A pandemia da Covid-19, que tantos prejuízos tem causado à humanidade, provocou em Sergipe a retração na doação de córneas. É o que alerta o médico oftalmologista Aírton Machado Teles Barreto, diretor do Instituto da Visão de Sergipe e do Núcleo da Laser e Cirurgia Ocular. “A pandemia restringiu muito a parte de doação de córnea”, afirmou o médico, por conta da experiência de ser um dos profissionais sergipanos, junto com a esposa – também oftalmologista, Andréa Pinheiro -, que faz esse tipo de transplante.
“Houve uma queda assustadora no número de transplantes, de mais ou menos 70%”, alertou Aírton Teles ao destacar que, recentemente, foram feitas atividades em Aracaju destacando a necessidade de as pessoas serem doadoras de córnea. Na pandemia, pessoas que sofreram acidentes foram internadas, lá contraíram a Covid-19, morreram e, por conta da contaminação, não podiam ser mais doadoras. Hoje, em Sergipe, 340 pessoas estão na fila de transplante. Antes da pandemia, o tempo de espera era de seis meses, mas atualmente é de dois anos e meio, daí a importância da conscientização para a doação.
Mas não foram somente os transplantes afetados nesse período pandêmico. Com medo de serem contaminados pela Covid-19, os pacientes deixaram de ir aos consultórios e aqueles que tinham problemas, quando retornaram, os exames mostraram que a doença evoluiu. “Tem também aqueles pacientes que não sabem que estão desenvolvendo o glaucoma e que não estão indo ao médico para medir a pressão intraocular para saber se essa pressão está elevada e se tem alteração em nível de fundo de olho, em nível do nervo ótico”, destacou Aírton Teles.
Um outro alerta do médico, que comemora o seu dia amanhã, 18, é sobre o uso de computadores, smartphones e tablets, que emitem uma luz azul prejudicial à visão. “Acredita-se que em 2050 metade da população mundial vai se tornar míope, por conta do uso dos dispositivos digitais. Hoje, em torno de 28% a 30% da população é míope, esse percentual irá chegar a 50% e com uma tendência crescente”, disse Aírton que também dá dicas importantes para que as pessoas não entrem nessa previsão.
Quer saber quais são essa orientações? Recomendo a leitura da entrevista com Aírton Teles, com 28 anos de experiência como oftalmologista, com mestrado em Oftalmologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), título de especialista em Oftalmologia pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia e Felowship em Córnea pelo Bascom Palmer Eye Institute na Universidade de Miami.
Ele sabe o que diz. Leia.
SÓ SERGIPE – No início da pandemia, as pessoas deixaram de ir aos consultórios e aos hospitais com medo de serem infectadas com a Covid-19. O senhor percebeu isso no seu dia a dia de oftalmologista?
AÍRTON TELES – Sim, houve uma retração. E a preocupação maior nossa foi com os pacientes com glaucoma que ficaram sem acompanhamento para vermos se a medicação estava tendo efeito desejado ou se havia necessidade de trocá-la. E os pacientes que, às vezes, nem sabem que estão desenvolvendo o glaucoma e que não estão indo ao médico para medir a pressão intraocular para saber se essa pressão está elevada e se tem alteração em nível de fundo de olho, em nível do nervo ótico. Muitos pacientes têm retinopatia diabética, ou seja, o diabetes causa na retina – no fundo olho – pequenos sangramentos, áreas de diminuição de fluxo sanguíneo, pois o diabetes começa a obstruir os vasos sanguíneos e, com isso, a pessoa passa a ter diminuição do fluxo sanguíneo nas células da retina. Daí o paciente tem hemorragias, áreas onde há perda das células fotorreceptoras, que são os cones e bastonetes, responsáveis pela captura das imagens. Então, realmente, esses pacientes quando nos procuram após um ano e oito meses de pandemia, eles estão retornando com os quadros agravados. Às vezes é um paciente idoso que não nos procura com medo ou, quando quer vir ao consultório, os filhos ficam com receio que ele possa se contaminar.
SÓ SERGIPE – O senhor é um dos profissionais que faz transplante de córnea. Em função da pandemia os transplantes deixaram de ser feitos?
