No adiantado da hora de sábado, ele me liga por chamada de vídeo, e com uma taça de vinho na mão me parabenizou por uma mensagem que lhe havia enviado. A mensagem era da livraria AMEI, onde dias antes havia lançado o livro “Das muletas fiz asas”, comunicava que o livro estava em primeiro lugar em vendas no mês de junho. Como é bom ser prestigiado, ter o carinho e o respeito dos amigos. Ele já havia lançado o livro “Fogueira aquática” no mesmo local. Agora queria falar, desabafar, perguntou se eu não iria tomar uma taça de vinho para acompanhá-lo. Disse que não, havia positivado para a Covid, ao que ele riu e me disse: “Deixa de tolice, já tive Covid e curei com vinho”.
Falamos de outras coisas, até ele falar da filha Tamires, em tratamento de um câncer. Disse que havia saído com ela do hospital na tarde daquele dia, chorou.
“Não aguento ver tamanho sofrimento em uma pessoa que amo tanto”.
Falou da luta que a filha travava contra o mal que consumia seu corpo, chorou novamente. Eu, falante, emudeci, só ouvia. Falou da dor de um pai acompanhar o sofrimento dilacerante de sua menina. Disse que tinha fé, que iria vê-la criar os dois filhos, que ela iria casar os filhos, assim como ele que passou por um doloroso problema de saúde; se recuperou e levou ao altar para casar suas duas princesas. O amor de pai transbordando diante do sofrimento da filha.
“Mas ela vai ficar curada, em nome de Jesus”, disse-me ele, ao que completei, “Com fé em Deus”. Nos despedimos, roguei ao bom e misericordioso Deus que restabelecesse a saúde de Tamires. No dia seguinte ele embarcaria para Cuiabá, para compromissos profissionais. Orgulhoso, me falou do reconhecimento do seu trabalho, falou-me dos cursos e palestras que ministra por esse imenso Brasil. Parabenizei-o pelas conquistas e pelo belo nome construído como Engenheiro Agrônomo, orgulho por ser seu contemporâneo de faculdade na Escola de Agronomia da UEMA. Chorou mais um pouco, suspirou fundo, “Não está sendo fácil. Muito difícil ver uma filha, uma pessoa que a gente ama em uma situação dessa”. Fiquei com cada expressão dele registrado na retina.
No silêncio da noite, pensei no sofrimento sobre-humano daquele pai, orei, elevei meus pensamentos a Deus pedindo que ele acalentasse seu coração.
Na manhã de quinta-feira, 14 de julho, recebi a mensagem do amigo Nataniel Diniz Nogueira comunicando o que tanto temíamos, que sua filha partira às 9h. Sua guerreira Tamires, que lutara bravamente, fora tragada pela libitina. O que dizer para um pai em uma hora dessa? Quais palavras devem ser ditas para confortar o coração em pedaços de um pai amoroso? Sou limitado diante do sofrimento.
Nunca estamos preparados para perder pessoas que amamos, mesmo sabendo que somos seres transitórios, que estamos aqui de passagem. Tudo é tão forte, tão avassalador. A vida é um somatório de instantes, que findam. Todos temos prazo de validade. Chegamos aqui, sabendo que vamos partir um dia.
O que falar para um amigo, nesta hora de dor, quando a ordem natural das coisas é invertida?
Como gostaria de estar ao lado de vocês sem dizer nada, me faltam palavras, somente para poder abraçá-los, poder ouvi-los, poder senti-los.
Recentemente partiu Raul, amigo dos meus filhos, Rodrigo e Frederico. Como estava fora do Maranhão, não compareci às despedidas. Um mês depois fui visitar a mãe e o padrasto, já que Raul era órfão de pai. Ouvir aquela mãe falar do filho Raul, que partira com a mesma idade e com a mesma enfermidade de Tamires, foi muito doloroso. Todo o amor de mãe era expressado entre lágrimas e também sorrisos, pois as lembranças eram fortes, mas também engraçadas.
“Pedi tanto a Deus que não levasse meu filho, queria somente mais um minuto para abraçar seu corpo frágil, mas Deus não quis, e levou Raul para perto dele”, me contou a mãe.
“É da semente do amor que floresce a saudade…
É da colheita do fruto que surge algo que chamamos de laços.
E é quando a vida os desata que chamamos de perdas.
