“Falar é sempre a melhor solução”. Essa é a sugestão da coordenadora do Centro de Valorização da Vida (CVV) em Aracaju, Erna Barros, para aquelas pessoas que precisam desabafar, contar suas angústias e descobrir qual o caminho para resolver os problemas. Através do 188, cerca de 3.500 voluntários em todo o país são, literalmente, todo ouvidos, para escutar essas pessoas. “Normalmente as pessoas procuram cursos de oratória, aqui no CVV nós ensinamos a “escutatória”, diz Erna Barros, utilizando esse trocadilho para explicar que os voluntários passam por um curso de dois meses para aprender a escutar as pessoas. Durante sete dias por semana, 24 horas, por dia, sempre tem alguém buscando o CVV para pedir ajuda. O CVV também está no Instagram, no Facebook e no Twitter. Ultimamente, o isolamento social provocado pela pandemia da covid-19 acaba sendo o tema recorrente das ligações, mas a coordenadora ainda não tem dados estatísticos para garantir que houve aumento nos chamados de março até agora. Com a chegada do Setembro Amarelo, mês voltado para a prevenção ao suicídio, o CVV vai fazer uma série de atividades online, pois com a pandemia, foram suspensas as atividades presenciais, como palestras em empresas, por exemplo. “Nos reorganizamos para fazer lives para não deixar de conversar sobre um assunto tão importante como esse”, reforçou. Esta semana, para divulgar as ações do CVV, Erna deixou um pouco de lado a habilidade “escutatória” e partiu para a oratória, conversando com o Só Sergipe. Você quer conhecer mais o CVV e ser um voluntário para mudar sua vida e ajudar as pessoas? Ou, de repente, se beneficiar desse serviço? Então leia a entrevista.
SÓ SERGIPE – Em virtude da pandemia da covid-19, de março até agora, a senhora registrou um aumento no número de ligações para o CVV aqui em Sergipe? E quantos voluntários trabalham?
ERNA BARROS – O CVV é formado por um grupo de voluntários pelo Brasil afora. São pessoas comuns, mas preparadas para ouvir, de forma acolhedora, todos aqueles que precisam desabafar e conversar. Desde que iniciou a pandemia nós mantivemos o nosso serviço funcionando – 188 – e de lá para cá podem continuar contando com o nosso serviço. A pandemia, quarentena, isolamento social, volta e meia acaba sendo tema das ligações, mas não podemos afirmar, ainda, que a quantidade de ligações aumentou nesse período porque nós estamos sedimentando os dados estatísticos.
SS – Os diálogos no CVV são sigilosos, mas, em linhas gerais quais são os principais motivos das ligações? Que tipo de desabafo são esses?
EB – As pessoas procuram o CVV, de forma geral, porque precisam ser ouvidas e querem desabafar questões das mais variadas possíveis: pessoais, relações no trabalho. Então todas as pessoas que precisam de um ouvido acolhedor, de alguém que vai escutá-las sem julgar, sem apontar o dedo, sem dizer que está certo ou errado, sem fazer aconselhamento, o CVV oferece um apoio emocional. Essas pessoas podem contar com o CVV. Nós recebemos ligações de todas as faixas etárias, de jovens a idosos, de homens, mulheres de todas as classes sociais, de todos os gêneros. Então, nós estamos à disposição para conversar sobre qualquer assunto e as pessoas podem ter certeza de que terão segurança no sigilo desse atendimento. Tudo que é conversado fica entre a pessoa que liga e quem a atendeu, até porque o sigilo é a base do nosso trabalho. A gente oferece para a população um serviço seguro, sigiloso e até anônimo, porque elas não precisam dizer o nome se não quiserem. É um serviço onde podem contar com alguém que vai ouvir o desabafo, seja ele qual for, e nessa troca vão ter o apoio emocional que precisam naquele momento para se reequilibrar.
SS – Entre as pessoas que ligam para o CVV vocês orientam se percebem que alguém precisa de um acompanhamento médico ou psicológico?
