E a partir de janeiro, “voltaremos a ter essas oscilações grandes e essa pressão de preços no país, porque a política de paridade de importação não foi tocada”, complementa a economista ao lembrar que essa redução está sendo possível em virtude da lei complementar 194, de 23 de junho, que não ataca diretamente a causa do problema. Desde 2016, que os preços do petróleo brasileiro são atrelados ao preço do barril no mercado internacional, submetido à variação cambial. Na opinião da economista, o ideal é que houvesse uma política “que tivesse como foco o mercado nacional, na defesa da soberania da Nação”.
Paralelo à essa redução, o país vive – na visão da economista – “uma desorganização, por falta de um projeto nacional ou de adoção de política macroeconômica que foque nas causas da carestia”. E não é só isso, “vivenciamos um baixo crescimento econômico, alto desemprego, queda no rendimento do trabalho; há uma série de problemas que pressionam o governo a tentar uma medida extrema e bastante intempestiva para tentar controlar imediatamente a inflação, mas sem uma preocupação com o ano seguinte”.
Essa “desorganização” citada por Flávia Santana afetou todos os estados brasileiros quando o governo federal interferiu na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e que já está causando prejuízos que irão perdurar até dezembro deste ano, afetando setores primordiais como educação e saúde. “No caso de Sergipe será uma perda de arrecadação de receita da ordem de R$ 399,2 milhões e no caso dos municípios sergipanos, uma perda de R$ 133,1 milhões, valor rateado entre eles”, afirmou a economista.
“Na Educação é um impacto negativo de quase R$ 20 milhões e para o conjunto dos municípios de R$ 6,7 milhões. No caso da saúde, cujo repasse ficaria em torno de 12% da receita, Sergipe teria uma perda de R$ 50 milhões”, afirmou.
Flávia Santana assumiu o escritório do Dieese em Sergipe no mês de julho, mas já está na casa há 12 anos. Baiana de Jequié, formada pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), antes de vir para Sergipe ela era a responsável técnica do Observatório do Trabalho, em parceria com o Governo da Bahia, através da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (Setre).Leia a entrevista deste domingo sobre assuntos econômicos tratados aqui com a Flávia Santana, economista do Dieese.
SÓ SERGIPE – Estamos vendo, no atual governo, redução no preço dos combustíveis. Alguns economistas chamam isso de atitude eleitoreira e que a pessoa que for eleita para Presidência da República terá um grande problema, pois essas reduções só serão mantidas até dezembro. Que análise a senhora faz desse cenário?
FLÁVIA SANTANA – Essa medida sancionada pelo Governo Federal, em 23 de junho, através da lei complementar 194, não ataca diretamente a causa do problema. O governo, através dessa medida, buscou reduzir alíquotas do ICMS para determinados itens, dentre eles os combustíveis, energia elétrica, transportes e comunicação. No entanto, a causa da inflação, da alta destes preços não está nos tributos. Na verdade, a alta inflacionária dos preços dos combustíveis vem sendo gerada por outros fatores, inclusive de ordem internacional.
Desde a pandemia da Covid-19 houve uma desorganização das cadeias de insumos e de suprimentos de matérias-primas para diversos setores da economia nacional, e isso fez com que os preços se elevassem, incluindo os dos combustíveis. Além disso, mais recentemente, estamos observando os efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia que também pressionam os preços do petróleo, por ser a Rússia um dos seus maiores produtores mundiais. Temos ainda fatores de ordem doméstica que repousam sobre as decisões da Petrobras de reduzir seus ativos.
Embora o Brasil seja o nono maior produtor de petróleo do mundo, ter uma das maiores produções de parque de refino do mundo, houve a decisão de privatizar os ativos da empresa, privatizar metade das refinarias. E, atualmente, o Brasil, embora tenha custos de produção cada vez mais baratos, devido à exploração do pré-sal, passou a ser um país que exporta petróleo cru como comodities e importa petróleo e derivados e adotou, desde 2016, uma política de paridade de preços de importação. Significa que você atrela os preços de produção internos no Brasil à cotação do barril no mercado internacional. Além disso, também submete os preços à variação cambial. Mesmo sendo produtor de petróleo os preços não são referenciados na moeda real e sim no dólar. E isso tem elevado constantemente os preços dos combustíveis no país.
