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Direito e (In)Justiça

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Gabriel Barros (*)

Nossa tradição jurídica é eivada de uma visão idealista que trata o fenômeno jurídico como algo meramente técnico e desprovido de ideologia. Para o jurista moderno, é interessante a conservação da sociedade enquanto tal. É dizer que ela continue sendo injusta, mas o jurista continuará defendendo um direito “melhor” e mais “crítico”. Sem, contudo, chegar nos pontos mais fulcrais da apreciação do objeto que lhe é de estudo. A sua crítica, aqui, é tão somente um cálculo econômico normativo.

O jurista, enquanto ser técnico robotizado como um cumpridor das leis, tem ojeriza em avaliar aquilo que é justo ou injusto, prefere se apegar às normas jurídicas como seu parâmetro de justiça. Dessa forma, ainda que não saiba ou não tenha pretensão de o fazer, toma um lado do ponto de vista ideológico. E é óbvio dizer que esse lado é aquele que sustenta o status quo. Indispensáveis são as reflexões do filósofo Alysson Mascaro:

“Para a ideologia moderna do fenômeno jurídico, capitalista, o direito é técnico e formal, e, portanto, não se ocupa das situações, fatos, distribuições e ações justas ou injustas”.1

O jurista se sente satisfeito em fazer mera subsunção, ou quando muito, de reconhecer o limite de sua atuação pontual e não questionar a razão dessa pontualidade a partir de uma ótica mais profunda daquilo que representa o todo. Significa dizer que, em alguns casos, reconhece-se a importância de combater as injustiças pontuais, a exemplo da atuação de um advogado criminalista que consegue tirar seu cliente injustamente preso, do juiz que absolve a pessoa por ter sido presa de maneira ilegal, da promotoria que promove ação civil pública querendo resolver questão de relevante interesse social, etc. No entanto, são raras as vezes em que é colocada em xeque a estrutura que mantém toda essa engenharia social injusta, que legitima a fome, a miséria e garante quase uma total impunidade aos ricos.

Tudo isso se coaduna muito com a observação que Alysson Mascaro nos sugere:

“O padrão de conservadorismo ideológico do jurista é reflexo de sua posição estrutural na reprodução da sociedade capitalista e da ideologia de classe que o atravessa. Homem de classe média, prestando serviço ao poder econômico, pretensamente mais letrado que o povo, o jurista é espelho das classes conservadoras. Seus valores de ordem, sua preferência pela legalidade em face da transformação social, seu gosto pela hierarquia das competências, seu apreço pela razão técnica e seu desapreço pelas reflexões e indagações profundas das ciências humanas revelam a sua posição de classe. O horizonte do jurista médio é o horizonte das classes imediatamente adjacentes ao poder do capital”². Nesse sentido, a análise do filósofo vai ao encontro daquilo que de fato é real, não à toa é de se observar os padrões econômicos dos nossos doutrinadores, normalmente pessoas privilegiadas economicamente e que seguem uma linhagem preestabelecida de “pensadores” do ramo. Nada mais sendo, assim como acontece na política institucional, um berço hereditário de poder.

Também não é à toa que a maioria dessas pessoas são homens brancos, o que diz muito sobre a nossa socioestrutura jurídica. Pesquisas comprovam aquilo que se percebe na prática: uma minoria de pessoas negras e de mulheres nos cargos mais altos do poder judiciário. Me refiro a juízes, desembargadores, promotores, procuradores, ministros, etc.3

Com isso, é de se notar que a própria estrutura que compõe o nosso sistema de justiça demonstra, de cara, as injustiças causadas pelo capitalismo e sua face indissociável que gera tanta desigualdade. Não sendo de se esperar muita coisa a não ser o conservadorismo dos nossos “nobres” juristas. Por isso a importância de ir até a raiz do problema e investigar não só as consequências mais imediatas e evidentes, como a razão de ser e que dá sustentáculo a toda essa superestrutura causadora das mais variadas injustiças sociais.

Veja-se, por exemplo, quando se conta a história do Direito do trabalho de maneira a dissociá-la da história do capitalismo. Esquecendo, propositadamente, (ou dando pouca relevância) as lutas políticas que obrigaram as mudanças mais elementares desse ramo do direito. Quando nos deparamos com isso, me parece relevante perguntarmos a quem interessa ver a história contada dessa forma senão para aqueles que se beneficiam diretamente com essa narrativa.

Nessa esteira, estabelecendo um olhar crítico ao direito, aduz Mascaro que “A sorte do trabalho, sob o capitalismo, é a mesma sorte do direito do trabalho. Se a natureza do trabalho assalariado é a exploração, esta é então, inexoravelmente, a mesma natureza do direito e dos direitos sociais.”4

Ora, o direito, enquanto ciência jurídica, tem seus limites observados pelo modo de produção capitalista, assumindo sua forma jurídica enquanto um cálculo econômico que não pode ser tirado do contexto desse mesmo modo de produção. A situação piora ainda mais quando nossos doutrinadores são meros reprodutores de toda essa lógica irracional. A suposta razão evocada por esses juristas, quando muito, é a chamada razão instrumental (Escola de Frankfurt), que é haurida mediante um desfecho de mera tautologia.

Mascaro é cirúrgico: “É preciso claramente dissociar o fenômeno jurídico da qualificação de justo. Se no ângulo de sua legitimação são tratados como sinônimos, na efetiva concretude social são coisas distintas, e, nas sociedades capitalistas, são tornadas praticamente opostas uma a outra. ”5

Por isso, Lenin afirmava que a luta por justiça deve ser política, e não por direitos legais. E com isso não faço uma sobreposição Schmittiana do Político diante do direito, mas sim o tensionamento entre o real e o ideal, o justo e o injusto, entre o conservadorismo e aquilo que se pretende transformar, revolucionar. É sobre isso que devemos nos debruçar com profundidade.

 

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(*)  Gabriel Barros é advogado, pós-graduado em Direito Público e Youtuber .

** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor.  Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.

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