EB – O nosso trabalho não funciona a partir de aconselhamentos ou direcionamentos. Nós sempre acreditamos na capacidade das pessoas, em equilíbrio emocional, alcançarem as saídas para seus próprios problemas. Nesse sentido, quando há algum tipo de identificação de que a pessoa precisa de um outro suporte mais profissional, seja do psicólogo ou psiquiatra, na própria conversa a pessoa poderá, por ela mesma, ver a necessidade de buscar esse auxílio. Nós não direcionamos e nem indicamos que ela faça qualquer tipo de tratamento. Mas a conversa, naquele momento, oferecendo o apoio que ela precisa, pode, por ventura, ser levada ao momento em que ela mesma possa identificar essa necessidade. O nosso serviço é de acolhimento naquele momento. A pessoa está em desespero, se sentindo muito sozinha, com muitos problemas, não encontra com quem conversar e nos procura. Nessa conversa, com alguém a ouvindo com carinho, com respeito, ela mesma vai encontrar a saída para os seus problemas.
SS – Quantas pessoas atuam no CVV e em que horários as pessoas que buscam ajuda podem ligar?
EB – O CVV é formado por cerca de 3.500 voluntários no Brasil inteiro. Nós temos postos de atendimento em vários pontos do país e fazemos, principalmente, através do número 188, que é um número gratuito e que funciona 24 horas, os sete dias da semana. É um canal de acolhimento, conversar com os voluntários de qualquer lugar do país. Por exemplo: se alguém daqui de Sergipe liga para o 188, ela pode ser atendida por um voluntário do Rio Grande do Sul ou Rio Grande do Norte, ou do Amazonas, Bahia. É assim que o nosso trabalho funciona. O 188 é nosso principal canal, mas temos outros como chat (bate-papo) e podem acessar www.cvv.org.br
SS – Setembro Amarelo é o mês de combate ao suicídio. Vocês vão ter um trabalho nesse sentido?
EB – O Setembro Amarelo é um mês muito importante para o CVV, de prevenção do suicídio, de preservação da vida. É quando nossos voluntários ficam mobilizados este mês, mais do que o restante do ano. É quando temos a possibilidade de conversar um pouco mais sobre assuntos tão delicados relacionados ao suicídio, divulgando os nossos serviços na imprensa e abrindo a possibilidade das pessoas dialogarem sobre esse assunto nas suas casas com familiares e amigos.
SS – E como será este ano?
EB – Este ano o Setembro Amarelo será um pouco diferente, dentro das normas sanitárias que o CVV continua seguindo. Por conta da pandemia, as ações que fazíamos como roda de conversa, palestras nas empresas e escolas, não serão possíveis. Nos reorganizamos para fazer lives para não deixar de conversar sobre o assunto tão importante como esse.
SS – As pessoas que quiserem ser voluntárias no CVV, que caminhos devem seguir, a quem devem procurar? Elas passam por alguma preparação para o voluntariado?
EB – Para ser voluntário ou voluntária do CVV basta ser maior de 18 anos, fazer a inscrição no www.cvv.org.br . As pessoas que integram o nosso quadro precisam ser capacitadas, nós temos um curso para isso que chamamos de PSV (Processo de Seleção de Voluntário) que é um curso onde elas vão aprender a ouvir. Geralmente, digo que as pessoas fazem cursos de oratória para aprender a falar melhor em público. No CVV vão fazer um curso de “escutatória”, para aprender a ouvir com calma, com respeito, com paciência, sem direcionamentos, acolhendo realmente a pessoa. Quem quer ser voluntário, terá de fazer o curso de três meses e precisa ser aprovado. Sendo aprovado, integra o quadro de voluntários. É dessa forma que pedimos, que não só divulgue o número 188, mas se tem essa proximidade com a nossa causa, entre no site, faça a inscrição e será muito bem-vindo. É uma entidade que tem mais de 50 anos no Brasil atuando na prevenção ao suicídio.
SS – Quando foi fundado o CVV em Sergipe?
EB – Ele foi fundado em 2006, com 14 anos de funcionamento. Aqui em Sergipe atuamos no prédio anexo da Assembleia Legislativa. Nós temos uma sala que foi doada pela Alese, onde funciona o nosso posto de atendimento. Durante a pandemia, tivemos que adequar os nossos serviços presenciais e muitos dos nossos atendimentos ocorrem de forma remota com os voluntários em segurança em suas casas, através de um sistema interno do CVV que redireciona as ligações do 188 para o suporte dos voluntários em casa. Algo parecido com o Skype. É assim que estamos mantendo nosso serviço funcionando e é assim que pretendemos manter para que nossos voluntários permaneçam em segurança.
