terça-feira, 14/01/2025
Fernanda Torres
A atriz Fernanda Torres recebe prêmio no Globo de Ouro pela atuação em 'Ainda Estou Aqui' Foto: Divulgação

É sobre nós – Fernanda Torres e o Globo de Ouro

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

O assunto da semana não tem sido outro. E é muito justo e oportuno que seja. Até porque lembrar e celebrar são formas de estreitar, reconstruir e afirmar laços identitários e também de ensinar. A premiação inédita de Fernanda Torres no último dia 5 de janeiro, em Los Angeles (EUA), para o Globo de Ouro, na categoria melhor atriz dramática, para além de ter sido um gol de placa para o cinema brasileiro, teve e tem um caráter didático e coincide com os dois anos da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. Nesse sentido, concordo plenamente com o jornalista Demétrio Magnoli (Globo News em Pauta, dia 6), quando assim encerrou seu comentário sobre o feito da atriz: “Não é sobre ela. É sobre nós!”.

Aqui mesmo, no portal Só Sergipe, no dia 20 de dezembro do ano passado, assim me expressei e reitero: “Se não alcançar os loiros do Oscar (a meu ver, mais do que merecedor), para além dos recordes de crítica e de bilheteria, ficará imortalizado na memória, geração após geração, deixando um legado importante e reflexões que, certamente, farão diferença na formação da consciência de uma juventude ainda ávida por transformações, liberdade e respeito”. Referia-me ao sucesso do filme “Ainda estou aqui”, de Valter Sales, em que Fernanda Torres fez o papel de Eunice Paiva e por ele foi agraciada com o Globo de Ouro.

Destaco a expressão formação da consciência de uma juventude pois é assim que, também, percebo a importância do filme. Aliás, algumas notícias e falas durante a semana foram a esse encontro. Vejamos: “O livro ´Ainda estou aqui´ será distribuído nas escolas públicas da Bahia”; “Somos filhos de um Brasil que vale a pena” e “Superfeliz com as respostas do Brasil. Ator é uma nação inteira” (Fernanda Torres). Na Revista Veja (9 de janeiro), assim escreveu o jornalista Edison Veiga: “Na última segunda, contudo, o coração de cada um dos milhões de brasileiros residentes em outros países conseguiu bater em verde-amarelo. Sou brasileiro que nem a Fernanda Torres. Somos brasileiros que nem a Fernanda Torres. Somos brasileiros que nem a Fernanda Torres. Sou brasileiro que nem a genial atriz que ganhou o Globo de Ouro”.

Antes que a turma do patrulhamento me acuse de ser de esquerda ou comunista, adianto que a minha análise sobre a premiação e seus efeitos se dá na perspectiva de quem é professor de História há 30 anos e que, por conseguinte, conhece o chão da escola, os dilemas da existência humana, e convive com a juventude. Uma parcela considerável da população brasileira que além de não ter vivido a ditadura militar não tem noção das implicações nefastas de um regime que proíbe, oprime e mata. Escrevo, também, na perspectiva da consciência histórica. Premiados com o livre arbítrio, não podemos ser coniventes com o que é imposto e opressor. É da natureza humana ser livre e escolher livremente.

A família Paiva é um exemplo de tantos que sofreram com um regime autoritário. Sua história representada em filme para além da arte, também é vida. Não se trata de narrativa ou de construção de uma narrativa de esquerda, mas de História e Memória. Assim mesmo, com as letras maiúsculas. O filme é uma representação artísticas de fatos históricos. De uma ferida que nunca se fecha e de um sentimento de injustiça que perdura porque várias pontas seguem soltas desde a anistia de 1979.

Pelas razões acima expostas, devemos sim celebrar a vitória pessoal da atriz Fernanda Torres. Aliás, precisamos recuperar esse sentimento de ficar feliz pelo sucesso dos outros, sobretudo, se este outro é brasileiro. Logo, não se trata aqui de patriotismo barato e nem de nacionalismo ideológico. A premiação e o reconhecimento da atriz em nível internacional têm a ver com a brasilidade, com o sentimento de pertença que deve estar acima do patriótico, do ideológico e das individualidades “mitológicas”.

Fernanda Torres representa o que há de melhor do que se convencionou chamar de “orgulho nacional”, tal qual seguem sendo Pelé, Senna, Rebeca Andrade e tantos e tantas brasilidades, com seus diferentes matizes sociais, étnicos, culturais, religiosos… essencialmente brasileiros e suas potencialidades que nos ajudam a nos livrarmos, de uma vez por todas, da peja de nação vira-lata, república das bananas ou playground de milicos neuróticos, sedentos de sangue, ódio e poder. Que venha sempre o melhor do Brasil para o Brasil e para o mundo.

 

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Sobre Claudefranklin Monteiro

Claudefranklin Monteiro Santos
Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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