Cultura

Homenagem ao jornalista sergipano CARLOS LÚCIO MENEZES (1929 – 2020)

Compartilhe:

O Portal Só Sergipe presta uma homenagem ao jornalista sergipano, Carlos Lúcio Menezes, 91 anos, que morreu hoje, 1º  de agosto, em um  hospital, em Brasília, onde estava internado há alguns dias. Ele era tio da também jornalista de Célia  Menezes, premiada jornalista sergipana.  Em 1998, Carlos Lúcio, deu uma entrevista, publicada originalmente,  no site Chico Buarque, que republicamos  neste espaço. Além de jornalista,  Carlos era formado em  Relações Públicas e Pedagogia.  Curta, agora, a interessante entrevista.

Entrevista exclusiva com Carlos Lúcio Menezes

A ideia desta entrevista surgiu quando eu falava com um amigo sobre este site. Ele me disse que seu pai havia sido censor. Mesmo sem saber se ele tivera ou não alguma relação com as tesouradas na obra de Chico, pensei em entrevistá-lo. Surgiam dois problemas: um, se o Chico toparia. Ele topou. O outro, mais difícil no entender do meu parceiro Miltão, da CPC, era se Lúcio, o próprio censor toparia. Ele também topou e a entrevista foi feita no dia 2 de novembro de 1998, por telefone.

Carlos Lúcio Menezes, 69 anos, aposentou-se como censor em 1981. Casado, dois filhos, cinco netos, formou-se em Jornalismo, Relações Públicas e Pedagogia. Fez curso de extensão universitária em Cinema, na Universidade Católica de Minas Gerais e iniciou, mas não concluiu, o curso de Direito. Trabalhou na Assessoria de Imprensa dos presidentes da República Médici e Geisel.

Depois de ser entrevistado, Lúcio deu o seguinte depoimento:

“Esse trabalho que vocês estão fazendo é muito importante para que nossos filhos e também nossos netos, no futuro, possam conhecer a obra de um artista brilhante, de garra, e com muita personalidade.”

O editor

 CHICO BUARQUE – Antes de ser censor o que você fazia?

CARLOS LÚCIO – Eu era jornalista e radialista.

CB – Em qual jornal você trabalhava?

CL – No Rio de Janeiro, eu trabalhei no Jornal do Brasil. Depois fui para o Diário da Noite e Jornal. Também, trabalhei com a Rádio Tupi, do Rio.

CB – E você cobria que área?

CL – Geral, social e reportagens do dia-a-dia.

CB – E como você resolveu entrar para a censura? Existia um concurso?

CL – Aqui em Brasília, quando eu cheguei em 1960, fui trabalhar no Correio Brasiliense e na Rádio Nacional. Fazia cobertura dos ministérios, Câmara dos Deputados, praticamente tudo, porque eram poucos os jornalistas e as atividades de Brasília ainda estavam começando. Também trabalhei na Gazeta de São Paulo, da Fundação Cásper Líbero, na área de reportagens gerais, fazendo a cobertura, inclusive, do Congresso e da Câmara. E nesses contatos que eu mantive fui convidado para ter acesso à censura. Em Aracaju, trabalhei na Rádio Liberdade, onde eu fazia um programa de crítica de cinema. Eu via, examinava os filmes para fazer comentários para o público. Sempre gostei muito de cinema e gostei muito de teatro também. Inclusive, conheci a minha mulher em um teatro. Começamos a namorar fazendo teatro amador. Nos ensaios surgiu o namoro…

CB – Você lembra o nome da peça?

CL – Lembro. Os transviados, de Amarel Gurgel, também chamada A Trágica noite de natal. Inclusive, quando nós fomos levar os convites para o governador, o secretário perguntou como era o nome da peça. Nós éramos três. Eu, o diretor artístico e o responsável pelo elenco. Três para levar o convite, uma comissão.

CB – “Qual é o nome da peça?”

CL – “Os transviados.”

CB – “Os três?”

CL – “Não! Os TRANS.”

