Há dias que o via na porta da drogaria, próximo de casa. Precisei comprar medicamentos; estacionei, ele se aproximou, gentilmente pediu ajuda. Falei que na volta das compras lhe ajudaria. Feitas as compras, o vejo próximo ao carro, a esperar-me. Diz seu nome, tem 56 anos, aparenta mais de 70, fala que já trabalhou empregado, carteira assinada. Desempregado, desfez o casamento, foi morar com a mãe com Alzheimer, um irmão que nunca se deram bem, foi empurrado para rua; dorme em diferentes lugares do bairro. No início achou que era humilhação, as forças acabaram, foi ficando, se entregando, se acostumando. Final de tarde, esperaria pela sopa que um grupo de espíritas distribui nas noites em dias alternados. Pergunto onde faz a higiene pessoal, suas necessidades primárias, abaixa a cabeça, conta que nos banheiros dos postos de gasolina e em alguns supermercado nas cercanias.
Em uma viagem à Índia em 2016, percorri boa parte do enorme e exótico país asiático; na estada em Mumbai, antiga Bombaim, capital econômica do país, conheci um jovem de uma casta, que nasce na rua, vive a vida toda na rua, e morre na rua. O jovem é um dalits; na sociedade indiana, são os intocáveis ou párias, aqueles que estão no mais baixo ponto da pirâmide social. São considerados “a poeira sob os pés de Brahma”, entidade divina dos indianos. Os dalits são responsáveis por realizarem os trabalhos impuros para as demais castas, como a limpeza de excrementos, ou lidar com cadáveres.
Encontrei-o na saída do hotel no centro da barulhenta Mumbai; se aproximou com um olhar triste, balbuciou alguma coisa, que entendi que precisava de alguma ajuda, pois estendia a mão, linguagem universal. Acompanhou-me um pouco; em uma lanchonete próxima, entramos, sentamos, lhe paguei um lanche e soube um pouco sobre sua história. Tinha 32 anos, vivia nos arredores do aeroporto Maharashtra, na favela Dharavi, a maior da Ásia. Para os cinéfilos, foi na favela de Dharavi que filmaram algumas cenas de “Quem quer ser um milionário?”, do diretor Danny Boyle, ganhador do Oscar de Melhor filme e de melhor trilha sonora.
O jovem indiano falou da vida na rua: nunca dormiu numa cama, não fez refeições sentado à mesa, não sabe o que é um sanitário decente ou chuveiro.
A realidade do indiano é milenar, faz parte da cultura do país, tão diverso quanto exótico. Bem diferente da nossa realidade em que muitas pessoas estão sendo empurradas para as ruas das cidades brasileiras, deixando à mostra nossa desigualdade, escancarando nossa miséria. Em país rico como o Brasil, celeiro do mundo, um dos maiores produtores de proteína animal do planeta, exportamos para o mundo todo, não era para estarmos nessa situação.
O Brasil, de acordo com a Embrapa, é o maior produtor mundial de açúcar e café, o maior exportador de milho e o maior produtor de soja do mundo, responsável por 50% do mercado mundial desse grão.
É aviltante saber que 33 milhões de pessoas passam fome no país, segundo resultado de uma nova pesquisa sobre o tema divulgada na última quarta-feira, 08/06. Em 1993, eram 32 milhões de pessoas nessa situação, segundo dados semelhantes do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) —a população brasileira então era 35% menor que a de hoje.
O levantamento divulgado, chamado 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, foi feito pela Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e executado pelo Instituto Vox Populi.
A pesquisa mostrou que 6 a cada 10 brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar. São 125,2 milhões de pessoas nesta situação, o que representa um aumento de 7,2% desde 2020 e de 60% na comparação com 2018.
O 2º Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar aponta que o maior percentual de pessoas em insegurança grave ou fome era entre quem solicitou mas não recebeu o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso para o primeiro ano da pandemia (63%), seguido pelo grupo de quem sequer conseguiu solicitar o benefício (48,5%).
É vergonhoso, triste, decadente, cruel, inclemente vê o número de pessoas à margem da riqueza produzida por esse imenso país continental, abençoado por Deus e bonito por natureza, em que se plantando tudo dá, tendo que mendigar para sobreviver. Estamos criando a casta dos dalits no Brasil. A fome mata vidas e a dignidade de um país.
Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes. É autor do livro “Das muletas fiz asas”.
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