Mídia, Cultura e Ebulições

Ivan Valença leva um pedaço do jornalismo sergipano

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Por Luciano Correia (*)

 

Perdemos Ivan Valença, o bruxo, como gostava de chamá-lo o poeta Amaral Cavalcante. Leva consigo parte importante da história do jornalismo em Sergipe. Jornalista desde os 14 anos, mais adiante se arriscou num projeto grandioso: a fundação do Jornal da Cidade, em sociedade com Nazário Pimentel. Sua maior passagem, no entanto, foi pela Gazeta de Sergipe, a brava Gazeta Socialista de Orlando Dantas, onde foi editor e lapidou para o mercado profissionais como Ancelmo Góis. Até hoje Ancelmo tem Ivan como um guru, um pai profissional a quem devota admiração, carinho e respeito.

Conheci Ivan nesse período da Gazeta, mas foi na empresa que ele montou no início dos anos 80 que passei a ter uma convivência mais próxima, de colegas e amigos que nos tornamos. Além do extraordinário jornalista, também era um inovador, um cara que trouxe novidades para a provinciana Aracaju em vários momentos. A empresa a que me refiro era onde se fazia a composição e diagramação de dezenas de jornais que pipocaram naquela quadra da redemocratização do país, com muitos títulos alternativos dirigidos a públicos específicos, segmentados ou não.

Foi o serviço oferecido por ele que livrou jornais e jornalistas do árduo trabalho de composição e diagramação. O semanário Folha da Praia, que fez história na imprensa alternativa de Sergipe, foi um desses veículos beneficiados com essa visão de modernidade trazida por Ivan Valença. Comecei na Folha em 1981, ainda estudante de jornalismo na UFBa, quando o feitio do jornal era, literalmente, um trabalho artesanal. Isso fazia da redação uma festa de gente estranha e esquisita, malucos de todos os tipos que escreviam ou iam lá para fumar unzinho e trocar uma prosa com Amaral. Eu vinha para Aracaju nos feriados mais longos e ia complementar minha formação naquela universidade brutal e criativa da redação da Folha, com mestres como Fernando Sávio, Ilma Fontes, Henrique Barbudos, Odil Teles, Marcos Cardoso, Carlos Magno, Roninho, César de Oliveira, Iara Vieira, Zenóbio Melo e outros tantos, sob a batuta do genial Amaral Cavalcante.

Quando Ivan chegou no mercado com sua inovação maravilhosa, um pouco desse furdúncio da redação perdeu o ritmo, mas compensou com a nova convivência com o bruxo na rua Sete de Setembro, ali perto da Rodoviária Velha. Ivan era também um fã da Folha da Praia e dos seus principais articulistas. Crítico de cinema sem igual no estado, Valença esteve algumas vezes em Cannes e outros festivais de cinema importantes. Além de conhecer muito o assunto, abriu em Aracaju uma das primeiras locadoras de vídeo, ainda em VHS e depois em DVD. Quando o videocassete estava chegando por aqui, aí por 84 ou 85, ele me ligou dizendo da novidade e que tinha feito a encomenda de alguns aparelhos.

Escolhera alguns poucos amigos em Aracaju para participar dessa compra e me incluiu entre os eleitos. Foi assim que passei a ser proprietário de um belíssimo videocassete Philco-Hitachi com controle remoto por fio (Sic!) e que ainda trazia de cortesia a ocorrência de pequenos choques elétricos quando ia ligá-lo. Com sua visão antecipada das coisas, estava também criando clientela para o futuro negócio da videolocadora. Cansei de passar lá em finais de tarde para pegar dois ou três títulos. Se nessas ocasiões eu topasse com ele no balcão, era conversa pra mais de uma hora, de cinema, jornalismo, política e coisas assim.

No final da vida, talvez cansado de um país que definitivamente não deu certo, virou-se para posições liberais e de direita. Mas sempre fiel a seu pensamento lúcido e o combate civilizado. Foi o suficiente para ser cancelado em todas as esferas. Foi atacado sem piedade e sem considerar sua história e relevância na vida política e cultural de Sergipe.  Depois de perder sua fiel companheira Ana há alguns anos, figura de personalidade forte e inteligente, foi-se deixando abater pelas doenças e perdendo o gosto pela batalha da vida. No silêncio melancólico de uma casa de repouso, triste, pensativo e solitário, deu adeus a esse mundo que não o interessava mais. Estupendo jornalista Ivan Valença!

 

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Luciano Correia

Jornalista e professor da Universidade Federal de Sergipe

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  • Grato, grato mesmo, por enviar este texto do Luciano Correia sobre Ivan Valença, que me ensinou os primeiros caminhos das pedras da profissão. Nas últimas 48 horas eu não parei de pensar um minuto. De um lado, triste com a partida de quase toda minha geração da Gazeta dos agitados anos 60 como, entre outros, Orlando Dantas, José Rosa de Oliveira Neto, Paulo Barbosa de Araújo, Luiz Antônio Barreto, Carlos Alberto Chatô e agora Ivan. Do outro, pensei que sorte a minha ter sido adotado, ainda adolescente, por esta turma - a quem devo uma gratidão eterna. No mais: gostaria de compartilhar trechos de um antigo depoimento que fiz para a Associação Brasileira de Imprensa. Vida que segue.

    ABI — O que mais é marcante na sua atuação no jornalismo em Sergipe?

    Ancelmo — A imensa generosidade de pessoas que me ajudaram naquele período, como os dois grandes mestres que eu tive. Um deles foi o José Rosa de Oliveira Neto (que já morreu) e chegou a ser dirigente do Partido Socialista. Ele me orientou muito com relação à leitura. Eu era um jovem metido a besta, que só queria saber de livros de Filosofia. Ele me dava bronca e dizia: “Você não tem que ler livros de Filosofia p… nenhuma. Vá ler José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado”. Esse cara foi fundamental na minha vida.
    ABI — Você citou um dos seus mestres, quem foi o outro?
    Ancelmo — O Ivan de Macedo Valença, que está vivo e esteve na minha festa de 60 anos. Ele foi o meu primeiro chefe na Gazeta de Sergipe. Um profissional com uma grande sensibilidade jornalística. Estávamos na década de 60, quando o creme do creme do jornalismo brasileiro era o nosso Jornal do Brasil, no qual ele se inspirava. O Jornal do Brasil tinha o “Informe JB”, então o Ivan criou o “Informe GS” (Informe Gazeta de Sergipe). Ele morava em Aracaju, que naquela época era uma cidade pequena ainda, mas vivia antenado, pesquisando o que era bem-feito.
    ABI — Que outras inovações o Ivan introduziu na Gazeta?
    Ancelmo — Na Gazeta de Sergipe ele introduziu muitas ideias gráficas que pesquisava nos jornais, inclusive publicações estrangeiras. Mas principalmente do Jornal do Brasil. Eu fui criado nesse ambiente até que veio o golpe de 1964.

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