Por Luciano Correia (*)
Nessa semana a TV Sergipe me entrevistou para falar sobre a breve convivência que tive com o jornalista Joel Silveira, junto a outras pessoas que conviveram com ele. Joel dispensa apresentação, né? Sergipano de Lagarto, veio ainda menino para Aracaju, onde o pai foi um médio comerciante estabelecido no centro da capital. Saiu daqui muito cedo, decidido a se tornar escritor ou jornalista no Sudeste. Foi as duas coisas, se tornando o que muitos até hoje consideram o maior repórter da história da imprensa brasileira.
Cobriu a 2a. Grande Guerra, passou por grandes jornais e revistas e desfrutou de uma rara intimidade com o poder até meados do século passado. Sem nunca ser seu comensal, dependente ou cúmplice. Era conhecido como A Víbora, uma pena furiosa, que eu mesmo experimentei na pele logo que ele chegou aqui para um segundo período, em 1986, quando veio exercer a função de secretário de Cultura do Estado.
Jovem, tão destemido quanto irresponsável, eu também disparava críticas ácidas e impropérios no alternativo Folha da Praia, na época um semanário, que ganhou muito protagonismo na imprensa local graças ao brilho e competência do seu editor, Amaral Cavalcante. Desgraçadamente, dei ouvidos ao arsenal de futricas que corroía o ambiente cultural e, doido por uma briga, mesmo as que não me diziam respeito. Bati e levei. Mas quem quiser a história completa, veja no programa.
Tenho outras e boas histórias de Joel – e com Joel – mas deixarei para mais adiante. Hoje, já que trouxemos o bardo sergipano à baila, trago algumas pérolas de um dos seus livros, O Presidente no Jardim, de 1991. Pílulas para serem consumidas como a delícia de um uísque e um punhado de amendoim torrado, como gostava o autor.
1) Tantas bobagens que eu poderia ter feito e que tolamente não fiz. E tantos acertos desnecessários.
2) Meu amigo pergunta se tenho visto Fulano. Respondo:
– Risquei do meu caderno.
– Por quê?
– Saturação. É que passei a não achar graça nem mesmo no seu mau caráter, que em certa época até me divertia.
3) Acho que L. tem razão:
– Claro que já briguei com muitos amigos. E continuo brigando. E daí? Se a gente não briga com os amigos, com quem vai brigar? Com os inimigos já brigamos. E tem mais: como é possível alguém viver sem brigar?
4) Na verdade, vos digo: nunca me interessei em aprender qualquer coisa específica. O que sei é o que aprendi em leituras não-programadas: aprendi por ouvir dizer ou até mesmo por osmose – afinal, vivo cercado de livros, que por sua vez vivem a me tomar o tempo e, às vezes, a paciência.
5) Mas onde diabo perdi a minha alegria? Já a procurei em todas as gavetas, nos armários, no caderninho de telefones, nos bolsos dos ternos, e não há jeito de encontrá-la. Sem ela, que será da minha tristeza? As duas se davam tão bem.
6) G., querendo me agradar:
– Todo mundo gosta de você.
– A culpa não é minha.
7) No sufocante bachorro que é o Rio de Janeiro em pleno verão, acordo princípio da madrugada, vou até a janela e olho o céu – pesadão, fosco, de chumbo. Nem uma nuvem, nem uma estrela.
E então me vem à lembrança aquelas lentas e preguiçosas nuvens do céu de Aracaju, sempre céu. As nuvens de Aracaju… Estão sempre indo, mas nenhuma com vontade de chegar.
8) Continuo defendendo a tese – e venho fazendo isso há anos e anos – de que jornalismo é notícia. Num jornal, o resto são humores. Bons ou maus, mas apenas humores.
9) – Você já foi assaltado?
– De março de 64 pra cá, todos os dias.
10) Eu jamais moraria num lugar que não tivesse uma banca de jornais na esquina, de preferência das bem grandes e sortidas. Pode haver coisa mais viva que uma banca de jornais na esquina?
11) No barzinho da heráldica Laranjeiras, em Sergipe. O primeiro, todo prosa:
– Posso dizer com orgulho que graças a Deus a mim trabalho nunca faltou. Nunca!
O outro, embarcando mais um cálice da purinha local, voz pastosa, arrastada:
– Já a mim sempre faltou. Graças a Deus.
12) M. me convida:
– Vamos passar uns dias lá no sítio. Vai ser bom pra você, que anda um tanto estressado.
– Lá tem passarinho na gaiola?
– Tem. Inclusive um canário que canta que é uma beleza. Me custou uma nota.
– Pois solte os passarinhos que eu vou.
13) Não acredito nem respeito mulher que se entrega por capricho. Mulher só deve se entregar por amor, por desejo ou por dinheiro.
14) Um país onde o povo não tem coragem de ser contra o Flamengo e a Mangueira não pode ser tido na conta de um país corajoso.
15) Ninguém pode ser inteligente numa temperatura de 40 graus à sombra. Não se pode nem mesmo ser decoroso. Calor e mau-caráter, suor e safadeza sempre se deram bem.
16) Quando perguntaram àquele ex-presidente da Venezuela a razão pela qual nunca houve golpe militar nos Estados Unidos, a resposta veio rápida e sábia:
– É porque lá não existe embaixada americana.
17) Nada pode haver de mais anacrônico e ridículo do que um terrorista com mais de cinquenta anos.
18) Até poucos anos a insônia era para mim um tormento, o anúncio de um dia, o seguinte, pesado, sonolento, cinzento. Hoje tornou-se uma vantagem. Descobri que bem-usufruída e bem-aproveitada a insônia pode transformar-se num requintado deleite. Mas tem que ser uma insônia ativa, sem bocejos, sem vontade de querer dormir, sem ligar para a implacabilidade dos ponteiros do relógio. Em resumo, uma insônia íntegra e assumida.
19) O calor é essencialmente autoritário – puro fascismo em cada bochorno, nazismo puro em cada gota de suor. Uma verdadeira democracia, por estar sempre arejada, nunca sua.
20) O mundo ideal é aquele que não houvesse qualquer notícia. Um mundo sem manchetes. Que beleza!
21) Do jornalista Armando Nogueira, referindo-se ao venerável (e venerando) político: ‘Ele olha para o vazio, parece que está resolvendo o binômio de Newton’.
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