SÓ SERGIPE – Essa política de atrelamento ao dólar teria como mudar? Nós brasileiros é que acabamos pagando muito caro pelos combustíveis devido à essa medida que vem lá de 2016. Qual seria a solução para termos um preço, digamos, razoável?
FLÁVIA SANTANA – O governo federal é o acionista majoritário da Petrobras e não interferiu para impedir o desinvestimernto. Esse poderia ser alterado, caso o Governo tivesse interesse em, de fato, modificar para uma política que tivesse como foco o mercado nacional, na defesa da soberania da Nação. Outra questão que interfere bastante é que essa medida de redução de preços dos combustíveis foi criada com data para término, que já está definido na própria lei complementar, que é até dezembro de 2022. Por mais que agora seja visível nas bombas uma redução, caso haja alteração nos barris de petróleo cotado internacionalmente ou variação cambial, os preços continuarão subindo, mesmo neste curto intervalo. Posteriormente a isso, voltaremos a ter essas oscilações grandes e essa pressão de preços no país, porque a política de paridade de importação não foi tocada.
SÓ SERGIPE – Isso quer dizer que o atual governo está preparando para ele mesmo, caso seja reeleito, uma bomba relógio? Ou para outro que for eleito? Hoje, o litro da gasolina custa pouco menos de R$ 5,00, mas em janeiro pode pular para R$ 10,00? Estou exagerando?
FLÁVIA SANTANA – É uma preocupação bem factível porque, na verdade, essa medida do governo tem uma ação muito danosa do ponto de vista do pacto federativo, porque reduz a autonomia dos Estados com relação à sua política tributária. Tudo que está acontecendo no país em termos de desorganização, é por falta de um projeto de desenvolvimento nacional ou de adoção de política macroeconômica que foque nas causas da carestia.
Nós estamos vivenciando um baixo crescimento econômico, alto desemprego, queda no rendimento médio do trabalho; há uma série de problemas que pressionam o governo a tentar uma medida extrema e bastante intempestiva para tentar controlar imediatamente a inflação, mas sem uma preocupação para o próximo governo, para o ano seguinte. Ao reduzir as alíquotas do ICMS para esses itens que foram tornados essenciais, o governo causa desorganização nas finanças dos Estados e dos municípios, visto que o ICMS é o principal tributo na receita destes entes, sobretudo dos Estados.
SÓ SERGIPE- E para Sergipe, como fica a situação?
FLÁVIA SANTANA – No caso de Sergipe, o ICMS representou em 2021, 91,2% da receita tributária do Estado. A Confederação Nacional dos Municípios fez uma estimativa de perda de arrecadação para todos os municípios do Brasil. E a partir deste trabalho nós do Dieese estimamos, através dos regramentos institucionais para os repasses de tributos, tanto para Estados e municípios, assim como a perda para Sergipe e para o conjunto dos 75 municípios sergipanos. No caso do Estado será uma perda de arrecadação de receita da ordem de R$ 399,2 milhões e no caso dos municípios sergipanos uma perda de R$ 133,1 milhões, valor rateado entre eles.
SÓ SERGIPE – Esse impacto negativo vai gerar o que em Sergipe?
FLÁVIA SANTANA – Esse impacto se desdobra, justamente, por causa dessa receita. Há uma série de repasses para as políticas sociais, sobretudo para educação e saúde. Cumprindo esses regramentos constitucionais, 25% da receita teria que ir para a Educação sendo 20% através do Fundeb e mais 5% complementando os 25% estabelecidos pela Constituição. Na Educação é um impacto de quase R$ 20 milhões e para o conjunto dos municípios de R$ 6,7 milhões. No caso da saúde, cujo repasse ficaria em torno de 12% da receita, Sergipe teria uma perda de R$ 50 milhões até o final deste ano, e para os municípios em torno de R$ 16 milhões. Então você veja que, embora seja uma medida com efeito imediato de reduzir a inflação – e vai beneficiar momentaneamente alguns segmentos da população como caminhoneiros, motoristas de aplicativos e pessoas que têm carro -, o dano causado para a sociedade será muito maior e vai perdurar pelo ano de 2023.