AÍRTON TELES – Um grande problema agora é que a pandemia restringiu muito a parte de doação de córnea. O paciente doador de córnea que, às vezes, vítima de um acidente, foi para os hospitais gerais que estavam entupidos de gente com a Covid e muitos deles quando eram internados acabavam adquirindo a Covid, quando morriam não podíamos utilizar essas córneas. Houve uma queda assustadora no número de transplantes, de mais ou menos 70%. A fila de espera é de dois anos e meio. Hoje em Aracaju são sete ou oito médicos que transplantam córneas, destes somos eu e minha esposa Andréa. O mês passado (setembro) foi o de campanha de doação de córnea, inclusive com ações para estimular as pessoas a doarem. Lembrar que, depois que a pessoa falece, o único órgão que pode ser captado, até seis horas após a morte, são as córneas. E cada paciente que doa as duas córneas, vai ajudar duas pessoas. Isso ajuda bastante para a diminuição da lista de espera. Se no Brasil houvesse um excesso de córneas, como tem nos Estados Unidos, onde todos são doadores, o paciente não levaria mais de dois meses na fila de espera.
SÓ SERGIPE – Eu li que a Distrofia de Fuchs é uma doença rara que leva o paciente ao transplante. Há casos aqui?
AÍRTON TELES – A Distrofia de Fuchs é uma das maiores causas que nós temos para o transplante de córnea. As outras causas são o ceratocone e ceratopatia boiosa. Nós temos aqui vários transplantes realizados. Fiz um transplante de uma paciente de Distrofia de Fuchs há três semanas.
SÓ SERGIPE – A catarata é uma doença comum?
AÍRTON TELES – Todas as pessoas vão ter catarata, principalmente a partir dos 60, 65 anos, e vão precisar operar. É uma característica do ser humano. Tem pessoas que operam já aos 60, outras só vão operar aos 80, isso é uma característica de cada pessoa. As pessoas que têm diabetes operam mais cedo, pois essa doença acelera a evolução da catarata e aquelas que têm qualidade de vida, só vão operar com idade mais avançada. Este ano, em maio, operei uma colega minha de turma, e há alguns anos outro colega de turma, que tinha 43 anos. Não é comum, mas há casos que aparecem mais cedo. A catarata pode até ser congênita. A criança pode nascer com a doença, desenvolvê-la na fase juvenil, mas a mais comum é a senil.
SÓ SERGIPE – Por conta da pandemia, muitas pessoas passaram a trabalhar em casa, estudantes têm aula online. O uso do computador, smartphone e tablets podem causar problemas na visão? Quais cuidados?
AÍRTON TELES – O computador e o celular se tornaram ferramentas de trabalho e de estudo. Primeiro, a pessoa tem que ir a um oftalmologista fazer um exame completo para ele detectar se há necessidade de óculos. E, ao passar os óculos no grau que a pessoa necessita, colocar também o antirreflexo que serve como filtro para a luz azul emitido pela telas de LED. Existe uma faixa de luz azul que é danosa à retina e causa o envelhecimento precoce. O segundo passo: para a pessoa que precisa trabalhar em home-office por oito horas ou seis horas corridas, ela tem que dar um intervalo a cada uma hora e meia de 20 minutos e se levantar da cadeira, beber água, comer uma fruta, ir à janela e olhar para fora. O olhar no horizonte, para longe, é que relaxa a musculatura do olho. Depois volta. Dessa forma, a pessoa evita a fadiga, não só do olho, mas ajuda a coluna, as pernas, com relação à circulação sanguínea, e deve alongar um pouco. A pessoa vai mexer como todo o corpo e não só com a visão. É preciso lubrificar os olhos durante o uso do computador. Em casa e nas repartições, a pessoa trabalhando com ar condicionado ligado e usando o computador, os olhos tendem a ressecar. O ar condicionado tira a umidade do ar e o computador resseca porque quando fazemos algo que exige nossa atenção piscamos menos. Lembra do ditado: ‘está prestando tanta atenção que nem pisca’? Ao piscar menos, temos o ressecamento. E ao final do dia, dá a impressão que os olhos ficam embaçados e podem ficar irritados. Lubrificar com colírio a cada duas horas já ajuda e também beber água. Vamos ter uma hidratação endógena, ou seja, os líquidos que bebemos, que pode ser água, suco ou água de coco; a exógena, que seria a lubrificação com colírios artificiais.
SÓ SERGIPE – Li, recentemente, que as pessoas no Japão poderão ter problemas de visão no futuro, justamente por ficarem conectadas o tempo inteiro numa tela de smartphone, computador e tablet.