De modo que naquela época eu já tinha uma ligação com a parte artística. Trabalhei em rádio fazendo também rádio-novela, que naquela época era rádio-teatro, uma coisa muito incipiente na minha terra e ….

CB – Você disse que foi convidado a integrar a censura. Isso me leva a crer que não havia, então, concurso. Ou havia um concurso?

CL – Na época não havia concurso. A capital estava transferindo-se do Rio para Brasília.

CB – Desde que ano a censura prévia existiu, de maneira institucionalizada? Não vamos falar do velho DIP. Vamos falar do pós-revolução.

CL – Isso que eu ia dizer… Primeiro, ela surgiu com o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda – em 1929, 1930, com a chegada do Getúlio. Quando ele saiu e entrou a República, a democracia, então terminou a censura política dos jornais, pois naquela época não existia ainda a televisão, rádio era uma coisa muito difícil, mas tinha muitos espetáculos de teatro. Cinema também já estava surgindo com muita força. Aí criaram um serviço de censura de diversões públicas. Não era censura política. Era censura de diversões públicas.

CB – Isso foi em que ano, Lúcio?

CL – Em 1945. Em 44, 45, quando terminou o período do Estado Novo e aí surgiu o Serviço de Censura de Diversões Públicas, a missão era apenas classificar os espetáculos e, naturalmente, proibir algumas coisas que transgredissem uma legislação existente na época. Depois foi aperfeiçoada.

CB – A censura prévia, em que era obrigatório todo mundo mandar todos os textos antes, após a revolução de 64, foi institucionalizada quando?

CL – Bom, depois que nós fomos convidados (no grupo, tinha outros jornalistas, tinha até psicólogos, professores, pedagogos), fomos submetidos a um curso intensivo na Academia Nacional de Polícia, para podermos verificar a legislação e nos prepararmos para exercer a censura. Quer dizer, não éramos censores. Então, fomos convidados para exercer esse cargo, nos deram a legislação vigente e, em seguida, nos colocaram na Academia de Polícia para fazermos cursos. Aí foram vários cursos sucessivos. Durante o período que eu estive lá, sempre tinha cursos de reciclagem. A institucionalização veio, praticamente, nesta época da criação da censura aqui em Brasília. Fizemos uma coletânea da legislação e verificamos que havia necessidade de uma institucionalização para que ela pudesse ter o amparo da Constituição. Aí foi feita a lei, tranqüila…

CB – Em que ano foi isso, Lúcio?

CL – Isso aí já foi em 1960, aqui em Brasília. Aí nós começamos a trabalhar com base nessa legislação.

CB – Mas ainda não havia uma obrigatoriedade de se mandar tudo para o Serviço de Censura?

CL – Não, não.

CB – Eu pergunto, este fato, quando é que ele começou a acontecer?

CL – Daí em diante, na hora em que a censura foi criada, institucionalizada…

CB – Em 60?

CL – Aí é que começaram a vir para cá as peças de teatro para o exame do texto. Primeiro se examinava o texto. Depois de aprovado o texto, a peça era liberada com a classificação que a censura arbitrava e, em seguida, quando o elenco preparava o espetáculo, chamava a censura para verificar o ensaio geral. Este ensaio geral é que dava, praticamente, a liberação plena do espetáculo.

CB – Quer dizer que isso ocorria mesmo antes de 1964?

CL – Ah! Muito antes. Muito antes já existia isso. Já existia censura.

CB -E você ficou na censura até que ano? Me parece que você se aposentou na censura.

CL – Eu me aposentei na censura em 1981. Fiquei desde 1960 até 1981.

CB -Ainda hoje existe alguém que tenha esse cargo de censor, se é que ele existe e que esteja no Governo Federal?

CL – Com relação ao cargo de censor, ele foi extinto com a nova constituição, em 1988. E daí para cá o cargo ficou praticamente inexistente. Os censores que estavam nele foram convidados a fazer cursos de adaptação para outras carreiras dentro da repartição, pois não poderiam ficar sem fazer nada. Então, quem tinha curso de Direito foi fazer curso para delegado. Os que tinham curso de Relações Públicas, Pedagogia, Psicologia e outros cursos congêneres, foram levados para fazer o curso de perito criminal. Não existe mais o cargo de censor.

