Emerson Sousa (*)
Em seu 202º ano de Independência, o Brasil ainda carece de liberdade.
A liberdade para ter autonomia sobre sua estrutura e política econômicas.
A liberdade para poder organizar seu circuito produtivo da forma que melhor lhe aprouver.
A liberdade de poder agir como um país do BRICS.
HOUVE MÃO MAIS PODEROSA…
O BRICS, como você bem sabe, é o grupo geoeconômico e geopolítico formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
No ano de 2022, o bloco totalizou um Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de US$ 25.9 trilhões (“com T de tapioca”, mesmo).
Esse montante é ligeiramente maior do que o dos EUA, que agregaram outros US$ 25.5 trilhões.
Com uma população de 3,25 bilhões de pessoas – quatro vezes o somatório dos países do G7 – o BRICS possui um PIB per capita de US$ 9.2 mil em valores correntes de 2022, abaixo da média mundial (US$ 12.7 mil).
Seus níveis de Reservas Internacionais estão em US$ 4.5 trilhões, um volume 16 vezes maior do que o da União Europeia.
Vale também registrar que, desde que o primeiro hominídeo desceu das árvores, apenas quatro nações pousaram objetos artificiais em solo lunar e, desses, três fazem parte do BRICS: Rússia, China e Índia.
Isso não é pouco e diz muito sobre esse concerto geopolítico.
No entanto, o Brasil é o único do quinteto que não tem a mesma autonomia para gerir a sua própria política econômica nos parâmetros detidos pelos demais.
LONGE VÁ, TEMOR SERVIL…
No plano macroeconômico internacional, os BRICS também se destacam por conta da sua dita heterodoxia em termos de planejamento e execução de suas políticas econômicas.
Com a existência de controles de capitais, de políticas comerciais agressivas, de iniciativas de protecionismo, de câmbio e juros na rédea curta, de intermitente promoção de orçamentos deficitários, de políticas industriais ostensivas e exuberantes – criando, incentivando e subsidiando fortemente seus “campeões nacionais” – e de amplos investimentos em obras de infraestruturas em países estrangeiros, além de não estabelecerem fortes compromissos com os ditames do sistema financeiro internacional, dentre outras medidas, China, Índia, Rússia e África do Sul, em graus diversos, meio que têm a “sorte” de sambar na cara da ortodoxia econômica.
Só a “bailarina” do Brasil que não tem.
ZOMBOU DELES O BRASIL… (#sqn)
Um exemplo ilustrativo de tudo isso, pode ser visto na relação entre Inflação e Taxa de Juros no âmbito de cada um desses países.
Na China, de acordo com dados divulgados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a Inflação de fim de período, prevista para 2023, é de 3,20% anuais. No entanto, a Taxa Básica de Juros chinesa é de 3,45% ao ano, segundo o Banco Popular da China, resultando – num cálculo apressado – numa taxa de juros real de 0,25% a.a.
Na Índia, a Taxa Básica está em 6,50% a.a., de acordo com o The Reserve Bank of India, para uma economia cuja Inflação esperada é 4,50% no ano de 2023. Ou seja, a maior economia do subcontinente indiano detém uma taxa de juros real de 2,00% ao ano.
Já na até aqui beligerante Federação Russa, a taxa de juros real pode ser dimensionada em 5,80% anuais, uma vez que sua Inflação esperada é de 6,20% até dezembro deste ano e a sua Taxa Básica está em 12,00%.
Por fim, na África do Sul, com uma expectativa de Inflação de 5,30% anuais e uma Taxa Básica de 8,25% a.a., os juros reais ficariam estimados em 2,95% ao ano, para 2023.
Enquanto isso, no Brasil: Taxa Básica de Juros de 13,25% a.a., menos uma Inflação prevista de 5,40% a.a., igual a taxa de juros real de 7,85% ao ano!
Percebe?
No Brasil, em termos de taxas de juros reais, há 1,4 Federações Russas, 2,7 Áfricas do Sul, 3,9 Índias e 31,4 Chinas!!
Não, não é erro de digitação, é isso mesmo o que você leu.
Logo, torna-se óbvio que os demais membros do BRICS não permitem um Bob Fields, The Kid, conduzindo as suas respectivas políticas monetárias.
Esse mosaico, talvez, nos dê pistas para entender o porquê de, neste século, o PIB per capita brasileiro ter crescido a uma taxa média de 1,3% ao ano, enquanto a Rússia o fez em 3,2%, a Índia em 4,8% e a China em 7,9%.
Nesse quesito, tão somente a África do Sul, com um crescimento de 1,1% anuais, perde para o Brasil.
Entretanto, o “7 x 1” vem, mesmo, no tópico PIB por Pessoa Empregada, que pode ser interpretado como uma medida geral de produtividade do trabalho.
Nos últimos 22 anos, o Brasil observou esse indicador evoluir a uma taxa de 0,7% ao ano.
