Por Luiz Thadeu Nunes (*)
Encontrei-a no estacionamento do shopping. Época natalina, lugares cheios, difícil encontrar uma vaga. Ela já tinha estacionado, eu circulava feito pião. Até que Nossa Senhora das Vagas arranjou a vaga tão necessária. Estacionei e fomos para um lugar tranquilo. Sentamos, e ela me contou de sua felicidade nesta época do ano; falou que ama o Natal. Tempo de reencontros.
Perguntou-me por minha companheira de jornada. Contei-lhe o que aconteceu, que bateu asas e voou.
Ela ouviu calada, olhos arregalados, que não demoraram a derramar lágrimas. Falou suave: “Professor, estou pasma. Mas tenha fé, acalme seu coração, tudo passa, isso também vai passar”.
Ela sempre me chama de “professor”. Já fui professor, lá atrás. Gosto de ser chamado assim.
Refeita, lágrimas escorridas, contou-me um pouco de sua vida.
Disse, sorrindo, que o marido, já falecido, todas as vezes que se emputecia, batia asas. Passava alguns dias e retornava. Foram cinco vezes que assim procedeu. Ela nunca ligou para saber por onde andava: se estava bem, se tinha tomado os remédios tão necessários para combater suas comorbidades. Nas cinco vezes que ele se foi, voltou de asas arriadas.
Sábia, ela tocava sua vida. Ao vê-lo novamente retornar para casa, lhe perguntava:
— Bichinho, por onde andastes não te trataram bem?
Ele, zangado com o descaso dela, lhe respondia:
— Nunca vi mulher assim, que o marido sai de casa e a mulher nem liga, não vai atrás.
— Eu não te expulsei de casa, você foi porque quis, e voltou pelo mesmo motivo. Você não foi com minhas pernas, portanto não tenho nada com isso.
Na última vez que ele se escafedeu, ela soube que ele arranjara uma “cunhã”, e que estava apaixonado; já querendo o divórcio. Ela não disse nada, o conhecia bem; sabia que logo estaria pedindo arrego para voltar.
Não demorou muito para ele ligar, dizendo onde estava, e que vira na TV, uma doença que estava matando o povo, e que ele queria voltar para casa.
A doença era o coronavírus. Ela nem assuntou.
Ele ligou novamente apavorado, “pelo amor de Deus, pede para alguém me buscar, não quero morrer aqui”.
Ela providenciou que o filho fosse buscá-lo, todo paramentado, feito um astronauta, obedecendo os tais protocolos, tão em voga na época.
Ele voltou, ficaram em quartos separados. Ela providenciou tudo para ele, mas exigiu distância. Suas comorbidades se agravaram, e por conta da diabetes, ele ficou cego.
Nos últimos anos, ela deu toda a assistência para ele, até no derradeiro suspiro. Sepultou-o e, ainda no Campo Santo, pensou com seus botões: “Daí tu não sai nunca mais, quem vai bater asas agora sou eu”.
— Professor, a pandemia do coronavírus foi minha amiga. Graças ao vírus letal, e o medo de morrer, ele voltou para casa. Olhe como as coisas são engraçadas. Desde que ele voltou pela última vez, não teve mais condição de administrar o dinheiro, não pode mais ir ao banco, e não aprendeu a fazer as transações pelo smartphone. Coube a mim ficar com as senhas e o dinheiro.
Mulher sábia, teve a parcimônia de acompanhar as tresloucadas fugas e posteriores voltas para casa do marido fujão.
Enquanto ela me narrava sua epopeia, lembrei-me de dona Gertrudes, uma vizinha de tempos idos, que morava próximo da casa de meus pais.
Geraldo, o marido, era caminhoneiro, viajava o país todo, entregando e buscando cargas. Às vezes ele passava tempos sem dar notícia, a mulher se acostumara. Mas, uma vez ele ficou cinco anos desaparecido, sem que ninguém soubesse seu paradeiro. Em princípio, dona Gertrudes se preocupou, procurou-o por toda parte, e nada. Ela o deu por morto.
Um belo dia, próximo ao Natal, seu Geraldo aparece em casa, como se nada tivesse acontecido. Trouxe o presente da mulher e dos filhos. Quando ele sumiu, deixou quatro filhos com a mulher. Ao voltar tinha cinco.
Espantado, perguntou:
— Gertrude, me diz uma coisa, de quem é esse menino menor?
— É teu?
— Meu? Se eu não estava nem aqui.
— Exatamente, não estava porque não quisestes, mas o filho é teu, tem até o teu sobrenome. E, trata de comprar o presente de Geraldo Jr.
Rimos muito da história de Gertrudes e Geraldo. Desejamo-nos Feliz Natal e nos despedimos.
— Professor, sempre um prazer encontrá-lo.
— O mesmo digo eu.
Como dizia o poeta Vinicius de Moraes, “A vida é a arte do encontro, embora haja muito desencontro pela vida”.
Autores: Milton Nascimento e Fernando Blant
“Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar”
Assim é a vida, uma dança de encontros e despedidas.
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