CB – Volto a perguntar. Em um determinado momento você foi convidado a integrar o serviço de censura. E depois você participou até da reformulação da lei da censura, pelo que eu entendi, no sentido de tentar institucionalizá-la, etc. Existia, depois dessa época, algum requisito para pessoa ser censor? Veio a existir concurso para censor?

CL – Primeiro, passou-se a exigir o curso superior, de nível universitário.

CB – Então deixa eu fazer mais um parênteses. O Augusto, que foi zagueiro na copa de 50…

CL – Exatamente. No dia em que o Brasil perdeu…

CB – Ele tinha curso superior? Porque ele era censor…

CL – Eu não sei, porque quando eu entrei na censura o Augusto já trabalhava no departamento, era secretário e controlava todo o expediente, todo o material, todo o trâmite processual das peças, dos filmes.

CB – Você sabe que num show com a Bethânia, acho que quando a letra de uma música do Chico chamada Tanto mar foi proibida, o Augusto é que foi proibir. Aí, dizem que o Chico falou: Porra, além de você perder a copa de 50, ainda vem me aporrinhar…

CL – Eu não sei se Augusto tinha curso superior. O que eu sei é que ele tinha muita vivência, muita experiência na censura, porque foi um dos elementos que participou da sua criação aqui em Brasília. Mas eu não sei o nível cultural dele. Nunca me preocupei em saber disso.

CB -Hoje em dia, é relativamente comum um jogador de futebol ter nível superior. O cara vai e faz Educação Física, faz alguma coisa… Eu também não sei. Vou tentar descobrir.

CL – O próprio Augusto poderá lhe dizer.

CB -Um censor – se tinha ou não esse nome não importa – depois que o cargo foi institucionalizado, ganhava bem? Dá para você lembrar mais ou menos, comparando com a média salarial?

CL – No início, ele era um funcionário praticamente como qualquer outro. Não tinha vantagem, não tinha regalia nenhuma. Era um funcionário do mesmo padrão de qualquer outro…

CB – A não ser a regalia dos Avant première… de poder ver os espetáculos em primeira mão.

CL – (risos) Ah! Aí era uma coisa que a pessoa ia trabalhar. Ia mesmo.

CB – Depois desse trabalho de institucionalização existia realmente um manual com regras muito claras, do tipo, “isso pode, aquilo não pode; a palavra tal pode, palavra tal não pode: pode-se citar fulano, não se pode citar fulano”. Eu volto a insistir, a gente está falando mais do período pós 66, que é o período que a gente abrange no site do Chico.

CL – O que existe é uma regulamentação básica. Agora, eu te pergunto: Você gosta de feijoada?

CB – Eu gosto. Muito.

CL – Qual tipo de feijoada? Baiana ou carioca?

CB – Aí você me apertou…

CL – É uma feijoada só. Agora a feijoada nordestina, de minha terra, por exemplo, é feita colocando dentro todos os ingredientes, maxixe, quiabo…

CB – É como em Santa Catarina. Em Santa Catarina é assim também.

CL – Já no Rio, não. O Rio cozinha o charque, a carne de sol, cozinha essas verduras fora do feijão. Não mistura. Quer dizer, é uma feijoada só. Isso depende muito do critério de cada pessoa. Existe a norma básica: Isso aqui é feijoada. Na hora da interpretação a pessoa tem que usar o bom senso e procurar ver se isso se enquadra dentro daquela regulamentação. Pra isso nós fazíamos cursos de reciclagem permanentes. E não era um só censor que examinava. Uma peça, um filme, passava geralmente por uma equipe, normalmente de três censores.

CB – Eu vou dar um exemplo com uma música do Chico. Lá pelas tantas a personagem fala “me agarrei nos teu cabelos, nos teus pêlos”. Num determinado momento a palavra pêlo foi proibida.

CL – Não me lembro disso.

CB – A música se chama Atrás da porta.

CL – É. Não me lembro disso.

