quinta-feira, 09/01/2025
Cidade de Nossa Senhora do Socorro Foto: Divulgação

Gestão administrativa versus política: o desafio de prefeitos

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Por Luciano Correia (*)

 

O ano de 2025 começou com novas administrações municipais em todo o país, inclusive naqueles em que os titulares foram reeleitos. Como disse o prefeito do Rio – e acredite quem quiser – a gestão que começa agora não tem nada a ver com a que se extinguiu em 2024. Mas não estamos aqui para inferir as falas do prefeito carioca, um globetroter que conseguiu a proeza de ser apoiado pelo PT e pela extrema direita, com pitadas de milicianos pra temperar a democracia da cidade maravilhosa. Cuidemos da vida, afinal. Melhor: cuidemos de nossas cidades, que é onde ficam nossos quintais, a escola dos nossos filhos e as calçadas pouco famosas onde as pessoas padecem e se acidentam por irresponsabilidade do poder público.

Do ponto de vista político, as eleições municipais foram uma tragédia para as esquerdas, com a maior vitória da direita e extrema direita de toda a história. É lamentável, porque na quadra histórica em que nos encontramos, uma vitória tão insofismável pode influenciar diretamente o pleito de 2026, onde nossa bruxuleante democracia será novamente posta à prova, com grande risco de retornarmos ao patamar de 2018. Mas antes de chorarmos espaços e conquistas perdidas, temos de olhar para dentro e fazermos um mergulho em nossas práticas e ideias, testá-las sob a luz do sol para saber se resistem ao debate público. Quais as razões dos fracassos eleitorais? Candidatos ruins, descolamento da realidade? Culpa do povo?

A terceira opção é a menos provável para explicar os insucessos, até porque não dá para trocar de povo. Talvez de ideias, pessoas, práticas etc. Ideologizar as explicações com análises simplistas também resolve. Quem sabe, talvez, pensar em gestão. Será que o povo é tão burro, ou haverá lógica nas suas escolhas? Um exemplo: ex-morador por cinco anos do Rio Grande do Sul, em São Leopoldo, ali nas franjas de Porto Alegre, torci pela vitória de Maria do Rosário na capital gaúcha. Ela foi subindo na reta final do primeiro turno e dava a impressão que vinha crescendo, o suficiente para derrotar o ultrabolsonarista Sebastião Melo no segundo turno. Ainda mais depois da incompetência e descaso revelados durante as enchentes que motivaram a pior tragédia da cidade em décadas. Mas os portoalegrenses disseram um retumbante SIM à sua gestão e o reelegeram para mais quatro anos. Sabe-se lá a explicação para uma coisa dessas. O certo mesmo é que as eleições, diferente do que dizem bolsonaristas dos quatro quadrantes, não foram roubadas.

Aqui em Sergipe temos um caso emblemático. Com máquinas nas mãos, uma deputada na Assembleia e dinheiro farto em caixa, a gestão de Nossa Senhora do Socorro, segundo maior colégio eleitoral do estado, foi veementemente rejeitada nas urnas, juntamente com sua candidata. Pode parecer surpresa, mas se análises rigorosas e honestas fossem coisas correntes nos grupos de jornalistas e comunicadores locais, tal derrota teria sido cantada de véspera. E nem daria muito trabalho, indo atrás de fatos, declarações do ex-prefeito e dos seus opositores. A maioria das conclusões poderiam ser tiradas de uma entrevista do prefeito eleito, Samuel Carvalho, à TV Sergipe.

O diagnóstico apresentado pelo novo prefeito é de destruição dos serviços públicos de uma cidade, a começar pela Saúde, onde uma pessoa tinha que esperar quatro ou cinco meses – ou mais, conforme o caso – para uma simples consulta médica. Depois, a via sacra dos exames. De todo quadro dantesco encontrado na bela e acolhedora Socorro, o mais grave, conforme o atual gestor, foi o da Educação, onde, dentre outras coisas, se gastava uma fábula por ano com os carros que atendiam o gabinete da então secretária. Eram carros para a titular, chefe de gabinete, secretárias e amigos da secretária que residem em Aracaju. Enquanto isso, os índices de escolaridade e alfabetização chafurdam em números vergonhosos, mesmo que secretários e assessores desfilassem semanalmente por Brasília e até São Paulo e Rio de Janeiro em busca de recursos. A questão dos carros talvez seja a contribuição mais concreta que a Educação dava à conta de dois milhões de reais gastos pela prefeitura só com carros para a elite privilegiada dos seus secretários e aspones.

Ex-servidores da prefeitura de Socorro demitidos nas gestões do ex-prefeito, ex-padre, acreditem, não recebiam as devidas indenizações. Parece mentira, em se tratando da administração pública no século 21, com órgãos fiscalizadores devidamente instalados e até um Ministério Público específico do trabalho. Com tudo isso, eles ignoraram solenemente as instâncias controladoras e seguiram sem pagar direitos até o último dia de mandato. Questionada certa vez sobre o desrespeito flagrante à lei, a secretária das muitas viagens e pouco resultados esquivou-se com uma pérola de cinismo: “Isso não é comigo, é lá com o gabinete do prefeito”.

O exemplo de Socorro pode ser estendido para dezenas de outros municípios sergipanos, mas fiquemos com este, que se situa nas bordas de nossa capital. Colocar o ingrediente político numa análise que procure explicar o resultado eleitoral no município, portanto, não ajuda numa avaliação que se pretenda isenta e correta. Em vez disso, melhor do que qualquer pesquisa encomendada, é bater na porta de um morador, de preferência da gente simples que habita Socorro, e perguntar: você gostou da administração passada? A resposta, não precisa repetir aqui, está nos boletins de apuração da eleição no município.

 

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Sobre Luciano Correia

Luciano Correia
Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

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