Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)
Sou um entusiasta e também estudioso da vida dos santos católicos há pelo menos três décadas. O campo deste tipo de conhecimento é o da hagiografia. Em todos eles, chama a minha atenção, para além da obediência, também a ousadia, qualidade cristã, presente, por exemplo em Atos dos Apóstolos 4,31, que preconiza: “Mal acabavam de rezar, tremeu o lugar onde estavam reunidos. E todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciaram com intrepidez a palavra de Deus”.
Nesse quesito, em especial, nesses dias que antecedem à Semana Santa, quero destacar Santa Francisca Xavier Cabrini, italiana de Sant’Angelo Lodigiano (15 de julho de 1850), que faleceu em Chicago (Estados Unidos), no dia 22 de dezembro de 1917. Mas antes, precisamos compreender o que se passava na cidade de Nova Yorque no final do século XIX e, desse modo, também entender como Deus, por intermédio do Espírito Santo, age nas pessoas, soprando para onde quer e precisa da ação salvífica de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O escritor João Fábio Bertonha, em seu livro “Os Italianos” (2005), dedica um capítulo para explicar as razões do grande êxodo de italianos por vários países no mundo, entre os anos 1870 e 1970. Cerca de 26 milhões deixaram a Itália, recém unificada por Giuseppe Garibalde, para tentar uma sorte melhor em lugares, a exemplo do Brasil (4,4 mil deles) e Estados Unidos da América (32,4 mil). Eram famílias muito pobres, sobretudo da zona rural, sem nenhuma ou quase nenhuma instrução.
Para Bertonha, três fatores impulsionaram o que ele chama de “demanda global por mão-de-obra, notadamente, italiana: “(…) o fim da escravidão nas antigas colônias europeias na América, a difusão da sociedade industrial por todo o mundo e a constituição de Estados independentes no continente americano” (p. 85). Nos EUA, a cidade que mais absorveu o povo italiano foi a cidade de Nova Yorque.
Em Nova Yorque, passaram a viver na periferia e em bairros como “Little Italy”, em condições as mais miseráveis possíveis, sobretudo as crianças, que ficavam órfãs de pai e mãe, ficando abandonadas à mercê da exploração infantil e trabalhista, da fome e da miséria. Afora as condições sociais terem sido as piores, o preconceito, agravado com dificuldade de se comunicarem e aprenderem com a língua inglesa. Recebiam todo tipo de nome depreciativo, como “porcos da Índia”.
Décima terceira e última cria do casal Agostino Cabrini e Stella Oldini, originalmente batizada de Maria Francesca Cabrini, desde cedo alimentou o desejo de ser uma missionária. Com saúde sempre frágil (problemas respiratórios) desde menina, sempre teve dificuldade de ser aceita numa ordem religiosa, mas persistiu. Depois de uma passagem mal sucedida pelas Filhas do Sagrado Coração, em 1880, com mais sete jovens, fundou, em homenagem à São Francisco Xavier o Instituto das Irmãs Missionárias do Sagrado Coração de Jesus.
No afã de expandir a missão das Filhas do Sagrado Coração pelo mundo, marcou uma audiência com o Papa Leão XIII, e por ele foi recebida, com a intenção de ir para a China, isso depois de mais de uma dezena de negativas de um dos auxiliares do Santo Padre. Percebendo a ousadia cristã e a coragem de Francisca, Madre Cabrini, o papa lhe incumbiu de uma outra missão, a de dar assistência aos imigrantes de Nova Yorque, no que, mesmo surpresa, ela acedeu.
Ali, como se diz no popular, ela e suas companheiras “comeram o pão que o diabo amassou”. Enfrentaram de tudo um pouco até conseguirem ser aceitadas e levadas a sério: mal-estar e incompreensão da elite nova iorquina, “fogo amigo” do clero local, perseguição política e de gênero. Enfim, com destemor e muita ousadia, elas enfrentaram a tudo, a todos e a todas as adversidades; e a sua obra de caridade, assistência social e sanitária prosperou. Hoje, presente em várias parte do mundo, como desejava a sua fundadora, inclusive no Brasil, com destaque para o Colégio Madre Cabrini, em São Paulo (1926), e o Colégio Regina Coeli, no Rio de Janeiro (1908).
Entre os processos de beatificação e canonização, foram várias idas e vindas, sofrendo, como em vida, resistências. Finalmente, no dia 7 de julho de 1946, o Papa Pio XII reconheceu a sua santidade. Embora de origem italiana, é reconhecida como “(…) a primeira cidadã dos Estados Unidos a ser canonizada como santa pela Igreja Católica Romana”. Nunca é demais lembrar que nos EUA as religiões “protestantes” são maioria. Desde 1950, Santa Francisca Xavier Cabrini é considerada a “Padroeira Celeste de todos os Migrantes”.