SÓ SERGIPE – Todos nós vamos pagar caro por essa benesse?
FLÁVIA SANTANA – Provavelmente.
SÓ SERGIPE – Aliado a isso, temos no Brasil 10,1 milhões de pessoas desempregadas, no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados do IBGE. E no caso de Sergipe, quantos são os desempregados?
FLÁVIA SANTANA – No caso de Sergipe, segundo dados do IBGE, da última PNAD Contínua, temos uma taxa de desocupação de mais de 12%. Essa taxa implica dizer que das pessoas com 14 anos ou mais que estão em idade economicamente ativa, 12% estão buscando alguma ocupação. Isso é muito grave. Aliado a essa percepção dos dados do desemprego, temos um desalento muito grande. Conseguimos perceber que boa parte dos trabalhadores sergipanos estão desmotivados, desacreditados de que possam conseguir alguma inserção no mercado de trabalho.
Temos, também, em Sergipe uma situação muito séria com relação à pobreza, com um percentual muito grande de pessoas que estão passando fome e tem também um percentual significativo de sergipanos que estão vivenciando uma situação de insegurança alimentar, que se caracteriza por aquela condição em que o indivíduo chega ao final do dia sem a garantia de que vai conseguir realizar as três refeições.
SÓ SERGIPE –A senhora tem estes dados em números?
FLÁVIA SANTANA – São 108 mil pessoas desalentadas. Quando olhamos somente os desocupados temos uma taxa em Sergipe de 12,7% acima da média nacional que era de 9,3%, no segundo trimestre de 2022. Já quando adicionamos o desalento, essa taxa sobe para 20,6% e é bem superior à nacional que estava em 12,7%. Veja que a situação do mercado de trabalho de Sergipe é delicada; a posição ocupacional mais predominante no mercado de trabalho é de empregado sem carteira assinada, que representa 29,3% dos ocupados; em relação à população que passa fome, Sergipe é o quinto Estado do país no número de famílias pobres. São 48,2% da população sergipana que tem renda domiciliar per capita de até R$ 497,00 por mês, que é justamente a linha da pobreza. Os Estados que têm percentuais de pobres maiores que Sergipe são Pernambuco, Alagoas, Amazonas e Maranhão.
SÓ SERGIPE – Por ser o menor Estado da Federação, aqui não teria tudo para ser um exemplo de gestão, isso com relação aos governos passados ou atual, seja na esfera estadual ou municipal? Tanto se falou em qualidade de vida, mas aqui existem muitas pessoas que não acreditam que encontrarão emprego e outras passando fome. Faltou, ao longo dos anos, gestão eficiente para cuidar de problema tão grave?
FLÁVIA SANTANA – Eu diria que Sergipe já teve, ao longo de um exame de série histórica mais longo, um crescimento em que no momento positivo na economia conseguia crescer mais que o do país. No entanto, foi se perdendo essa capacidade devido à própria desorganização que vem ocorrendo no setor industrial. Isso não é um fato isolado em Sergipe, mas que se observa em todo o país. Observamos que no Nordeste houve uma grande instalação de indústrias devido a incentivos fiscais e ao término desses subsídios as empresas fecharam as portas, demitiram em massa e saíram do Estado.