AÍRTON TELES – Isso é no mundo. Acredita-se que em 2050 metade da população mundial vai se tornar míope, por conta do uso dos dispositivos digitais. Hoje, em torno de 28% a 30% da população é míope, esse percentual irá chegar a 50% e com uma tendência crescente. Quanto mais jovem mais tem risco e aumento dessa miopia. A miopia nas pessoas costuma aumentar até os 21 anos, por isso é que a partir desta idade é que operamos a pessoa, porque terminou o crescimento corporal e a miopia tende a estacionar. Só que com os dispositivos digitais há uma tendência de ocorrer um aumento da miopia. Hipoteticamente, se a pessoa ia ter três a quatro graus de miopia, com o uso destes dispositivos irá para cinco ou seis graus. E se tiver história familiar, aí é que a chance de aumentar é maior.
SÓ SERGIPE – Qual a idade ideal para que os pais levem o filho ao oftalmologista?
AÍRTON TELES – No primeiro mês de vida, o bebê faz o teste do olhinho e se descobre se a criança nasceu com glaucoma congênita ou catarata congênita. Se a criança for prematura pode ter um descolamento de retina. Se a criança desenvolveu bem, o ideal é que seja levada ao oftalmologista numa fase em que ela possa colaborar, geralmente aos três a quatro anos de idade. Porém, se com um ou dois anos os pais observarem que a criança tem estrabismo, deve levar ao médico o mais rápido possível. A partir de três a quatro anos de idade, a criança faz uma revisão anual, principalmente porque nessa idade ela entra na escolinha e começa a estudar. A partir da idade adulta, o paciente pode fazer a revisão entre um ano e um ano e meio, principalmente, após os 21 anos quando o grau estabilizou. E depois dos 40 anos, vem a presbiopia, que é a vista cansada, e é necessário que se atualize o grau de perto.
SÓ SERGIPE – Mas existem outros casos, que o médico recomenda uma visita num curto espaço de tempo, não é?
AÍRTON TELES – Sim. Por exemplo, com pacientes que têm ceratocone, que é uma doença que começa por volta dos 12 anos e que pode evoluir até para transplante de córnea. Nesses casos, muitas vezes, fazemos análise do paciente a cada três meses ou a cada seis meses, pois, hoje, existe tratamento para conter a evolução.
SÓ SERGIPE – E sobre doenças raras, temos casos aqui em Sergipe ?
AÍRTON TELES – As doenças mais raras que cuido são, justamente, as relacionadas à córnea, que são a distrofia e degeneração. Dentre elas, temos a Distrofia de Fuchs, o ceratocone, que é uma distrofia de córnea. E vamos identificando que o número de casos começa a aumentar, não obrigatoriamente porque a patologia está aumentando na população, mas, na verdade, porque começamos a buscar mais e temos aparelhos que nos permitem melhor avaliação e precisão no exame. Então, com a modernização dos aparelhos, estamos conseguindo diagnosticar casos que antes ficavam ocultos. É como a ressonância que permite identificar tumores bem iniciais. Quanto mais cedo detectado, mais fácil o tratamento.
SÓ SERGIPE – Qual o cuidado na hora da escolha do médico para verificar como está a visão?
AÍRTON TELES -Destaco que os exames devem ser feitos por médicos que tiveram uma formação em oftalmologia. O curso de Medicina hoje leva seis anos, a residência médica mais três e a especialização em uma área, como córnea, glaucoma, retina, leva mais três anos. Então hoje, para um médico oftalmologista começar a trabalhar são 12 anos de estudo. Ele precisou dessa formação para ter uma visão geral. Primeiro como médico clínico, depois como oftalmologista. Hoje, infelizmente, há pessoas no centro da cidade e nos bairros mais distantes fazendo exame oftalmológico sem ser médico. Existem donos de ótica, sem formação nenhuma, que passam os óculos de forma simples e a pessoa que faz um exame com alguém não qualificado, deixa de ser diagnosticada com uma lesão de glaucoma, lesão de diabetes, lesão de pressão alta, se tem alguma doença rar,a e isso só o médico tem capacidade e aparelhagem para detectar. Reforço que o exame correto deve ser feito por um médico e não por uma pessoa técnica.
SÓ SERGIPE – As pessoas só devem comprar óculos em lojas especializadas e não nos camelôs, não é?
AÍRTON TELES – Sim. No calçadão vendem os óculos escuros falsificados que não têm a proteção ultravioleta. E para os dispositivos digitais são os tratamentos antirreflexos que protegem contra a luz azul emitida pelas telas de LED.
SÓ SERGIPE – Fazendo só uma comparação, da mesma forma que as pessoas precisam passar protetor solar na pele, existe o protetor solar para os olhos que são os óculos corretos.
AÍRTON TELES – A comparação é perfeita. Imagine você comprar um protetor solar que, na verdade, é um leite de aveia? Não é um filtro solar, é apenas um hidratante. Deve-se comprar lentes com proteção ultravioleta.