CB – Isso aconteceu em 72 ou coisa que o valha. Existiam algumas outras palavras como pentelho, isso foi proibido. Proibições desse tipo eram da alçada do censor. Não estavam em regra básica?

CL – Especificamente essas palavras não existiam na regulamentação porque senão teríamos que fazer um dicionário, não é? É aquilo que eu disse. Vai do bom senso e do regionalismo. Se você chegar em Fortaleza e chamar um camarada de baitola, aí você apanha na rua. Aqui, não faz sentido nenhum. Mas baitola no Ceará é um xingamento muito pesado. Então isso vai da interpretação e do regionalismo. O Brasil é grande demais. O regionalismo, naquela época, era muito atuante. Hoje não. Hoje, o Brasil, praticamente, com os meios de comunicação já globalizados e com uma dinâmica muito grande, já se nivelou. Antigamente, uma menina, uma mocinha do interior lá de Minas, lá do Piauí, lá do Mato Grosso, não tinha a mesma vivência que uma carioca ou que uma paulista. Então, muitas vezes, ela se chocava com uma coisa que para a carioca e para a paulista era a coisa mais normal do mundo. Aí é que está: o maior problema da censura era a diversificação terrível que existia na cultura brasileira. Hoje, praticamente, tudo está igual. A novela aí transmitindo para o Brasil todo, modificou o comportamento cultural.

CB – Um dos episódios mais marcantes da censura em relação a obra teatral do Chico Buarque foi o caso da peça Calabar. Você tem alguma notícia disso? Participou? Soube? Saber, seguramente você soube disso, não é?

CL – Eu apenas ouvi comentários, mas não fui acionado para examinar, ou participar, ou dar algum palpite ou parecer sobre o Calabar.

CB – Parece que no Calabar, houve um desrespeito, segundo se lê nas diversas entrevistas sobre isso, um desrespeito às próprias regras da censura. Porque a peça passou por todos os rituais da censura, ou seja: manda o texto, discute, tira ali, corta aqui etc. A peça estava pronta para ser encenada e a censura não compareceu ao espetáculo destinado à apreciação…

CL – Era o ensaio geral.

CB – Ensaio Geral. Simplesmente não apareceu ninguém uma pessoa da censura avocou o texto para exame superior e a coisa morreu por aí. Só oito anos depois é que a peça foi liberada. Os produtores faliram etc. Então, até o próprio ritual da censura teria sido desrespeitado nessa altura, segundo o Chico, os diretores e os produtores. E ainda aconteceu um outro episódio: foi proibido divulgar a proibição.

CL – É… Sinceramente, disso não tenho noção, não tenho conhecimento sobre isso. De maneira alguma.

CB – Existia alguma espécie de marcação homem a homem? Por exemplo: fulano de tal marca o Caetano Veloso, ou se especializa nas letras de Caetano Veloso; fulano de tal se especializa nas letras do Chico Buarque, ou coisa que o valha?

CL – (ri muito) Isso é uma coisa folclórica porque é impossível fazer um negócio desses. Só quem não conheceu o volume de letras musicais, o volume de peças teatrais, o volume de filmes! Naquela época, inclusive, tinha aqueles jornais cinematográficos semanais. Porque o filme, pelo menos, tem maior durabilidade de projeção. Os jornais cinematográficos eram semanais. Só quem não conhece o volume de trabalho é que pode imaginar uma coisa dessas.

CB – Então, fazendo um gancho com volume de trabalho, o Chico deu uma entrevista para o Jô Soares, falando exatamente do volume de trabalho. Ele disse mais ou menos o seguinte: “O negócio tava meio feio e eu imaginava aqueles censores entupidos de trabalho, com a mesa cheia de coisas e eu já era um cara meio marcado. Então, se eu inventar um outro nome, as coisas passam.” Foi aí que ele inventou o tal do Julinho da Adelaide. Então, o pressuposto de Chico estava certo? Volume de trabalho tinha.

