“A velhice é prêmio para uns e castigo para outros”. Para 71 pessoas que, em 2018 foram encaminhadas através do Sistema de Aviso Legal por Violência, Maus Tratos ou Exploração contra o Idoso (Salve Idoso) para atendimento na Delegacia de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV) e para a Promotoria da Pessoa Idosa, no Ministério Público Estadual de Sergipe (MPSE), a última parte da frase do Marquês de Maricá, é realmente um castigo. E justamente, praticado por aqueles que deveriam protegê-los: os próprios filhos: 44, segundo dados do Núcleo de Prevenção de Violências e Acidentes (Nupeva), da Secretaria Municipal de Saúde.
Lidiane Oliveira, do Nupeva, numa roda de conversa com idosos Foto: Ascom\SMS
A responsável técnica do Nupeva, Lidiane Gonçalves Ferreira de Oliveira, alerta que os números (o total de idosos agredidos e de filhos que os agridem), nem de longe, refletem o que realmente acontece dentro das residências. “É importante ressaltar que essas notificações não retratam a realidade, visto que existem muitos casos subnotificados. Muitos idosos não querem denunciar seus familiares, que são os principais agressores”, lamentou.
Medo e insegurança
Outro fator que contribui para a não notificação dos casos de agressão contra idosos é o medo que as pessoas têm de se envolver com esse tipo de problema. “Além disso, o medo e a insegurança de alguns profissionais contribuem para a não notificação, visto que muitos temem possíveis consequências para quem noticia, seja pelas implicações legais associadas quanto pelas manifestações dos agressores. No entanto, é esclarecido que notificação não é denúncia e que profissional não precisa se identificar”, explica Lidiane Oliveira.
O medo de não se envolver, no entanto, pode gerar outro problema: a omissão ao não preencher o formulário do Salve Idoso, pode levar a pessoa a responder penal e civilmente por esse ato.
Mais crimes catalogados contra idosos
Além da negligência e abandono, o relatório do Salve Idoso mostra que, ao longo de 2018, muitos foram vítimas de violência física, financeira e econômica, psicológica/moral, sexual, num total de 71 ocorrências. A maioria das vítimas destas mazelas é a mulher (41), enquanto os homens são 30.
Os filhos são os principais autores da violência, mas o relatório do Salve Idoso mostra outros protagonistas que contribuem para essa cruel realidade. Pelo menos 11 irmãos de idosos foram responsáveis por algum tipo de violência, seguido por netos, tios, etc. (nove), amigos e conhecidos (três) e ainda tem a violência provocada pela própria pessoa (três), pelos cuidadores (duas) e por desconhecidos (um).
Violência nos bairros
Esses tipos de crimes contra idosos ocorrem em diversos locais de Aracaju, mas alguns se destacaram em 2018 pelo número de ocorrências. No bairro Ponto Novo, foram sete; nos bairros Getúlio Vargas, Cidade Nova, seis; no Bugio e Mosqueiro, cinco; Santos Dumont e São Conrado, quatro; Santa Maria, três; Industrial, 17 de Março, Coroa do Meio, Olaria, América, Farolândia, 18 do Forte, Taiçoca, em Nossa Senhora do Socorro, duas; bairros Cirurgia, Centro, Aruana, Atalaia, Suíssa, Luzia, Santo Antônio, Novo Paraíso, Lamarão, Siqueira Campos e Eduardo Gomes (São Cristóvão), uma ocorrência cada.
Diante do quadro de violência aos idosos, Lidiane Oliveira ressalta a importância da notificação, pois, somente, dessa forma, é possível estabelecer um diagnóstico da magnitude e do impacto da violência em determinada população, em certo local e tempo, tipologia, gravidade, dentre outras informações necessárias para o planejamento de ações e a construção de políticas públicas para enfrentamento dessa situação. Além disso, promover os cuidados necessários e encaminhamentos para órgãos competentes.
Se todos na sociedade agirem corretamente e, sobretudo, cuidarem dos idosos, muito provavelmente, contrariando Marquês de Maricá, a “velhice será um prêmio para todos” e não, um castigo.
O idoso é frágil e carente, diz delegado
No ano passado, a Delegacia Especial de Atendimento ao Idoso e Pessoas com Deficiência, instaurou 103 inquéritos, 46 termos de ocorrência circunstanciada (TOC) e 431 ordens de serviço, que são diligências feitas por policiais para apurarem denúncias. O delegado Gabriel Nogueira, titular da delegacia, que integra o Departamento de Atendimento a Grupos Vulneráveis (DAGV), ressaltou que as notificações feitas através do Salve Idoso são uma ferramenta importante para o trabalho policial.
O delegado explicou que o inquérito policial e o TOC são procedimentos nos quais são documentadas as diligências investigativas feitas pela polícia. “A diferença é que o TOC é mais simplificado e é enviado para o Juizado Especial Criminal, no caso de infrações de menor potencial ofensivo que são as contravenções penais e os crimes cuja pena máxima não ultrapassa a dois anos”, explicou.
Também, devido a carência, o idoso fica vulnerável e aí pessoas de má fé se aproximam, ganham a confiança e praticam crime. Em maio do ano passado, por exemplo, o delegado Gabriel Nogueira e sua equipe prenderam Maria de Lourdes Santos, 52, acusada de aplicar um golpe no valor aproximado de R$ 7 mil contra uma idosa de 88 anos. Para aqueles que cuidam bem do idoso, Gabriel faz um alerta: “não deixe o idoso sair sozinho, porque ele fica mais vulnerável. De certo modo, ele está fragilizado”.
Experiente, Gabriel Nogueira explica que os principais casos envolvendo idosos que chegam até sua delegacia são os seguintes: lesão corporal, ameaça, crime contra a honra, crimes patrimoniais (furto, estelionato com empréstimo consignado feito por familiares sem que o idoso saiba), apropriação do cartão e coação. Todos são crimes previstos no Estatuto do Idoso. Diante desse quadro, ele observa que na velhice as pessoas ficam muito carentes, e essa carência abre porta para muita coisa. “Homens e mulheres se relacionam com pessoas mais jovens e, em alguns casos, acabam sendo vítimas de estelionato”, pontua.
O Salve Idoso nasceu de uma demanda em delegacia de polícia
O Salve Idoso foi sancionado em 2009 pelo prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira. O projeto foi de autoria do Instituto de Atendimento a Longevidade (IAL), através do geriatra e gerontólogo, Antônio Cláudio Neves, Ministério Público Estadual e Federação dos Aposentados e Pensionistas de Sergipe. Na ocasião, o vereador Elber Batalha Filho foi o relator do Projeto de Lei 92\2009, cuja redação diz que qualquer profissional de saúde ou agente público que, no desempenho de suas atividades, verifiquem que o idoso esteja sofrendo qualquer tipo de agressão, poderá fazer denúncias para que os agressores sejam punidos judicialmente.
Veja, agora, o que o médico Antônio Cláudio fala sobre o Salve Idoso.
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