Encontro inusitado na calada da noite

 

Por Luiz Thadeu Nunes e Silva (*)

 

Estava devendo uma visita ao amigo Elias. Açambarcado de afazeres e preso no cipoal do tempo, vinha procrastinando essa visita. A última vez que nos falamos, foi ele quem me ligou para me parabenizar pela estreia de Heitor, meu primeiro neto, que nascera em janeiro e cuja chegada soube por uma crônica do avô coruja, publicada no Jornal Pequeno.

Sábado à noite, 15 de fevereiro, vejo a mensagem do amigo Rinaldo, perguntando se tinha algo a fazer. Resoluto em não sair de casa, já tinha driblado outros convites. “Luiz, te apanho logo mais, vamos ali”, dizia a mensagem do poeta. Resolvi aceitar o convite. Privar-me da companhia de Rinaldo é um deleite, um privilégio e diversão garantida.

Na hora marcada, apanhou-me e fomos a um bar recém-inaugurado.

O poeta Rinaldo é uma usina de criatividade. Se o italiano Leonardo é Da Vinte, Rinaldo é o dobro. Escritor, poeta, pintor, chargista, ilustrador, declamador, compositor, musicista, pecuarista, advogado, guia turístico, corretor, empresário etc. Sua mente irrequieta e criativa o faz múltiplo, plural, atemporal, diferenciado. Domina diferentes setores com maestria.

Após alguns chopes e petiscos, contou-me, empolgado, suas novas ideias.

Conta encerrada, fomos à procura de novos lugares. Em época pré-momesca, a Ilha do Amor ferve em diversão. O poeta, condutor do tour, levou-me a diferentes partes da cidade. No adiantado da hora, resolvemos visitar um amigo comum, que Rinaldo conhece desde garoto e a quem eu devia uma visita. Como Elias é notívago, resolvemos arriscar encontrá-lo acordado no adiantado da hora.

Rinaldo e Elias moram no mesmo bairro, são vizinhos. Mesmo morando próximos, não se viam havia anos.

“Oh de casa”, chamou Rinaldo, do portão, velho hábito de gente do interior.

Elias apareceu e pediu que entrássemos.

Em poucos instantes, a conversa fluiu, como se os três não tivessem se desconectado ao longo do tempo. Elias é colega dos bancos escolares do Colégio Batista Daniel de La Touche. Coisa de mais de meio século. O poeta Rinaldo é um amigo mais recente. Foi-me apresentado pelo amigo José Henrique Brandão, também colega do Batista.

Elias, que se recupera de uma enfermidade, é amor puro, genuíno. Como a cana-de-açúcar, quanto mais moído, mais doçura produz. Falou-nos da alegria de viver, de como a vida é bela. Além de bom papo, Elias sabe ouvir. E, como disse Rubem Alves, ele “não fez curso de oratória, mas de escutatória”.

A conversa enveredou por muitos temas. Das agruras das guerras, que nos brutalizam, ao amor de Deus, que nos suaviza, ensinando-nos que não percamos a fé de dias melhores, mesmo com um futuro incerto.

Uma amizade dotada de alma não se encerra em um só encontro, pois carrega em si a riqueza inesgotável das memórias, de tempos idos, trazidos de volta quando rebobinamos a mente. Cada retorno é um reencontro, um deleite revelado sob novas perspectivas, ressignificando a luz das experiências e vivências de cada um. Nosso encontro na calada da noite, que se perpetuou em memórias, alimentando em nós momentos únicos e indeléveis, deixou saudades. E assim seguimos, tocados pelo arco do tempo, vivendo entre explosões e silêncios, aprendendo que cada ser humano é único.

Bem-aventurados os que têm amigos como o poeta Rinaldo e o dândi Elias, seres humanos únicos, de edições esgotadas.

Neste sábado, 22 de fevereiro, ao completar 66 anos, te desejo Elias Haickel Neto, o melhor do melhor. Que Deus restaure tua saúde para que possas fazer o que mais sabes: ser amigo especial, amoroso e atencioso para todos nós.