CL – Volume de trabalho tinha, realmente. Isso é inegável. Nós nos desdobrávamos e trabalhávamos muitas vezes sábado, domingo, feriado. Levávamos o material para casa para examinar. Enquanto todo mundo estava no clube ou na praia, nós estávamos lendo os textos, lendo as letras musicais para não deixar a coisa acumular. Porque na hora que um compositor, um artista, um autor, apresenta um material para censura, a nossa recomendação sempre foi, desde o início, agilizar ao máximo a sua liberação, ou a sua interdição, se fosse o caso, para que o autor pudesse tomar conhecimento o mais rápido possível. Nós julgávamos muito importante a liberação imediata do material que chegasse em nossas mãos. Cansei de trabalhar sábados, domingos e feriados. Minha família se divertindo e eu em casa trancado, trabalhando. Aliás, todos os nossos colegas.

CB – O episódio do Julinho da Adelaide ficou muito famoso. O Chico inventou aquele heterônimo, chegou até a dar entrevistas, e esse heterônimo teve três músicas aprovadas pela censura. Tempos depois, em 75, a coisa foi desmascarada e todo mundo sabia que era o Chico Buarque. Alguém deve “ter pago o mico” por conta disso dentro da censura. Ou não?

CL – Não sei. Nunca tinha ouvido falar.

CB – Esse Julinho da Adelaide fez três músicas. E era o Chico Buarque. E com isso ele conseguiu driblar, segundo ele, a censura. Lúcio, se alguém pergunta a qualquer pessoa se gosta do seu trabalho, a pessoa diz que tem hora que sim, tem hora que não. Tem prazer, tem desprazer. Quais teriam sido os seus prazeres e os seus desprazeres nessa função de censor?

CL – Eu tenho a creditar muitos mais prazeres do que desprazeres.

CB -Você pode exemplificar?

CL – A alegria. Eu trabalhava realmente com muito gosto. Me dedicava a fundo procurando desempenhar a minha função com o máximo de responsabilidade e procurando sempre humanizar aquilo que estava fazendo. Na hora em que me era dada uma missão para examinar ou censurar um espetáculo de televisão ou de rádio, ou peça teatral, ou letra musical, eu procurava ver naquilo apenas uma obra de arte. E não procurava… “bom eu vou ver isso aqui, se tem alguma coisa que eu possa cortar”. Não! Eu não examinava assim. Procurava ver o que tinha de bonito ali dentro do trabalho. Então, eu sempre tive muito mais prazer no meu trabalho do que desprazer.

CB – E o desprazer? Tem algum de que você se lembre especificamente? Você me contou, ontem, um episódio interessante, que eu gostaria que você repetisse e que é a história que aconteceu em Brasília.

CL – Por uma imposição da lei, a censura se via obrigada a dar toda cobertura não só à ECAD como à SBAT, SBACEM, a uma porção de siglas que existiam…

CB -As sociedades arrecadadoras de direitos, não é?

CL – Arrecadadoras dos direitos autorais. Eu reconheço a importância de uma entidade que possa fazer essa arrecadação para os artistas, para os compositores. Porque, afinal de contas, eles sobrevivem graças a essa arrecadação. Mas, às vezes, havia algumas divergências entre o meu modo de agir e o modo dessas sociedades. Porque eu não aceitava, por exemplo, que qualquer uma delas, fosse cobrar do Wagner, que ia apresentar lá um espetáculo, chegasse no local e dissesse: “Ah! É música mecânica? É. Muito bem, então a taxa vai ser 1, Ah! Não vai ser música mecânica, vai ter um camarada cantando. Bom, então nesse caso é música ao vivo. Então a taxa é 2. Ah! Mas ali, naquela prateleira, tem garrafa com bebida estrangeira. Então a taxa é 3.” Eu não podia admitir essa diversificação. Porque a música, para mim, ia ser apresentada e valia aquilo que… A sociedade arrecadadora deveria ter uma taxa única, no meu entender, para poder facilitar o trabalho de todo mundo. Do empresário, que fosse montar o espetáculo, do artista, que fosse cantar, e da censura, que fosse dar a cobertura à entidade arrecadadora. E essas taxas variáveis é que me davam alguma preocupação. Muitas vezes, eu tive bons relacionamentos com estas sociedades, mas tive muitas divergências na hora da cobrança de algumas taxas.