SS – O que a motivou a entrar no CVV, que hoje a senhora coordena?
EB – Com relação a minha atuação no CVV, eu sou voluntária desde 2017, então tenho três anos e estou coordenadora de Aracaju. O CVV entrou na minha vida diante da possibilidade de ajudar as pessoas que não conseguem encontrar alguém para conversar. Lembro que uma das minhas principais motivações era realmente ser esse ouvido amigo para aquelas pessoas que têm uma dor tão intensa, algo que é tão delas, que elas não conseguem conversar com os melhores amigos. Elas que têm questões muito intimas e precisam desabafar. E o suicídio é algo muito alarmante no nosso país. Para você ter uma ideia, a cada 45 minutos uma pessoa se suicida no Brasil. Esse número é muito alarmante e só quis fazer a minha parte. Fiz o curso, entrei no CVV e desde então posso dizer que minha vida mudou radicalmente. Posso dizer que ela se distingue antes e depois do CVV, porque nós aprendemos muitas coisas, é um período de autoconhecimento grande. Nosso serviço não é só importante para as pessoas com as quais nos comunicamos, mas, principalmente, para nós mesmas. Recomendo muito que as pessoas possam conhecer mais do serviço, nos apoiar, nos ajudar divulgando o CVV nas redes sociais, com os familiares, e vendo a importância desse trabalho para a sociedade. Costumo dizer que num mundo ideal, o CVV nem existiria, porque seria um mundo onde as pessoas iriam se ouvir mais, cuidar umas das outras. O CVV só existe porque a sociedade, ainda, se movimenta e tem uma dinâmica bastante egoísta nesse sentido. A gente precisa também contar com a sociedade como um todo, para que cada pessoa possa ouvir o colega que chega cabisbaixo, silencioso, às vezes fala uma frase enigmática e está simplesmente pedindo socorro, dizendo ‘o mundo seria melhor sem mim’ e não ligamos para aquela frase. Poderíamos chegar mais próximo e dizer: ‘Eu estou aqui, você quer conversar?’. Eu e os voluntários fazendo a nossa parte, estamos inspirando as pessoas a se ouvirem, a se acolherem para vivermos num mundo mais solidário, mais fraterno.
SS – Quando a senhora disse que ao ingressar no CVV houve uma mudança em sua vida, gostaria de saber qual exatamente.
EB – O CVV, na verdade, muda a vida de qualquer pessoa. Até mesmo aquelas que fazem o curso e não são aprovadas levam com elas a essência do CVV. Elas levam informações para a vida de inteira, que chamamos de filosofia do CVV. Mais do que um serviço, aprendemos uma filosofia de vida, uma forma de ver a vida, ouvir as pessoas. E isso modifica todas as nossas relações interpessoais: com familiares, amigos, colegas de trabalho. Tudo isso acaba sendo parte do que o CVV nos proporciona. Eu, como os outros voluntários, assimilei essa filosofia de vida para mim, até porque não somos voluntários quando estamos dando plantão. Nós acabamos levando essa filosofia para todo nosso cotidiano. A forma como conversamos. É sempre importante, pois essa modificação é natural, fluida, começamos a ouvir mais do que falar. Nós percebemos, as pessoas se sentem acolhidas. O que acontece é que as pessoas ouvem o outro na ânsia de dar a resposta e não prestam atenção e não exercitam o ouvir profundamente. É ouvir aquela pessoa, respeitando a individualidade de quem ela é, o que pensa, respeitando o ponto de vista do outro para que não haja qualquer tipo de embate. Então isso, nós levamos para todos os lugares por onde vamos, independente de estar ou não dando plantão no CVV. E isso eu trago comigo como uma das coisas mais positivas que o CVV me proporcionou.
SS – A senhora gostaria de dizer mais alguma coisa?
EB – Quero falar diretamente com o leitor agora. Se você está precisando desabafar, está com alguma angústia, se sentindo sozinho, ligue para o CVV e vai encontrar alguém que conversará com você com todo respeito, com toda atenção que necessita para se sentir um pouco melhor e, quem sabe, vislumbrar saídas que você ainda não está encontrando para sua vida. O CVV está disponível pelo número 188. Falar é sempre a melhor solução.