Por Léo Mittaraquis (*)
Ulisses, quando preso na caverna de Polifemo, cega-o, com estaca feita com madeira de pinheiro, tendo antes o embriagado e o adormecido com o vinho.
Elias Diaz Molano, escritor, pesquisador e historiador espanhol
Os deuses não têm o mesmo sangue que os homens – o deles se chama ‘ichor’. Não consomem nem vinho nem pão, mas sim néctar e ambrosia, termo que aliás significa “bebida da imortalidade”.
Pierre Vidal-Naquet, “O Mundo de Homero”
O vinho tem uma história que remonta a 3.000 a.C. e alguns pesquisadores acreditam que chega até 7.000 a.C. A presença de registros de vinho e pinturas murais de civilizações antigas vem desde os sumérios até os hititas. Acredita-se que o vinho tenha se originado na Ásia Menor. Com migrações e conquistas, as comunidades de tribos da Anatólia levaram o vinho com elas e a produção de vinho se espalhou para uma geografia mais ampla. O vinho era uma parte importante da vida diária no mundo antigo. Além disso, tornou-se uma importante mercadoria comercial naquela época.
Ou seja, vinho como bebida, como moeda e como parte das estratégias no cenário político.
Se comes, oh, Polifemo, tu bebes. E que seja, ao invés de leite, o vinho.
É voz corrente, todos os poucos que leem o sabem, quiçá mais alguns alhures, que cultivo com o maior cuidado meu espírito ocidental. Sou, com gratidão, com emoção, tomado pelo “thauma” permanente, vale dizer, pela resposta estética, diante das maravilhas do mundo ao oeste do globo, do período arcaico ao início do período helenístico. Apresento-me, com muito gosto, como homérida, como um modesto rapsodo, como, indubitavelmente, filho da Tradição Ocidental.
Homero, suas obras; o vinho, suas tremendas possibilidades… Nada mais ocidental do que essas referências. De ambos, tudo o mais procedeu.
Homero é, em certo sentido, o pai de toda a literatura ocidental. Seus épicos formaram a base da cultura grega educada por centenas de anos durante seu período clássico. O material de seus épicos formou a base da maior parte das tragédias gregas que foram produzidas durante o ponto alto de sua realização cultural. Não podemos imaginar um Virgílio, um Dante, um Milton, Thomas Mann, um Hermann Broch, um James Joyce, um Goethe, sem os ombros homéricos em que se apoiam.
A lista é bem mais longa, citei os próceres acima apenas a título de exemplo.
Em “A Ilíada” lemos: “Tendo assim, pois, a vontade da fome e da sede saciado/té pelas bordas escravos as taças encheram de vinho/distribuindo por todos os copos as sacras primícias/Por todo o resto do dia, depois, para o deus aplacarem/o canto em honra a Apolo entoaram os moços argivos/a celebrar o frecheiro: escutando-os, o deus se alegrava”.
Em tempo: “té”, no segundo verso, é “até” sob efeito de aférese, vale dizer, supressão de um fonema pertencente à palavra. No caso acima, com o fito de manter o ritmo.
Significativa, a percepção quanto ao vinho mantida pelos gregos da denominada “era homérica”: tanto na Ilíada como na Odisseia, além das (menos conhecidas) poesias arcaicas, há evidências do relacionamento entre os indivíduos e a cultura desta bebida.
Sem dúvidas, entre os gregos, era a bebida preferida.
Produzido no local onde se consumia ou importado, o vinho era, e ainda é, na Europa, considerado um alimento básico da dieta diária.
Decerto que não logro, aqui, sequer roçar a grandiosidade das obras citadas. Contudo, penso ter exercitado algo como indicações de leitura, pelo menos para aqueles que nutrem algum interesse pelos clássicos e pelos bons vinhos.
Ler bem e beber bem; ler e beber o que, de fato, é bom, não faz mal a ninguém.
Santé!
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