CB – E esse episódio de Brasília? Como é que foi? Eles queriam cobrar do Chico para ele poder cantar as próprias músicas. Queriam que o espetáculo fosse censurado, é isso?

CL – O Chico veio apresentar aqui um show na boate do Brasília Palace Hotel, que por sinal não existe mais, pegou fogo. E foi uma coisa louca, todo mundo interessado nesse show. E o empresário levou a programação lá para a censura para fazer a liberação:

– “O Chico vai cantar essas músicas que são da autoria dele.”

Muito bem. A entidade foi e arbitrou uma taxa. Mas depois ele quis aumentar a taxa. Eu disse:

Não! Espera aí. Vamos com calma. O rapaz vai cantar as músicas dele. E ele vai pagar para cantar as músicas dele?

Se vocês não interditarem, eu vou tomar outras providências. Vou representar contra (e nessa ocasião, eu estava como chefe da censura em Brasília). Eu vou representar contra a chefia da censura, que não deu cobertura.

Muito bem. Mas eu vou liberar o espetáculo.

E liberei. Assumi a responsabilidade. O Chico nem sabe disso.

CB -Mas vai saber.

CL – Assumi a responsabilidade e como a sociedade arrecadadora disse que iria tomar outras providências, eu fiquei com receio deles chegarem lá e quererem criar problemas com os músicos e empastelar o espetáculo do Chico. Aí eu peguei minha equipe e disse: “Vamos para lá e vamos ficar somente observando para que nada prejudique o espetáculo do Chico”. Aí nós fomos e ficamos espalhados em volta do recinto observando se iria haver alguma coisa que pudesse prejudicar o brilho do espetáculo. E graças a Deus, graças ao bom Deus, o pessoal cooperou. Viu que eu estava pelo menos com alguma razão, e não apareceu, não criou dificuldades. Porque eu sugeri a eles: “Vamos fazer o seguinte: Vocês mandam para lá um representante e todas as músicas que o Chico cantar, vocês anotam. Se ele cantar alguma que não seja dele, aí então vocês depois entram com uma petição na censura, que ela vai providenciar a cobrança dessas músicas junto ao seu empresário.” Graças a Deus tudo correu bem. O Chico cantou. Eu nem estive com ele. Não tive a oportunidade de estar, mas gostaria de ter estado com ele. Não queria que ele soubesse do que estava acontecendo. Queria que ele ficasse tranqüilo, porque o artista nessa hora precisa estar relaxado para se apresentar e não saber que existe a perspectiva de problema, pois aí ele entra preocupado para o espetáculo. Eu não queria dar preocupação nenhuma.

CB – Como é que você via, naquela época, e como é que você vê hoje a obra do Chico? Tem alguma música do Chico de que você goste e que você, de vez em quando, se surpreende assobiando por exemplo?

CL – Tem várias. Tem Carolina, tem A banda e outras que agora não me ocorrem. Mas eu gosto muito. Tem algumas que eu não gosto.

CB – Por exemplo….

CL – Ele como cantor, a mim não me agrada muito não. Agora como artista, como compositor, pela sua inteligência, pela suas imagens literárias nas músicas, eu gosto.

CB – Fala uma de que você não gosta. Você foi muito enfático quando falou “tem algumas que eu não gosto”. Então, essa você deve saber exemplificar…

CL – Geni.

CB – Geni?

CL – Inclusive, eu fiz o possível para liberá-la. O pessoal tava lá na dúvida eu disse: “Não! Vamos liberar essa música. Vamos liberar”. Depois o próprio Chico pediu para tirar, não foi?

(O Chico diz que isso nunca lhe passou pela cabeça. Nota do editor)

CB- (com cara de bobo, perplexo) Eu não sei. Posso até tentar descobrir… Mas onde que pegava a Geni? Era na palavra “bosta” ou no fato de ser uma narração de um homossexual?

