Por Acácia Rios (*)
De novo eu lhe disse que não sabia; e ela me tornou:
– Imaginas então algum dia te tornares temível nas questões do amor,
se não refletires nesses fatos?
– Mas é por isso mesmo, Diotima – como há pouco eu te dizia – que vim a ti,
porque reconheci que precisava de mestres.
O banquete, Platão
O dia dos professores me fez refletir sobre os ofícios da profissão e recordar os mestres que tive e caminham comigo até hoje. À sua maneira, cada um foi deixando um pouco de si, tornando-me um mosaico composto por partes de Marlúcia, Maria Lúcia, Maruze, Mirian. Tal qual reflexo, imitei-as na didática, na bibliografia e até mesmo em aspectos mais subjetivos, numa espécie de mimetismo zeliguiano. Pouco a pouco essa influência vai diminuindo e encontramos o nosso próprio caminho na sala de aula. Mas seus passos, entretanto, ainda ressoam.
Ao final deste artigo, à maneira de Lenine em sua música “Todas elas juntas um só ser”, farei um inventário dos professores que tive, mesmo correndo o risco de deixar alguns nos desvãos da memória. Não há forma de escapar aqui do tom elogiativo, advirto desde já. O lugar que o professor ocupa nas nossas vidas é maior do que imaginamos. Nascido do decreto 52.682/1963 (assinado por João Goulart), que pretendia valorizar a profissão, esse dia reflete as lutas travadas pela categoria, que continuam até hoje.
Tal como na vida, gosto quando encontro os mestres na literatura. Não tanto na figura austera de Aristarco, o personagem de Raul Pompéia n’O Ateneu. Quem não teve o seu? Ou Policarpo, de Machado de Assis, em “Conto de escola”, com toda a sua severidade, ainda mais exacerbada em relação ao seu filho Pilar: “Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma cousa; não lhe poupou nada, dous quatro, oito, doze bolos.”
Alcancei, já em seus estertores, a chamada ‘pedagogia da porrada’, em que o professor tinha licença para bater. Era, em suma, uma novela de terror cujo instrumento algoz – a palmatória com furos – jazia no canto esquerdo do birô, ao alcance das suas mãos. O meu professor foi o mesmo do primeiro ao quarto ano do ensino básico. Ou seja, não havia saída a não ser esperar pela quinta série e sair da escola, quando o objeto de tortura deixaria de existir. Não à toa, Franco Basaglia, em seu livro “As instituições da violência”, aponta a escola como um desses lugares, ao lado de prisões, hospitais e manicômios. Repressão, censura, hostilidade são algumas práticas comuns a todas em meio ao processo civilizatório.
Mas uma coisa era a escola e outra era o professor. A despeito da orientação político-pedagógica, muitos não a seguiam e então a escola se tornava um paraíso. É a eles que me refiro. Em vez de decoreba, a reflexão, o diálogo, a compreensão. Quando finalmente mudei de escola, a palmatória e o medo ficaram para trás e me deparei com o professor João Câncio, personagem de Viriato Correia, em “Cazuza”:
“Não havia ninguém mais tolerante como não havia ninguém mais justo. O que dizia tinha sempre um tom de novidade. As coisas difíceis tornavam-se simples depois que ele as explicava. As suas aulas penetravam-nos no fundo do entendimento como um raio de sol atravessa uma vidraça.”
Essa reflexão que compartilho aqui é acompanhada também pela nostalgia de que fui tomada quando, no último pleito, fui votar na escola onde passei parte significativa da vida. É comum, num dia tão importante para a cidadania, reencontrar colegas de infância e entabular conversas sobre o passado. Também aproveitei para revisitar algumas salas, a cantina, os corredores, a biblioteca, o laboratório e as mesmas escadas onde nos amontoávamos nos intervalos formando pequenos bandos.
Tudo ao mesmo tempo diferente e igual. Parei em uma das salas onde estudei a oitava série e lembrei da professora Marlúcia, de português. Lembro que eu tinha esperado chegar esse momento para ler “A oitava série C”, de Odette de Barros Mott, para que a história fizesse mais sentido para mim. Afinal, teria a mesma idade e maturidade dos personagens (caprichos de leitora). Eram turmas, contextos e origens diferentes, a fictícia e a minha. Mas me ensinou sobre alteridades.
Se de um lado a ditadura nos impunha ‘livros oficiais’, de outros muitos professores trabalhavam silenciosamente nos educando pela leitura de ficção, pela arte e pela escrita. Suas escolhas foram cruciais para a nossa formação. Afinal, nem tudo podia ser censurado. Havia que aproveitar esses flancos. “Vidas secas” e “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, “Justino, o retirante”, de Odette de Barros Mott e as pinturas “Retirantes e Menino morto”, de Portinari, por exemplo, nos permitiam refletir sobre a seca, o êxodo rural, a fome e a injustiça social.
Dirijo-me à minha seção eleitoral e as imagens daqueles anos vão se dissipando. Volto para casa com essas imagens e com os rostos, renovados dias depois neste 15 de outubro. Nunca me esquecerei de Eglantina, Nivalda, Raimunda, Geovanina, Edidelson, Félix, Washington, Mangueira, Lygia, Hunald, Luísa Rosa, Vanda, Leila, João e Zé Costa, Odete, Eugênia, Ana, Sônia, Antônio Carlos, Lílian, Joaquim, Jorge, Leonardo. A eles agradeço a paciência e generosidade com que transmitiram o seu saber. Olhando para o presente, vejo que a sua presença se faz ainda mais necessária.
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