozes masculinas, com impostação, cadência, ritmo poético e romântico, de melodia tristonha, vão dando espaço a outras mais agitadas, frenéticas, rebeldes (de fato), mas não mais, necessariamente, vozes do tipo tenor. O rádio dá espaço para a TV. A produção musical pedia de seus artistas que fossem cada vez mais midiáticos, que respondessem, por exemplo, às demandas da juventude, daí novos sucessos como os da “Jovem Guarda”.
Com o falecimento de um outro Agnaldo, o Rayol (86 anos), no último dia 4 de novembro, vítima de complicações de um acidente doméstico (queda no banheiro), me pus a pensar que, certamente, estamos vivendo o fim de uma era. A era das grandes vozes masculinas do Brasil. É bem verdade que ainda temos grandes intérpretes, compositores e músicos, a exemplo do próprio Roberto Carlos ou mesmo Ney Matogrosso, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, todos eles, ainda, vivos, longevos e na ativa; e Milton Nascimento, claro (curtindo sua aposentadoria dos palcos). Mas estes, em que pesem as suas importâncias históricas e musicais, não estão no patamar que eu aqui entendo como grandes vozes masculinas, tal qual foram Agnaldo Timóteo, Agnaldo Rayol, Antônio Marcos, Altemar Dutra, Paulo Sérgio, Noite Ilustrada, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Nelson Ned, Vicente Celestino… e tantos outros que já partiram para a eternidade que a minha memória consegue alcançar no momento.
Veja bem. Não estou tratando de empobrecimento da música brasileira. Mas de mudança de gênero e de formas de produzir a música nacional. É bem verdade que, com o tempo, essa última turma foi relegada à categoria pejorativa de brega ou mesmo de cafona, antigo, ultrapassado. Os arranjos mais bem elaborados, com orquestras, e a voz impostada e firme já não mais foram encontrando espaço nas décadas seguintes, embora seguissem sendo ouvidas e executadas, em menor escala.
Não se trata aqui, pois, de saudosismo e se o fosse, penso que não estaria cometendo uma heresia. Mas de uma reflexão em torno daquilo que constitui o rico repertório da música produzida no Brasil no século XX, tendo vozes masculinas como mote. Se eu fosse escrever sobre as vozes femininas, essa análise iria ainda mais longe, sobretudo se eu principiasse por nomes como Núbia Lafayette, Elis Regina, Maria Betânia e Alcione.
Ainda bem que suas vozes [grandes vozes da música brasileira] não morrem, sobretudo com os registros fonográficos de outrora e atuais, pelo menos enquanto forem lembradas, executadas, estudadas e revisitadas, sejam em regravações ou mesmo em novas interpretações, e até mesmo compondo trilhas sonoras de novelas de época, por exemplo. Tornar a ouvi-las ou fazê-lo numa primeira oportunidade faz bem ao coração e à alma, nesses tempos apressados e de pouca criatividade e novidade musicais. Nesse sentido, peço que não nos deixem agora em que tanto precisamos de sentimento e de poesia. “Deixe-me [nos] outro dia sim, porém hoje não”.
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