“CL – Bosta na Geni”… Porque eu achava uma palavra muito grosseira para o tipo do Chico. O Chico não era desse tipo. Não, esse camarada, nessa hora não estava bem, não estava tranqüilo. Ele devia estar meio agitado, meio preocupado, meio zangado com alguma coisa para fazer isso. Inclusive, têm muitas senhoras Geni pelo mundo que podem se sentir magoadas com isso. E não deu outra.

CB – Deve ter causado um belo rebuliço.

CL – “Vamos liberar com essa palavra, mas vamos mesmo. É uma palavra assim inconveniente, não é palavrão, não é pornografia, não é nada. É uma palavra apenas deslocada de um texto artístico do nível de Chico Buarque. Mas já que ele colocou, vamos liberar. Eu achava que haveria uma reação do povo contra a censura.” E, de fato, houve. A censura foi muito criticada por ter liberado essa música.

CB -A censura recebia muitas cartas de gente pedindo para censurar isso ou aquilo?

CL – Muitas, muitas. Cartas, telefonemas, pedidos. Mas isso aí não chegava nem aos censores. A própria chefia procurava desviar, para não criar um clima de apreensão com o volume de cartas e reclamações.

CB – A pessoa que nos aproximou, que foi o Zé Carlos, me disse que você gostava muito do Glauber Rocha e, agora entre aspas, “pena que ele era subversivo”.

CL – Pena que ele era subversivo, não. O problema do Glauber Rocha é que ele era um excelente cineasta, era um camarada que tinha um desempenho muito bom, tinha uma carreira brilhante pela frente. Só que as idéias dele, quando chegavam a ser expostas, se confrontavam com a minha missão. Não era porque ele fosse subversivo. É que se confrontava. Eu tinha uma missão a cumprir, uma missão do governo. Uma missão que estava estabelecida por normas e por diretrizes governamentais. O problema é esse. Quando a gente ia ver alguma coisa do Glauber Rocha, tinha que examinar onde ele queria chegar. É como se você fosse do Flamengo e eu fosse do Botafogo e nós fôssemos jogar. Eu gosto do jogador Wagner, como tem muitos times que são adversários em campo, mas os próprios jogadores são amigos. Na hora de fazer gol, eles têm que fazer o gol mesmo. Contra o adversário, contra o amigo. Então, eu gostava do Glauber Rocha com a capacidade maravilhosa da sua cinematografia, mas, muitas vezes, eu tinha que desempenhar o meu papel: fazer o gol.

CB – Voltando um pouco à questão da censura de palavras, ao caso do “joga bosta na Geni”… Hoje, a coisa tá muito mais liberada. Você vê esses conjuntos todos aí, com um gestual muito mais insinuante, com palavras muito mais fortes etc. A minha pergunta é a seguinte: Qual é sua opinião? Deveria haver censura prévia hoje? Não deveria? A coisa tá muito liberal? Não tá? O tempo mudou e tem que ser assim? Como é que você vê isso hoje?

CL – Acho que deveria continuar a censura de diversões públicas, sem o aspecto político de censura a jornais, revistas, sem a censura política a imprensa.

CB – Censura classificatória.

CL – Censura classificatória. Acho que deveria existir porque há excesso de liberalidade. Acho que estão confundindo liberdade com libertinagem.

CB – Alguns episódios relacionados ao Chico, como invasão de teatro, eram coisa de grupos paramilitares. Óbvio que isso não tinha á nada a ver com o serviço de censura…

CL – Invasão de teatro?

CB – Invasão de teatro. Roda viva, aqui em São Paulo. O grupo paramilitar CCC invadiu o teatro, espancou atores etc. Isso, com o espetáculo liberado, pois o espetáculo só podia estar sendo encenado, se estivesse liberado. Sobre o episódio de Roda viva, você tem alguma informação?

CL – Não, não. Desconhecia esse detalhe.

CB – Não só aqui em São Paulo. No Rio Grande do Sul, o espetáculo estreou e não teve a segunda apresentação porque seqüestraram até atores.

CL – Mas não foi a censura, foi?

CB – Não… Obviamente… eu acredito que não. Eram grupos paramilitares mais ou menos comuns na época, o chamado CCC.

