Luciano Correia (*)
Manoel Ribeiro, juiz em Sergipe
Todos os que fazem referências ao talento do escritor, logo citam a erudição de João Ubaldo. Esta marca do autor vem praticamente de um saudável despotismo, praticado pelo pai, Manoel Ribeiro, juiz por muitos anos em Sergipe, ele, por si só, responsável por tantas histórias. Quem quiser enriquecer seu repertório converse com gente como João Augusto Gama, um compilador de grandes histórias da província. O juiz Manoel Ribeiro, homem culto, rigoroso e conservador, obrigava o menino João à interminável leitura dos principais clássicos da literatura, tomadas depois como lição por um pai-professor, cioso do futuro de seu filho homem.
Eis aí um bom castigo, embora só o pequeno João pudesse mensurar a solidão a que era submetido no gabinete de leitura da casa na praça Camerino (se não me engano), torturado pela algaravia dos meninos da vizinhança e colegas de escola, extasiados com as brincadeiras de rua e o jogo de futebol. Ubaldo deu nisso: um dos melhores escritores brasileiros, imortal da academia, embora este último título pouco ou nada importe na biografia de um autor já imortalizado pela grandeza de sua profícua produção literária. Se a lenda da vida eterna valer, o velho Manoel Ribeiro hoje está sorrindo pela chegada de seu filho querido, fruto bem plantado e melhor colhido.
Há uma unanimidade, entre letrados, de que o melhor livro de João Ubaldo é justamente “Sargento Getúlio”, a famosa obra imortalizada no cinema pelo filme de Hermano Penna, filmado (gravado, não: filmado mesmo, numa câmera de 16mm) aqui nos nossos sertões de Canindé, Poço Redondo, um road-movie cangaceiro desde Paulo Afonso até as franjas da Aracaju do começo do século XX. O livro é uma denúncia das mazelas do Nordeste, uma realidade dominada por jagunços e coronéis, ambos confundidos com o próprio poder político. O protagonista, Getúlio, é figura de carne e osso e conheço gente em Aracaju que o conheceu. No filme de Penna ele é ninguém menos do que Lima Duarte, um dos grandes da dramaturgia nacional, que percorre as veredas sergipanas numa velha fobica (assim se chamavam os carros velhos de antigamente) ao lado do fiel motorista Amaro (o não menos grandioso Orlando Vieira).
A brutalidade de Getúlio não é maior do que a que prevalecia na sociedade brasileira da época, a mesma que permitiu, em Sergipe, o prolongamento do mesmo estilo com seu irmão Barreto Mota, o célebre e temido comandante da polícia estadual por décadas. Como jornalista, fui contemporâneo desses tempos, mas o que me vem à memória faz parte do ocaso de sua vida, dele, Barreto Mota, já aposentado, um velhinho bem-humorado e casca-grossa rebatendo piadinhas no cafezinho da Solanches, de Raimundo, no Calçadão da Laranjeiras.
O filme virou cult do cinema brasileiro, quase artesanal, com uma só câmera, fazendo planos e contraplanos (imaginem o trabalho que deu) e com uma penca de grandes sergipanos brilhando na telinha. Lá estão, além do nacionalmente consagrado Orlando, Amaral Cavalcante, Antônio Leite, Luiz Antônio Barreto e tantos. Amaral atuou também como produtor local. Foi ele quem conseguiu o revólver usado por Lima, emprestado, adivinhem de quem? Acertou quem pensou em Barreto Mota.
Jornalista e presidente da Fundação Cultural Cidade de Aracaju (Funcaju).
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