Essas duas concepções de fome, que dão título a este texto, destacadas na obra “Educação e Desenvolvimento Social no Brasil” de Luís Antônio Cunha, pela Editora Francisco Alves, em 1977, continuam plenamente ativas. O autor nos apresenta apetite como desejo imediato de comer ativado pelos hormônios grelina e leptina, e subnutrição, aquela sentida ao longo do tempo, devido a pouca ou péssima condições de nutrientes necessários ao bom funcionamento do corpo humano. Portanto, ao longo da vida, a subnutrição enseja profundos e irreparáveis danos ao desempenho do corpo de cada pessoa. Na mesma obra, o estudioso prova que nenhuma escola perfeita consegue suprir aprendizagem escolar para igualar o desempenho com aqueles que não padeceram de subnutrição.
Em nosso planeta, apesar de países como Noruega, Suécia, Suíça, Islândia, Nova Zelândia, Canadá, Finlândia, Dinamarca, Holanda, Austrália serem exemplos de inexistência de miséria, milhões sofrem de fome subnutrição. Na África, Ásia, América Latina fome apetite e fome subnutrição grassam. No Brasil estima-se que mais 19 milhões de pessoas vivem em estado de extrema pobreza recebendo até R$ 246,00 por mês. Mais de 61 milhões vivem na pobreza, portanto, na miséria. Como as pessoas se sentem diante de banquetes recorrentes? Tangenciamos pelo individualismo? Nos contentamos com a prática de caridade, ou lutamos, também, em defesa da redução da desigualdade socioeconômica? Eis uma grande encruzilhada!
Escolhe-se tipos de pratos, repete-se, comenta-se sabores, locais etc. Deleites gustativos são inúmeros, porém, entre famintos não existem escolhas? Já não basta a busca nos lixões, agora se faz fila para encontrar comida em carros de lixo conforme imagens em Fortaleza trazidas pelo Fantástico de 24.10.21. No plano ambiental, com a justiça climática, procura-se defender pessoas prejudicadas pelas desigualdades, para que também não sejam injustiçadas pela crise climática. E a ação política pessoal e coletiva para onde encaminha? Manter ou reduzir as desigualdades? A caridade salva?
Domar a ostentação, compartilhar defesa política da redução da desigualdade socioeconômica, políticas públicas de distribuição de renda exigindo-se contrapartida, taxar grandes fortunas, são caminhos políticos, dentre outros, a serem considerados. Extremos violentam a sensibilidade. Desperdício de alimentos na produção, venda e consumo, torneira X seca, palácio X casebre, latifúndio X minifúndio, restos X banquete, classe alta X miséria, tudo pressupõe uma ação política fraterna de equilíbrio social. Afinal, todos pelo planeta que é de todos e para todos.
Entre fome apetite e fome subnutrição o subnutrido vive as duas, mas o bem nutrido poderá sentir apenas apetite. A diferença existencial é humanamente cruel, mas fácil de se resolver, depende da disposição de quem controla a economia mundial. Depende exclusivamente das pessoas.
Milenar e presente em livros sagrados, a gula consta como um dos pecados capitais. O espaço estomacal fica repleto, depois paga-se médicos e academias para reduzir peso e gorduras. Propõe-se a temperança. Outras pessoas fazem fila à procura de ossos para se alimentarem de filigranas de carnes. Nada contra banquetes, sempre existiram em momentos de celebração, contudo, seu oposto – a miséria – merece profunda reflexão. Dos extemos, que se busque o equilíbrio. Quando os extremos se encontrarem, que não seja no infinito, que o equilíbrio social, as condições de vida das populações, a redução das desigualdades logo estejam presentes no cardápio das civilizações. Que um coquetel ou um caldo saboroso de convivência humana harmoniosa se apresente imperativamente.
(*) Valtênio Paes de Oliveira é professor, advogado, especialista em educação, doutor em Ciências Jurídicas, autor de A LDBEN Comentada -Redes Editora, Derecho Educacional en el Mercosur- Editorial Dunken e Diálogos em 1970- J Andrade.
** Esse texto é de responsabilidade exclusiva do autor. Não reflete, necessariamente, a opinião do Só Sergipe.
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