CL – Não… Isso foge totalmente ao meu conhecimento. Eu desconheço plenamente isso aí.

Texto reproduzido do site chicobuarque.com.br

*****************************************************************************

Rádio Sergipano

Depoimento de Carlos Lúcio Menezes ao Blog Mídia Depressa

O rádio surgiu em Sergipe em 1939, com a Rádio Aperipê, que depois passou a se chamar Rádio Difusora. Anos depois voltou a ser Rádio Aperipê. Em conversa com Carlos Lúcio Menezes, jornalista sergipano, hoje radicado em Brasília e que já militou no rádio da nossa terra, o mesmo falou-me, sobre a época em que trabalhava na rádio Aperipê, relatando dois fatos curiosos: em seu primeiro contato com a emissora, em 1942, no programa de calouros de Alfredo Gomes, com o Conjunto Regional de Carnera, Carlos Lúcio disse” Tentei cantar música ‘A Mulher do Leiteiro’. O gongo soou, quando entrei na segunda estrofe: ‘(…) e o leiteiro, coitado…’ Não tinha rítimo nem melodia. Foi o ‘To Te Ajeitando’ (um pobre vendedor de bilhetes de loteria), quem bateu o gongo, com toda a força. Naquele tempo existiam grandes cantores sergipanos: João Melo, Pedrinho, João Lopes e a cantora Guaracy Leite França, que destacava a música ‘Aracaju, Cidade que Papai Noel Ofereceu para Orgulho do Brasil’. Outro fato que aconteceu, por volta de 1950, quando eu atravessava o Rio Sergipe para a Barra dos Coqueiros, na última canoa. Lá, namorava Celina, até as 21 horas. Para retornar, fretava a pequena canoa ‘Cabo Oscar’. Eu tinha de estar na Rádio Difusora de Sergipe (Aperipê), PRJ-6, para apresentar o programa ‘Boa Noite Para Você’, das 22 horas a meia noite. Um dia, o mar agitado afundou a canoa, perto da margem de Aracaju. Nadei e cheguei na rádio encharcado. Como naquela hora nunca aparecia ninguém por lá, além do operador de som (chamavam de sonoplasta), resolvi por a roupa molhada para secar e fui usar o microfone do palco, que por sorte estava com a cortina fechada. A certa altura do programa, ouvi rumores no auditório e fiz sinal para executar a música anunciada. Fui até a cortina e abri um pedacinho para ver o que provoca aquele ruído. Vi, então, Augusto Luz (considerado o dono da rádio) e Cláudio Silva (Diretor Técnico), com dois casais que visitavam as instalações da rádio-emissora. Corri e me vestir a tempo de não ser surpreendido. Aliás, acho que a maior surpresa seria a deles, ao abrirem a cortina do palco e encontrarem o locutor completamente pelado, lendo poesias e dizendo frases românticas aos ouvintes altas horas da noite”. (Mídia Depressa).

Compartilhe:
Só Sergipe

Site de Notícias Levadas a Sério.

Posts Recentes

IronMan 70.3 movimenta turismo e impulsiona nome de Sergipe no cenário internacional

  A capital sergipana já está em ritmo de contagem regressiva para a realização do…

4 horas atrás

Os impactos dos problemas de comunicação nas empresas

  Por Diego da Costa (*)   ocê já parou para pensar que a maioria…

5 horas atrás

Governo divulga lista de beneficiários aprovados na CNH Social

O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado da Assistência Social, Inclusão e…

6 horas atrás

Conheça a vinícola Beni di Batasiolo e seus vinhos maravilhosos

  Por Sílvio Farias (*)   Vinícola fundada em 1978 com o nome de Fratelli…

7 horas atrás

João Ribeiro e Sílvio Romero: dois gigantes sergipanos e suas efemérides 

  Por Acácia Rios (*)   A rua é um fator de vida das cidades,…

8 horas atrás

Ironman: SMTT organiza operação de trânsito para garantir segurança e mobilidade durante o evento

  Com a realização do Ironman 70.3 Itaú BBA, a maior prova de triatlo da…

1 dia atrás