“Os governantes, legisladores não estão aqui para beneficiar uma categoria de pessoas que domina a economia, mas beneficiar toda a população, criando políticas públicas para os que mais precisam”. A afirmação é de Linda Brasil, que será a primeira vereadora trans a assumir uma cadeira na Câmara Municipal de Aracaju, sendo a mais votada com 5.773 votos entre os 722 candidatos. Com 47 anos, mestra em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, Linda disse que não terá um mandato, mas, sim, uma “mandata”. Isso mesmo, no feminino, pois, no seu entender “é para ir de encontro ao modelo de mandato, criado numa lógica escravagista, patriarcal, mas não na perspectiva de olhar feminino, das mulheres, das LGBTs, da população negra”.
Natural da cidade de Santa Rosa de Lima – onde também nasceu o ex-governador Jackson Barreto – Linda Brasil começou a militância na causa LBGTQIA +, em 2013, quando voltou para a Universidade Federal de Sergipe (UFS) para retomar o curso de Letras Inglês – Francês. Neste mesmo ano, fundou o coletivo Queer (Dês) Monstadxs para debater gênero e sexualidade na universidade. Um ano depois, fundou a Associação e Movimento Sergipano de Transexuais e Travestis (Amosertrans). Em 2015 foi para o PSOL e em 2017 fundou a CasAmor, para acolhimento da população LGBTQI+.
Dentre os projetos a serem desenvolvidos durante a ‘mandata’, de 2021 a 2024, Linda Brasil pretende criar políticas para inserir as minorias no mercado de trabalho, principalmente daqueles que queiram uma oportunidade para sair da prostituição. Além desse lado econômico, Linda vai ser firme na área da Educação e lembra uma frase de Paulo Freire que até hoje lhe acompanha: “a educação não transforma o mundo, transforma a pessoa e a pessoa transforma o mundo”. E lembra, também, que está comprometida com as pautas de Marielle Franco, vereadora carioca, assassinada em 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro.
A ascensão de Linda Brasil à Câmara Municipal representa um marco histórico em diversidades e representatividade em todo o país nas eleições deste ano. Em 2016, foram apenas oito candidatos a vereador travestis e transexuais eleitos, para 30 em 2020, segundo levantamento da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Desde que tenham uma pauta semelhante à sua, Linda pretende conversar com essas pessoas para discutirem pautas conjuntas, respeitando as peculiaridades de cada local.
Esta semana, ainda emocionada com a votação que teve, Linda Brasil conversou com o Só Sergipe.
SÓ SERGIPE – O que representa para a senhora essa vitória nas urnas? A senhora foi a candidata a vereadora mais votada.
LINDA BRASIL – Significa uma resposta a esse momento que estamos vivenciando na política brasileira em relação ao aumento de algumas ideias reacionárias, de perseguição às pautas das minorias. Então, é uma resposta da sociedade contra as ideias fascistas que chegaram ao poder nas eleições de 2018, com o atual presidente Jair Bolsonaro. E também é um sopro de esperança na política, nos movimentos sociais, e onde a gente possa ocupar esses espaços e provocar transformações assertivas na política.
SS – Além da senhora, outras mulheres trans também foram eleitas em várias partes do Brasil. Como a senhora avalia isso?
LB – É um movimento forte que está surgindo, formado por pessoas corajosas que não aguentam mais viver nas esquinas, presas nos armários, que vem com um ideal revolucionário, de combatividade, mas, também, com um embasamento teóricos através das vivências, dos conhecimentos, que fortalecem e da propriedade para que possamos combater a estrutura política que foi construída através de princípios escravagistas, machistas, LGBTfóbico, misógino. O que aconteceu nas urnas municipais de 2020 é o resultado de uma resistência, de uma luta e de um enfrentamento da estrutura que está aí no poder há séculos, derivadas das oligarquias, do coronelismo que sempre dominaram a política no Brasil.
SS – A senhora já tentou se eleger outras vezes, mas não obteve êxito. Quais foram?
LB – Em 2016, quando fui candidata a vereadora, pela primeira vez pelo PSOL, eu obtive 2.308 votos, mas não fui eleita por causa da legenda. Em 2018, fui candidata a deputada estadual e fui votada em todos os 75 municípios sergipanos e tive uma votação muita expressiva em Aracaju, onde moro e faço minha militância, de 6.555 votos. Com esse histórico na vida política eu estava confiante de que havia uma possibilidade real de ser eleita, mas não dessa forma, sendo a pessoa mais bem votada entre os 722 candidatos, com 5.773 votos. É uma vitória surpreendente e tem um gosto muito saboroso, muito importante porque é um marco histórico. E pode, também, representar um estímulo para que outras pessoas venham a ocupar estes espaços na sociedade, que sempre foram negados àquelas que são estereotipadas, marginalizadas e excluídas.
