Por Léo Mittaraquis (*)
“O rumor da ressaca na praia distante chegava, transportado pela brisa do sul, como suspiros desesperados que subissem do próprio coração da Terra para os cachos de estrelas vigilantes”.
Rabindranath Tagore, Çaturanga.
E então, em nome da sanidade, da nobre preguiça caymmiana, decidimos por passar uns dias em Salvador.
Motivos? Bem, em primeiro lugar pela nossa vontade, juntamente com a já citada manutenção dos miolos, depois por ser perto e mais em conta e depois por gostarmos dalgumas coisas de lá.
Meio rasa e frouxa a resposta? Well, não há que se defender tese complexa aqui. Fomos porque fomos e pronto.
E reconheçamos: quem se importa? Viagens podem significar o ‘dolce far niente’, a despreocupada eudaimonia… Ainda que implicações de ordem prática permeiem o tecido da fruição.
Aportamos em Ondina. Airbnb com vista panorâmica: praia e mar. Cachorros correndo pela areia, algas em profusão e, num clima bossa nova, um barquinho a ir e à tardinha a cair. Ao avançar da noite, serenado o trânsito na avenida, fora possível ouvir, das ondas precepitosas, o escachoar quando do choque nas formações de pedras.
Diante da praia e, alhures, do oceânico mar, fui tragado pelo vórtice da memória e recordei de Homero, vale dizer, da Grécia antiga, das minhas origens. Recordei que Homero considerava ‘Oceanus’ a origem de tudo o que existe. Belo e poético paradoxo: ‘Oceanus’ circunscreveu o mundo e assim marcou seus limites, mas ele próprio era ilimitado. Poseidon, o, digamos, administrador do Mediterrâneo, era sobrinho de Oceanus. Ele detinha dupla função — deus dos cavalos e deus do mar. Mas também tinha de lidar com os concorrentes: Tritão, Ponto, Nereu e a, por vezes esquecida, Thalassa, um espírito feminino primitivo do mar. Como deus do mar, Poseidon era considerado destruidor e benfeitor.
Mas, sim, oh divagante, e Salvador, Ondina?
Ah, certo. E as coisas de sempre, das quais a gente gosta: Museu de Geologia, estabelecimentos especializados em vinho, performances jazzísticas e blueseiras, restaurantes à excelência e excelentes momentos no simpático Mercado de Peixe e em bibocas quase anônimas, entretanto, charmosas.
Se comes, tu bebes. E é sobre as tocas de comer e beber, e por não atinar tema outro, que desejo tecer breves considerações.
Nem sempre excelência implica em sofisticação exagerada e excesso de bordadinhos.
O Restaurante da Bel, em Ondina, por exemplo, é modesto em termos de estrutura, embora muito funcional. E a boia? Muito boa. Fomos de pastel de siri e feijoada. Misturada do cabrunco. Mas deu certo. Uma dúzia de Amstel 600ml acompanharam o maravilhoso almoço pé duro.
Horas mais tarde, pela noite, marcamos presença no Família Frantz, no Pituba. Atendimento, cardápio e rótulos que merecem aplausos. Não só comemos e bebemos bem, como passamos pela experiência de pipetar vinho direto da barrica. Também conversamos muito com os proprietários. Eficiência, nobreza e beleza.
E dentre outros locais, pelos quais demos uma passadinha, o Mercado de Peixes nos fisgou mais uma vez. Cheiro forte de tudo o que é de mar, maré e maresia. Desta vez, ao chegarmos aos largos portões do mercado, veio-me, de imediato, a fariscada reflexão do ocioso filósofo Michel Eyquem de Montaigne: “É espantoso a que ponto um cheiro qualquer se impregna em mim facilmente. Quem se queixava de que a natureza não dotara homem de instrumento capaz de levar os odores ao nariz, laborava em erro, porquanto os próprios odores sabem encontrar seu caminho”.
Porém tudo muito limpo, boxes organizados. A exceção dos banheiros masculinos, sujos, elameados… Mas é coisa comum e o melhor é fazer que nem os pinguins: sorrir e acenar.
E do que gostamos no Mercado de Peixe? Bem, tem a coisa de se comprar o peixe, o camarão, o lagostim (tudo, aí sim, fresco) e pedir à cozinheira da ABO — Academia Baiana de Ostras para fritar. Banquinhos, távolas redondas e altas, bêbedos em volta, ambulantes e pedintes. Compramos sardinhas…
Sim, não é lugar pra gente fresca. Fresco somente o de comer, mesmo.
Tacamos a comer sardinha frita, quase torrada… limãozinho… pimentinha… hummmm…
Mas se vossa senhoria quiser ser chique e dispor dalguns merréis a mais, pode optar pelas vieiras, mesmo. Compre, entregue à sisuda cozinheira, e ela lhe entregará um prato digno dos deuses.
Mencionei ambulantes. Hum… Eis que, de um deles, adquirimos um cutelo, ou machete, invocado. E já o pusemos para trabalhar na minha cozinha.
Saltamos dali e chegamos ao Cave Wine Bar. Bons pratos autorais. Adega não muito extensa, contudo, a dispor de rótulos bem legais.
E assim vivemos, meu rei, dias de pé na jaca e de etiqueta. Em ambos os casos, o importante é pôr-se grato ao Senhor Pai Altíssimo e ao Senhor Jesus pela vida, pelo vinho, pelas boas pessoas, pelo amor.
Santé 🍷
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