Inicio o presente texto, pedindo licença à Marília Mendonça (in memoriam) para citar um dos trechos de suas canções: “Se amar assim for brega / Me chama de Marília Mendonça ou de Falcão / Meu show agora é só voz e violão / Assim, debaixo da janela / Jantar à luz de velas / Agora é momozin’ ou momozão, eu sei que é brega” (Serenata, 2019 – composição de Diego Ferrari / Everton Matos / Guilherme Ferraz / Paulo Pires / Ray Antônio / Sando Neto).
Tudo isso para dizer e reafirmar que eu sou brega. Curto a música pejorativamente taxada de brega. Sobretudo, por entender e saber que para além de ser chula, como querem uma pseudo elite intelectual, tem poesia, sentimento e riqueza, além de traduzir o cotidiano como nenhuma outra produção cultural, em que pese a verdade e a espontaneidade artística.
Nesse diapasão, quero destacar a importância de Odair José de Araújo, nascido em Morrinhos, interior do Estado de Goiás, no dia 16 de agosto de 1948, hoje com seus 74 anos. Com mais de 50 anos de carreira, colecionou sucessos e também polêmicas, inclusive durante o regime imposto pelos militares entre os anos 1964 e 1985, no Brasil. Sobreviveu a tudo e hoje está entre os maiores nomes do país, cujos sucessos ainda podem ser ouvidos não somente nas mídias tradicionais, mas também nos streamings, a exemplo do Spotify, onde tem uma sequência “This is” (isso é), com cerca de 2h e 46min. A canção “Cadê você” (1973) lidera a lista com mais de três milhões de curtidas.
Eu, particularmente, gosto muito de “Vou tirar você desse lugar”, composição de Antonio Reis Silva Almeida / Cecílio Diógenes De Carvalho Jr. / Cláudio De Souza Santana / Renato Bonfim Do Carmo Pires, de 1972, executada em parceria com Caetano Veloso no Festival Phono 73, no Anhembi, em São Paulo, num evento que entrou para a história da Música Popular Brasileira.
Em entrevista para o repórter Raphael Vidigal, publicada no portal Itatiaia, no dia 16 de agosto de 2021, Odair José abriu seu coração e mostra como foi, ao longo de anos, vítima predileta dos falsos moralistas, dos milicos e dos críticos de plantão, em especial, por levar para as suas canções temas como prostituição, empregadas domésticas, homossexuais e até “o cara que fuma maconha”, como frisa na matéria. Diz não suporta hipocrisia, e eu também.
Seus problemas com a ditadura militar (1964-1985) estão sistematizados no portal memoriasdaditadura.org.br. Para os censores: “(…) o que incomodava, quase sempre, eram aspectos de comportamento: versos e canções atentavam, segundo a ótica dos censores, contra a moral e os bons costumes”. Uma, em especial é “Uma Vida Só (Pare de Tomar a Pílula)”, de 1973, que contrariava o programa de controle de natalidade do regime.
Odair José também teve problemas com a Igreja Católica. Em 1972, ele lançou a canção “Cristo, Quem é Você?”, que deixou algumas autoridades clericais incomodadas. Li atentamente e não vi nada demais na letra. Será que foi por conta do trecho a seguir: “Pra onde você foi? Cadê a sua cruz? / Venha me dizer, quem é você Jesus?”. Anos mais tarde, ele incomodou ainda mais com o disco “O filho de José e Maria” (1977), que lhe custou boatos de excomunhão no ano seguinte. Sobre o assunto, ele disse para Marcelo Tas, no dia 11 de maio de 2021 (TV Cultura): “Eu, na oportunidade, vi através de jornais que um bispo tinha dito que eu seria excomungado. Se eu fui de fato, não sei. Não me importei. Eu sou um cristão, tenho minha fé, mas não preciso de intermediário para me comunicar com Deus. Não preciso de padre, pastor, de ninguém. Não me preocupei com esse negócio de ser excomungado ou não. Se estou, não faz diferença. Se fui, também não faz”.
Polêmicas à parte, eu queria ser Odair José um minuto só. Faço isso parafraseando a canção “Eu Queria Ser John Lennon”, de 1972, que inspirou o presente texto. Uma toada simples, mas que revela muito de quem foi esse sujeito corajoso, destemido e criativo, que sobreviveu ao tempo e, principalmente, ao preconceito, à hipocrisia e ao desamor.