O mês de dezembro é cercado de um movimento intenso muito diferente dos demais. Cristãos de várias religiões comemoram, no mundo, o nascimento do Filho de Deus. E, uma semana depois, temos a mudança de ano no calendário. Essas comemorações são vividas intensamente, e as celebrações e confraternizações das pessoas do trabalho, dos diversos grupos de amigos e da família demandam troca de presentes e encontros afetivos. Entretanto, ao mesmo tempo em que temos uma demanda que nos gera alegria, muitas pessoas se deprimem nesta época e não entendem o porquê.
É comprovado por psicólogos, psiquiatras e psicanalistas a maior dificuldade de lidar com esta época e, muitas vezes, a busca de tratamento para aqueles que já não vinham se cuidando. Muitas pessoas não entendem o motivo de se sentirem mal, com uma sensação de perda de sentido da vida, apatia, perda de sono ou seu excesso, aumento ou diminuição do apetite, astenia (um cansaço generalizado) e uma dor que o acompanha enquanto acordado, quiçá não aparece em sonhos ou pesadelos. Tudo isso como principais características.
Na maioria das vezes, revivemos neste período situações muito primitivas e mal resolvidas. A sensação de finalização de um ciclo é extremamente angustiante para quem tem dificuldades de lidar com perdas afetivas. O sentimento de alegria é vivenciado junto com uma imensa angústia pelas expectativas de não ter concluído e/ou realizado os grandes objetivos traçados de qualquer magnitude em sua vida. Tais sensações de fracasso podem aparecer, consciente ou inconscientemente.
A vivência de encerramento de um ciclo pode nos remeter ao primeiro grande rompimento: o nascimento nos separa concretamente de nossa mãe. Saímos de um ambiente seguro (para a grande parte das pessoas) e provedor, para um novo ambiente com menos contato – saímos do meio líquido e passamos para o ar. Teremos de nos esforçar para nos nutrir, por meio do seio da mãe ou da mamadeira, e aprender a conhecer e a lidar com nosso corpo ainda tão frágil e pouco desenvolvido. Toda criança tem como primeira meta este primeiro grande desafio, que é sobreviver. Se descobre o prazer de não ter mais fome com o leite materno (ou seu equivalente) e ter a segurança e o amor da mãe refletidos na troca de olhares e de ser pego no colo (a isso chamamos de holding).
Como as primeiras experiências são muito intensas, elas ficam registradas, de alguma forma, em nosso próprio corpo – pois não tendo o sistema neurológico se desenvolvido o suficiente, não é possível ter as lembranças desta fase da vida (vejam que falei lembranças e, não, memória). Assim, sentimentos de desamparo se alternam com os de acolhimento, cuidado e amor.
Porém, as experiências se repetem durante cada nova situação apresentada. Junta-se a isso o desenvolvimento da elaboração do luto (perdas de qualquer ordem não necessariamente só de pessoas e só com a morte). Um luto saudável acontece toda vez que perdemos algo ou finalizamos um ciclo. É necessário um desinvestimento afetivo naquilo que foi perdido. O processo nunca é rápido.
Cada lembrança precisa ser revivida (tanto as boas quanto as ruins), para desligar as dores de não mais conviver e restar somente a lembrança desinvestida destes sentimentos. Quando isso não ocorre, as lembranças das pessoas, objetos e situações ficam presos dentro da gente e passamos a carregar o sofrimento conosco. Freud chamou esse sofrimento de “melancolia”.
Luiz Gonzaga foi muito feliz ao explicar essa situação. Diz o mestre, na canção “Que nem jiló”:
Se a gente lembra só por lembrar
O amor que a gente um dia perdeu
Saudade inté que assim é bom
Pro cabra se convencer
Que é feliz sem saber
Pois não sofreu
Porém se a gente vive a sonhar
Com alguém que se deseja rever
Saudade, entonce, aí é ruim
Eu tiro isso por mim
Que vivo doido a sofrer
Acho que já sabem aonde vamos chegar… Quando não vivenciamos um holding suficientemente capaz de nos ensinar a lidar com situações difíceis e, por conseguinte, elaborar nossas perdas (o luto), cada nova sensação de cancelamento (para usar uma palavra da moda) nos é muito dolorosa. Ativa todas as outras perdas que vivemos anteriormente somadas a atual.
Uma última questão a ser destacada é que, para existir renascimento, antes precisa acontecer o fim, o término, a conclusão de algo. Não começamos algo efetivamente se não terminarmos o processo anterior. É neste meio-tempo que a dor, a melancolia se fazem presentes. Ao ter renascido a cada novo ano, Jesus e suas representações trazem o fechamento de uma etapa anterior. Não bastando a vivência do Natal, de término de um ciclo e celebração da vida em outro, este momento nos remete à nossa infância, com a confraternização em família. Com os anos, perdemos nossos antecessores (pais, avós, bisavós – quando não perdemos de forma abrupta e, sem a sequência temporal correta, a perda de um filho) e isso traz as lembranças de cada ausência. Assim, o sentimento de perda de quem amamos, de um momento da vida muito idealizado pela vivência infantil e das memórias do desamparo inicial se somam e precisam ser cuidados para que a alegria prevaleça.
Em uma semana, vivenciamos tudo novamente com a chegada do novo ano. Desta vez, se somam as expectativas não atingidas independentemente de serem viáveis de realização ou não. E, também, expetativas de um futuro que, por ser futuro, sempre é incerto e gera ansiedade como consequência.
Nunca é um período fácil. Junto com a felicidade de confraternizações e celebração de um novo início, questões não bem-resolvidas se apresentam de forma mais intensa. Uma pessoa que tenha aprendido a lidar com suas dores e angústias (nunca é completo) consegue sobrepor a felicidade ao sofrimento, mas quando estas questões estão muito presentes e revividas pelo corpo, elas se presentificam em dor, melancolia, medo, ansiedade e sofrimento, mesmo que as causas possam estar presentes de forma inconsciente.
Para poder viver um final de ano mais saudável, faz-se necessário reaprender a viver, vivenciar as situações dando-lhes um novo fim – o que não acontece sem uma grande parcela de amor-próprio e, muitas vezes, sem a ajuda do amor do outro. Se não é possível atingir tal processo sozinho, há soluções. Uma delas se dá pela Psicanálise. Um psicanalista pode ajudar a reinventar e reencontrar o amor pela vivência em consultório, em um ambiente mais seguro, com respostas diferentes, não menos desafiadoras, pelo vínculo analítico. Afinal, já dizia Freud que a Psicanálise nada mais é do que “a cura pelo amor”. É preciso, portanto, entender que lidar com os sentimentos que nos deixam melancólicos pede um bom investimento amoroso. Cuidado, carinho e afeto sempre são a solução para a maior parte dos problemas. Contudo, não é qualquer afeto e não é de qualquer forma. Cada pessoa tem um jeito de os receber e precisa ir na medida certa. Mas este assunto é tema para um novo texto. Agora é momento de cuidado. De refletir e buscar novos caminhos para lidar com o que é sentido. Nunca é demais tentar… Feliz Natal e Feliz Ano-Novo!
(*) Profa. Esp. Petruska Passos Menezes é psicóloga e psicanalista, integrante do Círculo Psicanalítico de Sergipe, tem MBA em Gestão e Políticas Públicas pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão Estratégica de Pessoas (pela Fanese), Neuropsicologia (pela Unit), graduanda em Nutrição e em curso Gestão Empresarial pela FGV.
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva da autora. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.
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