SS – Então o fato de a senhora ter sido a mais votada abre um leque para que essas pessoas, em 2022, possam se candidatar?
LB – Sim, exato. Acho que pode motivar. É também um sopro de esperança para estas pessoas que estavam desacreditadas, que acham que a vida política não é importante. Mas digo que é importante sim, que ocupemos estes espaços. Mas sempre digo que não basta ser uma mulher trans, um travesti, uma mulher negra, tem que ter a consciência para a gente ocupar e provocar transformações, não para reproduzir essa estrutura política que está há séculos dominando. Tem que ser uma ocupação para provocar transformações efetivas, de olhar diferenciado sobre o pensar e fazer política. Nós feministas do PSOL qualificamos esse trabalho que vai ser realizado como uma “mandata”. Trabalharemos com um olhar de mulheres negras, trans, lésbicas, enfim, de todas as mulheres. E não sob a perspectiva patriarcal.
SS – Essa é a primeira vez, também, que o PSOL consegue eleger alguém em Aracaju, não é?
LB – Até esse pleito eleitoral, o PSOL não havia conquistado nenhuma vaga no Executivo e no Legislativo. A minha eleição aqui em Aracaju é a primeira de uma parlamentar para o partido.
SS – Na sua plataforma há algum projeto buscando inserir as minorias no mercado de trabalho? Pergunto isso porque, infelizmente, muitos travestis e mulheres trans estão na prostituição.
LB – Essas pessoas são, praticamente, empurradas para a prostituição, por falta de oportunidade, de apoio, de políticas públicas que propiciem outra forma de sobrevivência. Aquelas pessoas que queiram estar lá, que elas possam estar, mas aquelas que estão por falta de opção, que queiram seguir outro caminho, nós vamos discutir. Temos exemplos de projetos que deram certo, como Trans Cidadania, em São Paulo, e outros que possam, de certa forma, incentivar a contratação dessas pessoas nas entidades privadas. E também capacitá-las, através de cursos, oficinas para que possam ter uma sobrevivência financeira. Só não pode impor que as pessoas saiam da prostituição. Como eu já vivenciei essa situação, acabei sendo empurrada para a prostituição, mas saí com vida. É muito fácil entrar, mas o difícil é sair por causa de várias questões, até por baixa autoestima, falta de oportunidade, sem ajuda de familiares. Vamos trabalhar para que mulheres trans e travestis que queiram sair tenham perspectiva de vida melhor, para ocupar um espaço na sociedade de acordo com os seus talentos.
SS – A senhora pretende interagir com as outras mulheres trans que foram eleitas no país, para construírem uma pauta conjunta, respeitando as peculiaridades de cada local?
LB –Sim, sim. Nós vamos dialogar sim. Além das mulheres trans e travestis, nós vamos discutir com aquelas que tiverem o mesmo ideal, sejam mais progressistas. Mas vamos trabalhar, também, com propostas e ideias que deram certo em outros municípios, mesmo que não sejam somente de pessoas LGBT. Nós, também, não vamos focar somente nessa questão. Eu sou mestra em Educação, para mim a pauta principal é gestão na educação, ligada aos Direitos Humanos. Sou comprometida, assinei agenda Marielle Franco, que são as práticas políticas que ela desenvolveu, que vou tentar colocar na Câmara Municipal no próximo ano.
SS – A senhora acredita que só a educação salva?
LB – Tem uma frase também que eu gosto que é de Paulo Freire. Ele diz que “a educação não transforma o mundo, transforma a pessoa e a pessoa transforma o mundo”. E a nossa perspectiva é de transformar, de despertar o senso crítico, de fazer com que as pessoas se empoderem, percebam o seu valor na sociedade, a sua importância, assim como a importância do voto, de nós termos consciência sobre os nossos direitos. A responsabilidade dos nossos governantes, legisladores que estão ali não é para beneficiar uma categoria de pessoas que dominam a economia, como os empresários, mas estão ali para trabalhar, beneficiar toda a população, principalmente, criando políticas públicas para os que mais precisam.
SS -Depois de ter sido a vereadora eleita em primeiro lugar, qual a sua expectativa ao pisar a Câmara Municipal, já como vereadora?
LB – Ainda estou tentando processar tudo isso. Eu tenho vários projetos. Eu sei que essa ‘mandata”, que chamo assim no feminino, é para ir de encontro a esse modelo de mandatos criados numa lógica escravagista, patriarcal, mas não na perspectiva de um olhar feminista, das mulheres, das LGBTs, da população negra, para que realmente façamos um trabalho diferenciado. Que não seja somente histórico e revolucionário a minha entrada, mas sim o meu trabalho, minhas propostas, intervenções, provocando transformações efetivas na política de Aracaju, de Sergipe e, consequentemente, do Brasil afora.
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