Perdas irreparáveis.
Perdas que não têm nome.
Dor que dói só de pensar.
Dor que um dia ouvi ser equiparada a um parto inverso.
Devolver o filho(a). Sem ao menos nos perguntar se damos essa permissão.
Lágrima que não sai. Choro que nos falta o ar…” Walter Hassin.
Queridos amigos-irmãos Nataniel e Jesas, nesta hora em que o amor atende pelo nome de saudades, que são muitas, é hora de se alimentar da fé no Deus Vivo, e buscar conforto e resignação em Deus para acalmar mentes e corações.
Tamires foi um anjo de luz, fugaz, veio para perfumar e embelezar seu entorno, cumpriu sua missão terrena, brilhou, alegrou, frutificou, deixou duas lindas sementes, Murilo e Aurora, e partiu. Foram instantes únicos, especiais e inesquecíveis, que ficarão para sempre nos corações e mentes dos que a amam.
“Não sei… se a vida é curta ou longa demais,
mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve,
palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia,
lágrima que corre, olhar que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo: é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais,
mas que seja intensa, verdadeira e pura…enquanto durar”, Cora Coralina.
“A arte existe porque a vida não basta”, Ferreira Gullar.
Cito o poeta maranhense e uma poetisa goiana para falar de amor, na tentativa de amenizar a dor da perda, a brutalidade da morte, ainda mais quando essa perda é de uma pessoa muito jovem, com uma vida inteira pela frente, com sonhos, projetos, planos que não mais se realizarão.
Caro leitor, amiga leitora, observe com atenção a fotografia que ilustra essa crônica, é o retrato de uma família feliz, sorridente; registra um momento de felicidade. Somos instantes, e em instantes não somos mais nada. Tudo passa.
A vida é um conjunto de incoerências, de idiossincrasias, de mistérios, de muitas perguntas sem respostas. De onde viemos, por que viemos? Para onde vamos? Quando vamos? Mistérios indecifráveis. Mesmo sabendo que estamos por aqui de passagem, que somos seres de transição, nunca estamos preparados para partir; e outros menos ainda, os que por aqui ficam com o gosto amargo da saudade.
Saudade é o amor acompanhado, quando o amor não foi embora…
Saudade é um vazio, uma dor avassaladora…
Saudade é amar o passado que ainda não passou, e certamente, nunca passará…
É recusar um presente que nos machuca, e não vê o futuro que nos convida a seguir em frente porque o tempo, que nos governa, não para…
Saudade é sentir o que existe e o que não existe mais, mas faz parte de nós…
Saudade é a tristeza da perda, a dor do que ficou para trás…
Saudade é o gosto amargo e indigesto da morte na boca dos que continuam…
Saudade dói, saudade maltrata, saudade dilacera, saudade também nos alimenta, por que o pior dos sentimentos é não sentir saudade.
Posso dizer com conhecimento de causa, o tempo passa, as coisas se acomodam, coisas novas surgirão, muitas deixarão de existir, mas a saudade não acabará jamais. Saudade… é o amor que fica.
Agora é hora de acolhimento, de nutrir o amor e ensinar aos filhos Murilo e Aurora que a mãezinha deles virou estrela cadente, foi brilhar no céu. O amor dessa família será imensamente multiplicado para suprir essa perda.
Vocês só puderam privar da companhia de Tamires por 34 anos, pouco tempo, mas suficiente para deixar marcas indeléveis que jamais se apagarão. A caminhada de Tamires foi curta, mas não foi pequena.
Meus sentimentos e respeito aos pais Nataniel e Jesua, ao companheiro de jornada e eterno namorado Ricardo, aos filhos Murilo e Aurora, à irmã Natália, ao cunhado Wallison, às sobrinhas Cecília e Clara, vocês foram o céu e a paz de Tamires na terra; o melhor, o mais belo, florido e perfumado jardim que ela poderia ter por aqui. O amor e a união de vocês são contagiantes. Em um mundo tão carente de amor, vocês são exemplos de que o amor nos salva, nos redime, nos renova.
Citando Santo Agostinho, me despeço, “Aqueles que nos deixaram não estão ausentes; são invisíveis, têm seus olhos repletos de glória fixos em nossos repletos de lágrimas.” Fiquem com Deus, fraternal abraço.
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes e autor do livro “Das muletas fiz asas”.
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