Todavia, na África do Sul, ele cresceu a uma velocidade de 1,6% ao ano. Na Rússia, o incremento anual foi de 2,9%, ao passo em que, na Índia, esse se deu em torno 4,7% anuais.
Agora, na China, a produtividade do trabalho explodiu com uma taxa de crescimento de impressionantes 8,2% ao ano.
OS GRILHÕES QUE NOS FORJAVA…
Na visão deste irresignado digitante, uma das possíveis causas desse “atraso do Brasil” pode estar na evolução institucional criada no país, desde a Redemocratização, por conta do combate ao processo inflacionário herdado da Ditadura Militar.
Principalmente após 1990, quando da ascensão de Fernando Collor de Mello à Presidência da República, o país passou a adotar uma política econômica de contenção da Inflação em bases de controle da demanda agregada, o que afetava o nível de atividade econômica, por vezes, gerando Desemprego e Estagnação.
Grosso modo, controlando as possibilidades de consumo das famílias, investimento das empresas e os gastos dos governos, esperava-se que a Inflação fosse derrubada.
No segundo semestre de 1994, com a chegada do Real, esse objetivo foi alcançado.
Todavia, os planejadores econômicos dos governos que se sucederam desde então, acharam que precisavam garrotear os impulsos das famílias consumirem, das empresas investirem e dos governos gastarem, se o Brasil quisesse manter a Inflação controlada.
Logo, sucessivas medidas tais como altas taxas de juros reais, redução das possibilidades dos entes públicos se endividarem, controle draconiano das contas públicas, restrição a investimentos públicos e privados, teratológica abertura comercial, arrochos salariais, dentre outras, passaram a ser utilizadas para refrear as pressões inflacionárias.
Em níveis e modos bastante diversos, de FHC a Bolsonaro, a ideologia vigente de restrição ao crescimento econômico foi a mesma.
É nesse contexto que se deixou o câmbio flutuar e se criou a Lei de Responsabilidade Fiscal, a adoção de Metas de Inflação, a Lei das Estatais, a busca desarrazoada por Superávits Primários, o Teto de Gastos e, mais recentemente, o Arcabouço Fiscal.
Esses são dispositivos que, muito dificilmente, você iria achar nos demais países do BRICS. Não da forma como se testemunha no Brasil.
E essa lógica ficou tão enraizada em nossa cultura político-econômica que, em 5 de março de 2013, o atual presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o economista israelense-brasileiro Ilan Goldfajn foi para Imprensa, por meio de um artigo em O Globo, propor o aumento do Desemprego para se reduzir a Inflação!
A sua ideia era a de que os “… investimentos levariam, ao longo do tempo, a aumentos de produtividade que permitiriam a adequação da economia aos salários atuais (e ao forte mercado de trabalho)”.
Sim, é sempre aquela história de “no longo prazo…”.
De todo modo, 1.161 dias após esse escrito, ele assumiu a Presidência do Banco Central do Brasil, e assim ficou os dois anos do consulado de Michel Temer.
Especulemos: isso seria facilmente passível de ocorrer na Índia, na China, na África do Sul ou na Federação Russa?
Então, se a sua resposta a esse questionamento foi algo próximo a “Não!”, decerto não é de todo errado conjecturar que uma das causas de nosso pequeno crescimento ao longo deste século, quando em comparação aos outros BRICS, pode ter sua gênese nesse jacobinismo fiscal adotado por nossos políticos e planejadores econômicos, desde a década de 1990.
OU FICAR A PÁTRIA LIVRE…
Logo, será que já não está na hora de se afrouxar as amarras que atravancam as nossas veredas?
Afinal, há três décadas o Brasil sustenta o empenho de combater a Inflação com o uso de altas taxas de Desemprego e baixos volumes de Crescimento do Produto.
Isso não é, nem de longe, algo razoável e nem, muito menos, humanista.
Assim, torna-se necessário que lhe seja permitido reformular seus pactos políticos para que a nossa Administração Política passe a ser pautada por mecanismos de inclusão social e desenvolvimento.
Salta aos olhos que esse jacobinismo fiscal, calcado nas políticas de austeridade, já deu o que tinha de dar (se é que, em algum momento, ele chegou a ser efetivo).
Enquanto esses argumentos forem – a ferro, fogo e Medidas Provisórias – tomados como válidos, nós nunca conseguiremos evoluir para o estágio de nação solidária.
E, talvez, esteja na trajetória recente de Rússia, China, África do Sul e Índia a cifra para esse itinerário.
Claro que esses povos possuem enormes problemas e falhas, mas, de alguma forma, eles mostram uma alternativa ao peso atualmente representado pelos países do Norte Global, que nunca nos viram como a um igual.
Dessa forma, nós devemos ter a autonomia de identificar o que há de positivo nessas experiências e transportá-las para a nossa realidade.
Em suma, o Brasil precisa ter a liberdade para agir como um BRICS.