Ah carnaval, festa sem igual! Talvez para nós nordestinos, equiparada somente aos festejos juninos, numa mistura justa e perfeita das culturas cristã e africana, repletas de devoção e axé!
Manifestação religiosa, cultural e artística mais popular e plural do Brasil, comemorada pelos quatro cantos deste país continental nas mais diversas expressões, gostos e “bolsos”, desde os pomposos bailes de gala do Copacabana Palace aos desfiles das Escolas de Samba oriundas das comunidades carentes mormente do eixo Rio-São Paulo, aos blocos animados por trios elétricos ao arrastar a pulsante e arrepiante “pipoca” em Salvador, passando pelo frevo e Maracatu que cortam as ruelas da Recife antiga e Olinda, além do Boi-bumbá característico da Região Norte. E por que não nos deleitarmos com um pouquinho de cada expressão folclórica supracitada nas milhares de cidades brasileiras, sem qualquer forma de discriminação, nivelados e irmanados, livres para extravasar emoções reprimidas pela rotina sufocante, haja vista que, para participar e aproveitar a festa, bastam sorriso no rosto e gingado no pé?!
Regozijo-me ao buscar lá no fundo da memória empoeirada e ao relembrar-me dos arrastões pela orla e da “guerra de cabacinhas” em Pirambu, dos bailes do Iate Club de Aracaju, todos fantasiados, munidos de sacos de confete, rolos de serpentina, cornetas, apitos, bem como muita maisena, deixando, pois, colegas e salão enfeitados de uma sujeira surrealista, animados ao som de marchinhas tradicionais como “Abre Alas” de Chiquinha Gonzaga, “Mamãe eu Quero” eternizada na voz de Carmen Miranda, “Aurora” de Mário Lago e até as mais irreverentes como “Cabeleira do Zezé” e “A Pipa do Vovô”.
Já na adolescência, no anos 90, o Axé Music fervia e difundia-se além fronteiras soteropolitanas, conquistando “chicleteiros” como eu, diga-se de passagem, por todo o Brasil, num “livre comércio” no qual importavam-se turistas e exportavam-se micaretas e pré-carnavais pelas importantes cidades do país. Quem nunca brincou ao som do “Quero Chiclete”, Não Tem Lua”, “We Are Carnaval” atrás do trio elétrico engenhosamente inventado por Armandinho, Dodô e Osmar? “Só não vai quem já morreu” já dizia o poeta!
Outrora festejo eminentemente cristão, o carnaval é muito mais que um casamento da fé com a diversão que leva, aos diversos logradouros, uma multidão ávida por instantes de descontração e confraternização, regados a bebidas, fantasias, danças, abraços e beijos que, infortunadamente, foram usurpados pela melancólica pandemia nos últimos 2 anos. Não tenho dúvidas de que este carnaval ficará na história como o melhor, maior, mais consolador e revigorante de todos os tempos, uma vez que renasce das sombras frias do silêncio e do vazio, logo depois de momentos de expiações, quando nos encontrávamos enclausurados em casa, assistindo a entes queridos gravemente enfermos, entubados nas UTIs ou até sucumbindo na cruel estatística de mortos, sendo ainda obrigados a manter distanciamento social, repletos de medos e angústias.
Não poderia haver período deveras propício, em que acabáramos de sair de nossos lares sem necessidade do uso de máscaras, vacinados e protegidos e na aprazível companhia dos parentes e amigos, com único intuito de celebrar a vida em plenitude, abraçando nossos amores, compartilhando afeto de todos os graus e qualidades, como também demonstrando que ser humano é ser social, é ser interativo, é ser emotivo que compartilha sensações, esperança e sonhos.
Seria injusto esquecer de ressaltar também que, se por um lado a diversão extravasa, a Folia de Momo permite ainda a sobrevivência financeira de muitas famílias, comerciantes, comerciários, ambulantes, enfim, todo um grupo de cidadãos que compõe a cadeia produtiva, que sustenta e promove os eventos e que fatura, muitas vezes, o equivalente ao orçamento de todo o ano em apenas uma semana.
Por outro lado diametralmente oposto, há aqueles que preferem desfrutar destes dias de folga agindo de acordo com a essência primitiva do carnaval, em retiro, descansando o corpo, fortalecendo a mente e limpando o espírito, com intuito de adentrar ao tempo da Quaresma, marco extremamente relevante para o Cristianismo o qual se encerra na Paixão e Morte de Jesus Cristo.
Destarte, não pairam dúvidas de que toda a sociedade, desde o “chicleteiro” ao preguiçoso do sofá, do trabalhador ao mais fiel devoto, neste período carnavalesco teremos momentos ímpares, extremamente reconfortantes e, sobretudo, abençoados pelo GADU, repletos de paz, harmonia e concórdia, ensinando e ratificando a todos, que depois da tempestade sempre virá a bonança, que os saborosos frutos serão degustados após uma árdua colheita e que poderemos nos doar mais e melhor, fazendo diariamente das nossas vidas uma revolução carnavalesca que contagia o próximo com felicidade, simpatia, tolerância, fraternidade e, especialmente, fé em dias melhores que hão de vir!
(*) Médico cirurgião e coloproctologista. Mestre maçom da Loja Maçônica Clodomir Silva 1477, exercendo atualmente o cargo de orador.