Jozailto Lima
Há coisas curiosas na vida pública nacional, e seria exagero dizer que estas curiosidades acontecem somente com a gente aqui de Sergipe.
Uma delas, bem atual: a recomendação do Ministério Público Federal Sergipano de que se faça, na Prainha de Canindé do São Francisco, um monumento ou uma escola de circo em reverência à memória do grande e fantástico ator Domingos Montagner, que morreu afogado ali no dia 15 deste mês.
Creio que, se os mortos pudessem de verdade – desculpem-me os kardecistas – dialogar com os vivos, o próprio Domingos estaria a manifestar estranhamento diante desse fato.
Certamente, ele, que vem das artes, viria pirotecnia e espetacularização nisso tudo. Ora, por que nascer uma estátua, um monumento na sombra da tragédia dele ali?
Num lugar em que ele certamente, se pudesse estar a nos dizer algo, estaria dizendo que sequer gostaria de lembrar, por lhe ter sido amargo e lhe tirado a vida?
Sim, uma espetacularização nua e crua, e sem graça. E sem lógica. E sem lastro.
Quem aí tem notícia de que o nosso brioso MPF/SE tivesse obrigado a qualquer chefe de Executivo municipal – ou mesmo os estaduais – a engendrar uma estátua de Tobias Barreto, de Manoel Bomfim, de Sílvio Romero, de Horácio Hora em qualquer lugar de Sergipe?
Será que o maior jurista de Sergipe, Tobias, não seria credor de homenagem assim?
Manoel Bomfim, o nosso maior cientista social, o pai da sociologia, acaso não deve ser lembrado pelos conterrâneos dele?
Que mal fez o pioneiro dos estudos da história literária do Brasil, Sílvio Romero, para não ser lembrado com uma estatuazinha no povoado Crioulo, de Lagarto, cidade natal dele?
E Hora, o artista plástico mais famoso de Sergipe no mundo, não seria digno de uma mínima aquarela rabiscada contra um paredão de pedra do velho São Francisco?
Sim. Mas quem se lembra da sergipanidade, cada dia mais carente de lembranças? É vergonhoso evocar os nossos vultos e cultuá-los um pouquinho mais?
Que legal que o município de Embu das Artes, em São Paulo, onde morava o nosso Domingos Montagner, ou as imediações do Projac na cidade do Rio de Janeiro, onde ele trabalhava, fizessem-lhe uma estátua! Erguessem para ele um circo em forma de escola cênica!
Mas Canindé, procuradora Lívia Tinoco, ora me tenha mais senso e me deixe as estrelas um pouco mais em paz.
A sociedade sergipana deve reagir contra essas espetacularizações. A sociedade sergipana não necessita disso. E deve estranhar, sem radicalismos (porque o saldo dele é muito positivo neste momento), que uma instituição séria como o MPF/SE se deixe seduzir por enredo tão pequeno, tão desenchavido.
No mais, evoé à capacidade cênica e à memória de Domingos Montagner. Eu, pessoalmente, fiquei muito triste, rapaz, com o seu final precoce em águas tão próximas de mim.
Que Deus lhe abra o sagrado circo dos céus!
* É jornalista e poeta!
Tentativa de pegar um “pedaço do brilho” desta trágica repercussão. Só pode ser isso.
O que vejo é um Sensacionalismo Puro destas nossas capengas instituições. Não consigo ter outra visão desta reprovável “recomendação” do MPF/SE.
Quer saber porque penso assim? Porque eu não vi a mesma atenção dada as outras vítimas de afogamento no Velho Chico! Ou um ator da Globo vale mais que todos os outros afogados ANÔNIMOS?
Ótimo texto! Parabéns.