Outras palavras

Javé e o Parque Nicolau Almeida: qualquer semelhança não é uma mera coincidência

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

A ensolarada e quente quarta-feira do último dia 6 de dezembro de 2023 não poderia começar da melhor forma. Ao dirigir-me para a minha aula de “História e Memória”, na Universidade Federal de Sergipe, fui tomado de surpresa (e que excelente surpresa) com a notícia de que o município de Lagarto, leia-se a atual gestão, havia sofrido nova derrota no Judiciário. Vejamos o que disseram as principais manchetes: “Justiça suspende permuta do Parque Nicolau Almeida entre a Prefeitura e a iniciativa privada, com multa de até R$ 20 milhões”.

Ainda não é o fim de uma longa novela, para não dizer drama, na qual um bem público é colocado em risco, e sendo este ainda de valor histórico e cultural, devidamente regrado por lei municipal, como veremos mais adiante. Mas, o contexto atual das coisas aponta e demonstra três coisas importantes: a vigilância do Ministério Público do Estado de Sergipe, a celeridade e competência da Justiça Sergipana e a força da sociedade civil organizada lagartense.

Quisera que Javé, um ficcional lugarejo do Sertão Nordestino Brasileiro, muito bem retratado no filme “Os Narradores de Javé” (2004), tivesse tido destino melhor. Um clássico do cinema nacional, protagonizado por atores a exemplo de José Dumont, Nelson Xavier, Matheus Nachtergaele, Luci Pereira, Benê Silva, entre outros. Do gênero comédia, conta a história de um lugar que estava prestes a ser inundado em razão da construção de uma hidrelétrica.

O enredo me vez lembrar duas situações. A inundação da antiga Canudos, em 1969, para a construção do açude Cocorobó. E a construção e inauguração da Usina Hidrelétrica de Xingó, em Sergipe, em 1994, que suplantou milhares de anos de pré-história sergipana e afetou a economia e a vida de muitas populações ribeirinhas do Rio São Francisco.

Voltando ao caso de Javé e suas similitudes com o caso do Parque Nicolau Almeida, destaco, inicialmente a retórica utilizada em ambas as situações: “geração de emprego e renda; progresso”. A força do capital financeiro querendo determinar o que é ou não importante para o público, com o consentimento e iniciativa da Gestão Pública, entregando bens públicos a uma consagrada e poderosa empresa sergipana, de mão beijada, em troca de outros bens, privados, equidistantes em valor menor em relação aos primeiros: não somente o parque, mas também algumas garagens, bem localizadas em detrimento da segunda realidade.

Em síntese, a ideia de um parque de exposição para feira de animais, já com o nome do parque Nicolau Almeida, onde se realizaria, é de 1962. Criada oficialmente em 1964, na gestão de Rosendo Ribeiro Filho (Ribeirinho), o evento passou a acontecer graças à iniciativa e mobilização de dezenas de criadores de animais e agropecuarista da cidade, a exemplo de Martim Almeida. Estes, em 1970, adquiriram a área do atual Parque Nicolau Almeida e junto ao Governo de Sergipe construíram as principais estruturas físicas, conservadas até a presente data, como o arco de entrada e as baias dos animais.

Considerado um dos eventos mais importantes da cidade por muitos anos, o lugar foi abandonado pelo poder público municipal há pouco menos de seis anos. Graças a um projeto de Equoterapia coordenado pelo vereador Josivaldo,  manteve-se ativo e útil até a presente data. Nesse ínterim, o espaço foi reconhecido, em 2020, pela Câmara de Vereadores de Lagarto como Patrimônio Cultural, por meio da Lei Nº 920, de 19 de maio daquele ano.

A condição para que Javé pudesse ser salva da ganância financeira e prepotência política era que a sua história fosse escrita e que revelasse possuir valor patrimonial, coisa que não aconteceu, pois faltou propósito e união dos principais interessados, cada um olhando para seu próprio umbigo.

Em Lagarto, aprendendo a passos largos a defender seu patrimônio público, graças à abnegação de inúmeras pessoas de diversos matizes sociais, a realidade pode vir a ser outra. E no fechamento desta matéria, nesta mesma quarta-feira histórica, final de noite, recebo outra alvissareira notícia que diz: “Ministério Público do Estado de Sergipe, na pessoa do promotor, Dr. Adson Alberto Cardoso de Carvalho”, solicita que o Parque Nicolau Almeida seja declarado de valor cultural e histórico”. Aliás, meus aplausos para Dr. Adson, protagonista de todo o processo de resistência legal às tratativas da tal permuta, compreendida por alguns como uma clara “negociata”.

Ao fim e ao cabo, espero, no sentido de esperançar, que aquele bem público, primeiro, continue a ser público; segundo, uma vez considerado com o valor histórico que o MP estabelece, tenha uso e fim público, bem gerido e bem administrado, com recursos públicos. Que o(s) bem(ns) não tenha(m) o mesmo destino de Javé, sepultado(s), se não debaixo de água, mas sob os cifrões e a arrogância de determinados agentes públicos, insensíveis ao sentimento de pertença e de identidade local e ao compromisso com a coisa pública, para o qual foram eleitos.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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