Por Thiago Santos (*)
Era manhã de terça-feira quando Paulo Cesar Santana, jornalista freelancer, sentou-se diante do computador em seu pequeno apartamento. Na xícara, o café ainda fumegava. Na tela, mais um projeto aguardava entrega. Ele revisava os últimos parágrafos de uma reportagem para uma revista digital enquanto alternava abas com briefings de outros clientes. Do outro lado da cidade, Katiane Castro abria as portas de sua ótica com a habitual checagem de estoque e um olho atento à equipe. Seus desafios eram outros — tributos, concorrência, metas, mas ambos compartilhavam algo em comum: a busca por autonomia.
Essa cena, repetida em diferentes versões por milhares de brasileiros, escancara uma realidade contemporânea. Em um mercado em constante transformação, onde o modelo tradicional de carreira já não satisfaz as aspirações da nova geração, surge uma pergunta essencial: vale mais a pena ser freelancer ou empreendedor?
Essa não é uma dúvida recente — mas nunca foi tão atual. De um lado, profissionais que comercializam suas habilidades de forma direta e flexível. Do outro, aqueles que constroem negócios, enfrentam riscos estruturais, mas vislumbram crescimento e legado. A escolha não é simples, e tampouco trivial. Envolve identidade, perfil de risco, e sobretudo, propósito.
O advogado e especialista em Direito Empresarial, Fabiano Guimarães, ajuda a desenhar essa fronteira: “O freelancer vende seu tempo e conhecimento em projetos pontuais. Já o empreendedor constrói algo que pode funcionar independentemente dele. Um se ancora na liberdade imediata, o outro na visão de longo prazo”.
A diferença, como aponta o especialista, também se revela no risco. O freelancer lida com instabilidade de contratos, ausência de benefícios e constante necessidade de atualização. O empreendedor, por sua vez, encara investimentos iniciais, gestão de pessoas, impostos e a responsabilidade de sustentar uma operação.
Contudo, ambos têm papéis cruciais na engrenagem econômica. O freelancer, com sua versatilidade e capacidade de adaptação, representa inovação sob demanda. Atua onde é necessário, de forma personalizada, conectando-se a um mercado ágil e segmentado. Já o empreendedor movimenta estruturas mais robustas. Gera empregos, fomenta a economia local, e se bem-sucedido, transforma ideias em soluções duradouras. “São modelos distintos, mas complementares”, reforça Fabiano. “Ambos sustentam o dinamismo do mercado, cada um ao seu modo.”
Paulo, por exemplo, reconhece os desafios da sua escolha. “O maior obstáculo é a renda instável. Não saber quanto vai entrar no mês seguinte exige disciplina, reservas e jogo de cintura.” Por isso, diversifica sua base de clientes e investe em sua formação constante — especialmente em áreas como SEO e copywriting. Ferramentas como Trello e Google Calendar viraram aliados. Já o isolamento, dribla com comunidades online e visitas regulares a espaços de coworking.
Na outra ponta da balança, Robert Luiz, fundador da startup Ponto Zero, enfrenta dilemas distintos. Além da burocracia, que considera “um dos maiores entraves do empreendedor brasileiro”, ele destaca a pressão de liderar. “Gestão de pessoas, escalabilidade e inovação constante. Não dá para relaxar. Mas ter um negócio que carrega minha identidade é o que me move todos os dias.”
O designer Erick Gouveia também vive os altos e baixos da jornada freelancer. “Liberdade de tempo e escolha de projetos são incríveis. Mas é cansativo estar sempre na linha de frente da prospecção. O esforço é dobrado para manter a renda estável.”
Katiane, da Óptica Castro, enxerga o empreendedorismo como um propósito que vai além do lucro. “Gerar empregos, desenvolver pessoas e manter um negócio saudável é um desafio constante. Mas a cada porta que abrimos, seja para um cliente ou para um novo fornecedor, estamos também construindo algo maior.”
Seja qual for o caminho escolhido, algumas práticas são universais para o sucesso. Freelancers precisam focar em especialização, posicionamento estratégico e domínio de ferramentas digitais. Empreendedores, por sua vez, devem começar enxuto, validar sua ideia, entender profundamente seu público e cultivar a resiliência como competência central.
No fim das contas, a decisão entre ser freelancer ou empreendedor está longe de ser apenas uma questão técnica. É um reflexo direto de como cada profissional encara o trabalho, a liberdade e o futuro. E talvez, o maior erro seja acreditar que existe uma resposta definitiva. O que existe, de fato, é o alinhamento entre perfil, ambição e momento de vida.
O mercado de trabalho não é mais um trilho único — é um mapa com múltiplas rotas. A pergunta não é apenas “qual caminho seguir?”, mas sim “qual trilha se alinha com aquilo que você quer construir?”
(*) Estagiário sob a coordenação do jornalista Antônio Carlos Garcia.
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