O que o Brasil e o Estado de Sergipe vivenciam hoje é muito mais uma desestruturação em termos nacionais, de uma falta de política enquanto nação, que apoie e direcione os investimentos nos Estados, do que propriamente um problema causado por determinado tipo de gestão local. Há um problema mais amplo, mais estrutural de falta de rumo e desmonte do país, tanto da sua estrutura produtiva, quanto de políticas que deem sustentação ao Estado. Nesse aspecto, a região Nordeste vem sendo alvo de desmonte muito mais acirrado. Sergipe, assim como a Bahia, tem sofrido com um problema específico da cadeia de petróleo e gás, porque aqui é um Estado em que essa capacidade, esse potencial é forte, e com essa situação que o Brasil vivencia desde 2016, tem afetado bastante. Vemos no Brasil essa desorganização da estrutura da Petrobras, tanto no desmonte do parque de refino e demais cadeias, nas decisões de não produzir aqui, importar e comprar.
SÓ SERGIPE – Mas em contrapartida, o Governo de Sergipe e os empresários se mostram convencidos de que aqui será um novo hub de gás, a chegada de empresas de energia eólica, dentre outras. Ou seja, eles vislumbram um booom. Há uma divergência entre o que a senhora diz e o que eles acreditam. Qual seria o ponto de equilíbrio?
FLÁVIA SANTANA – É difícil fazer uma previsão dessas e tentar uma fala política, pois faço uma análise mais técnica. No caso, tem o discurso da gestão que aposta em uma série de protocolos de investimentos e intenções que estão alçados no âmbito do governo. Mas, mesmo para os parques eólicos e toda essa economia verde que têm sido uma política com maior ênfase na região Nordeste, é uma política que isoladamente, no âmbito dos Estados, dificilmente vai conseguir alavancar um desenvolvimento de forma estrutural, porque essa política está inserida no sistema nacional de distribuição energética, que é integrado. Então, você não consegue ter algo pensado do ponto de vista do sistema nacional de energia com as diversas outras matrizes – a elétrica, a hidrelétrica, fotovoltaica, eólica.
Há contradições muito significativas ocorrendo no Brasil quanto a essa política energética. Ao mesmo tempo em que há um crescimento da energia fotovoltaica e eólica, você também tem atitude e políticas de destruição do meio ambiente, de desmonte dos órgãos de controle e fiscalização, de desmatamento muito significativo na Amazonia, no Pantanal, invasões de terras indígenas, quilombolas, desrespeito a demarcações de terras. Vivenciamos um cenário em que é muito difícil implementar uma política que consiga ter força para imprimi-la de forma a conseguir transformar a realidade econômica do seu Estado separado do que está acontecendo no país.
SÓ SERGIPE – O que se vê no país são gestores administrando políticas de governo e não políticas de Estado. Isso só traz prejuízos para a população, não é?
FLÁVIA SANTANA – O ideal é que as políticas sejam de Estado, que perdurem ao longo do tempo, pois é isso que traz estabilidade e oportunidade de desenvolvimento econômico. Não é à toa que o serviço público tem características específicas que têm que ser preservadas. Essa questão da estabilidade dos servidores, através de concurso público, é importantíssima, pois ajuda a garantir que as políticas sejam de Estado. Se você tem uma máquina pública que é muito inflada por cargos comissionados e terceirizações, precariza o serviço público e perde a oportunidade de planejar e aplicar as políticas ao longo do tempo.
SÓ SERGIPE – Qual foi o comportamento dos preços da cesta básica de julho?
FLAVIA SANTANA – No caso de Aracaju, em julho ficou pelo 12º mês consecutivo como a de menor custo médio entre as 17 capitais pesquisadas. No entanto, a pesquisa aponta questões importantes para os residentes em Aracaju. No caso, a cesta de Aracaju ficou em R$ 542,50 e isso implica dizer que ela é estimada com base em 12 alimentos básicos para o sustento de um indivíduo no mês. O trabalhador consome quase 50% do valor do salário-mínimo para adquirir essa cesta. O Dieese pesquisa os alimentos mais fundamentais para sobrevivência. Ainda não se considera outros itens da manutenção do indivíduo, como o de higiene, transporte, moradia. De certa forma, nos aponta uma gravidade das dificuldades que as pessoas têm tido para sobreviver todo mês em Sergipe e no país.
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