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Nilton Santana (*)

 

Todo final de semana tenho o costume de fazer um pequeno ritual. Leio algum livro referente a alguma grande tradição da humanidade: hinduísmo, budismo, judaísmo, cristianismo, islamismo. O que importa é a sabedoria perene que ali se encontra. Mas antes de toda leitura faço uma meditação.
A árvore espritual da meditação

Primeiro, estabeleço que a meditação está presente não somente entre hindus e budistas, mas também entre judeus, cristãos e muçulmanos. Se duvida que as religiões abraâmicas possuem meditação, é somente dar uma olhada nas técnicas judaicas dos rabinos sefarditas, no meio cristão temos a oração do coração dos monges do deserto e, por fim, no meio muçulmano há as práticas dos mestres sufis. Todas estas diferentes tradições possuem métodos para buscar a quietude da mente e a união com o Universo ou Deus. Mas, como meditar então?

Procuro não me identificar aos pensamentos que vêm e vão. Como um simples observador procuro apenas olhar para os pensamentos sem qualquer julgamento. Verdade que algumas vezes esses pensamentos me arrastam, porém, tenho paciência comigo mesmo e logo retomo a ser um simples observador. Os métodos podem variar: algumas tradições usam palavras, sílabas ou letras para se concentrar e diminuir o fluxo da mente. Outras já vão para técnicas de respiração que podem ser associadas a palavras ou não. Os procedimentos variam, mas o objetivo é o mesmo: a quietude.

Em alguns dias gloriosos de quietude mental os pensamentos cessam por alguns momentos e a meditação atinge o seu ápice. O meu silêncio interno une-se ao silêncio do Universo. O meu silêncio interno une-se ao silêncio de Deus. O vazio do silêncio é o que possibilita todas as coisas existirem. O vazio do silêncio me preenche por alguns instantes e é a partir daí que eu “sei” sobre Deus. Em pleno silêncio eu me uno a Deus!

Por alguns momentos sei que sou apenas uma forma habitada pela Vida. A minha forma, este pequeno “eu” não é eterno, mas a Vida está em mim, é Eterna! Sou apenas uma forma. Descrever o que se passa nesta meditação profunda é totalmente inútil! Não há idioma na terra capaz de descrever. A única palavra que pode descrever o que se passa com tamanha precisão é aquela que já era usada pelos sábios de distintas tradições. A única palavra que pode descrever é a palavra “Inefável”. Inefável traduz um fenômeno ou Ser que não pode ser dito pela linguagem. Soa até paradoxal: a mais excelsa vivência não pode ser expressa. A linguagem não pode transmitir a experiência, mas pode indicar o caminho. Afinal, toda experiência humana é excelsa se estamos imersos no presente. Mas o tema aqui é a tranquilidade que há na meditação. Os antigos eruditos sabiam sobre Deus, o Universo e a Vida, eles não acreditavam.

Quando alguém fala para a minha pessoa que crê em Deus, eu penso que tal afirmação seja tão estranha. O místico procura uma experiência direta com Deus. Aquele que “sabe” não tem espaço para a “crença”. Então se alguém me pergunta se eu acredito em Deus, confesso que fico um pouco sem jeito para responder. Posso até falar que “creio” para não entrar em uma longa explicação, porque talvez a pessoa não compreenda ou não tenha tido as experiências necessárias para compreender.

Não me julgo superior, nem inferior, penso que cada um tenha o seu próprio caminho com suas próprias experiências, porém, eu não sei quais foram as profundas experiências daquela pessoa. Talvez ela possa me compreender, talvez não. Talvez até a pessoa tenha tido experiências mais significativas que as minhas vivências, talvez seja até uma pessoa mais avançada neste sentido. Mas por qual motivo a quietude da mente faz a ideia de “acreditar ou não” em um Deus perder todo o sentido?

Porque no silêncio você passa a “Saber” sobre Deus. Saber difere de acreditar. Por exemplo: não acreditamos que a gastronomia brasileira seja deliciosa, sabemos que a gastronomia brasileira é deliciosa, justamente porque experimentamos alguns pratos típicos. Não acreditamos que algumas bebidas (alcoólicas ou não) são saborosas, sabemos que algumas bebidas são saborosas justamente por provarmos delas. E isto é verdade para todos os outros prazeres como a leitura, a conversa e o namoro. Sabemos sobre tais prazeres, não acreditamos neles. O silêncio é isto: o experimentar da realidade transcendental!

Por isso, quando alguém me pergunta se eu “creio” em Deus, penso que a pergunta seja sem sentido. Mas respondendo de forma altamente sincera a tal pergunta eu tenho que afirmar: “Não! Eu não creio em Deus! Eu apenas Sei!” O silêncio me possibilitou Saber sobre a Eternidade, sobre o Universo, sobre o Infinito no finito! A gota de água que faz parte do mar e que também é o mar. A quietude me possibilitou breves lampejos de Saber acerca de Deus.

A meditação é um treino disciplinador para vivermos o momento presente, e como costumo dizer: “a vida acontece no presente”. A vida está acontecendo agora! Sem distrações vãs, a ideia é que vivamos totalmente atados à vida. Quando vivemos atados à vida, conscientes do que acontece a cada momento, o paraíso já está em nós. A sabedoria faz você estar bem com os outros, depois que você está bem consigo mesmo. Por isso que pessoas sábias possuem excelentes relações.

Não sou iluminado e muito menos detentor de grande sabedoria. Sou apenas um humano que tenta ler a orientação dos antigos e neste trajeto, tive muitos contentamentos e tranquilidades. Obrigado antigos sábios. Se eu apenas tivesse tido uma única experiência significativa e vivesse décadas e décadas afastado de tais práticas, mesmo assim, teria a certeza do sabor imensurável daquele momento.

Penso que Deus tenha deixado os prazeres como presentes. O problema não são os prazeres (materiais ou imateriais), mas a consciência que aproveita os prazeres. Se tivermos a consciência adequada, viveremos nestes prazeres de forma constante, estaremos sempre na presença de Deus. Quando isso acontecer, sua vida se transformou em meditação. E é sempre ali, imerso no simples prazer do momento, que encontro Deus.

 

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Nilton Santana

Nascido em Aracaju, professor de História, membro da Loja Estrela de Davi e amante dos estudos sobre religiosidades e mitologia

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