Pessoas passando fome, outras pensando até em atos extremos, num total desespero. Esse é o triste cenário dos profissionais de eventos que, em Sergipe, levam o sustento para cerca de três mil famílias. O representante da comissão de cerimonialistas de Sergipe, Vailton Linhares, diz que só vê incertezas para o futuro, porém nutre a esperança de dias melhores. Mas não é fácil: “Não consigo enxergar mais uma estabilidade para o nosso setor”, ressalta.
É possível que, na próxima terça-feira, o cerimonialista e demais profissionais que integram o segmento de eventos façam uma manifestação pacífica em frente à Câmara Municipal, para pedir o apoio dos vereadores. O ato será nos mesmos moldes do que ocorreu na quinta-feira, 25, em frente à Assembleia Legislativa, quando a categoria conversou com alguns deputados estaduais, que prometeram encaminhar as reivindicações ao Governo do Estado.
Na conversa, Vailton deixou claro aos deputados que a linha de crédito do Banese não é viável para eles, muito menos o auxílio de duas parcelas de R$ 200 anunciadas pelo governador Belivaldo Chagas. “Eu, no lugar dele, teria vergonha de anunciar isso”, disparou Vailton. “Queremos que seja estudado algo que não seja vergonhoso, como essas duas parcelas de R$ 200, mas que seja digno, pois pagamos impostos e cumprimos com as nossas obrigações como cidadãos”, frisou Vailton. “Merecemos o mínimo de respeito”, destacou.
SÓ SERGIPE – Na quinta-feira, vocês fizeram uma manifestação e foram recebidos por uma comissão de deputados estaduais. O que ficou daquele encontro para, pelo menos, dar um norte à categoria?
VAILTON LINHARES – Os deputados Samuel Carvalho, Georgeo Passos, Kitty Lima e Adailton Martins nos receberam e nós conseguimos expor toda a situação, inclusive o próprio Adailton não imaginava que fosse tão grave. Eles se comprometeram, naquela mesma quinta-feira, a passar a situação para o líder do governo, deputado Zezinho Sobral, entrar em contato com o secretário geral do Governo, José Carlos Felizola, para procurarem, nas formas da lei, alguma coisa que seja possível para ajudar a classe. Não da forma como estavam tentando com a linha de crédito do Banese que vem com esse nome, mas é um empréstimo normal. Dissemos que essa linha de crédito não funciona, porque nem todos têm como pegar por causa da burocracia do banco, pois há pessoas com nome negativado. Segundo porque há uma divulgação distorcida, propositalmente, acredito. É uma informação pela metade por parte do Governo e do Banese dizendo que é uma taxa de 0,5% para essa linha. Só que para ter esse direito, além de toda a burocracia, tem apenas 60 dias de carência. Nós não temos nenhuma perspectiva de quando os eventos vão voltar, como é que pagaremos? Não estamos conseguindo pagar as contas do ano passado, como pagar uma daqui a 60 dias? Não tem como. Alguns colegas tentaram estender a carência para 12 meses e os juros explodem. Ou seja, não há benefício algum nessa linha de crédito que o Banese e o Governo do Estado lançaram. Acredito que eles sabem que seria um paliativo. Na minha opinião, eles usaram isso para ganhar tempo e dizer que estão preocupados com as classes, anunciando que são R$ 50 milhões destinados para uma linha de crédito. Mas não é. Todos nós sabemos que não é.
SS – Por quê?
VL – Eles destinaram até R$ 10 mil para pessoa física e até R$ 72 mil para pessoa jurídica. Eu quero saber como se faz para pegar empréstimo e não se embolar mais com dívidas do que já estamos embolados. Nós deixamos isso bem claro para os deputados e eles ficaram de ver uma forma, o mais rápido possível, de ter um auxílio. Nós queremos um auxílio, que é direito nosso para que ajude a sanar uma parte dos problemas. O Governo do Estado lançou a proposta de duas parcelas de R$ 200, que é uma vergonha. No lugar do governador, eu teria vergonha de fazer um pronunciamento desse. E segundo que já tem outra para as pessoas que estão no Cadastro Único e nem todo mundo está.
SS – Vocês têm alguns atos previstos para o decorrer dessa semana?
VL – Nós temos a pretensão de, possivelmente na terça-feira, fazermos um ato reivindicando apoio ao prefeito Edvaldo Nogueira. Na quinta-feira tivemos uma reunião com o vereador Ricardo Marques que se comprometeu em nos ajudar, assim como a outras categorias. Não batemos o martelo, mas é um projeto de fazermos um ato pacífico em frente à Câmara Municipal, na terça-feira, chamando a atenção dos parlamentares municipais para clamarem por nós. Sabemos que a Prefeitura de Aracaju, também, pode nos ajudar.
SS – A categoria já está há um ano sem produção de eventos. Como vocês estão sobrevivendo?
VL – Um está ajudando o outro. O próprio setor vem realizando campanhas de doação de alimentos. Vamos começar uma para doação de produtos de higiene pessoal a fim de ajudar os colegas que estão em situação pior. Temos colegas que estão passando fome. Durante o ato da quinta-feira, uma das colegas nos falou que acordou e não tinha com que tomar café com os filhos. Mas mesmo assim ela foi para o ato lutar por um direito que era dela. Então, estamos vendo isso muito perto da gente e é muito assustador ver pessoas que não estão tendo o direito básico da alimentação. Recebi várias ligações de pessoas chorando sem ter o que comer. Em uma das ligações, o esposo de uma delas, sem trabalho desde o ano passado, estava pensando em fazer besteira: roubar para alimentar as três crianças que tem dentro de casa. Infelizmente, vendo de perto isso, são situações que nos metem medo, .
SS- Mas as campanhas de ajuda continuam, não é?
VL – Sim. Já conseguimos algumas cestas básicas para atender os nossos profissionais. Temos um projeto de fazer uma live musical para arrecadar alimentos e fundos. Vamos fazer com cantores profissionais. Estamos fechando a produção da live para o início do próximo mês.
SS – Dentre esses profissionais, algum já teve Covid-19?
VL – Sim, tivemos e estão em recuperação. Infelizmente tivemos a morte do Rambinho. Ele, além de ser jornalista, era prestador de serviços na área de eventos, locando toldos, cadeiras, mesas para festas. Foi uma dor muito grande para o setor, ele era querido por todos. Foi um choque muito grande.
SS – O setor de eventos reúne várias pessoas. Mas quantas estão envolvidas com esse trabalho no Estado?
VL –Não temos um número exato, mas é uma média de mais de 3 mil famílias em Sergipe. A nossa campanha abrange o Estado inteiro.
SS – É fato que a pandemia pegou todos nós de surpresa. Mas o que o senhor acha que falta para a condução desse problema?
VL – A solução seria uma vacinação em massa, mas isso está muito longe da nossa realidade. Sabemos que o vírus mata. Nós entendemos e apoiamos as medidas para frear o aumento dos casos. Não estamos buscando o retorno dos eventos. Temos que pensar no próximo e na gente também: não trazer o vírus para casa, pois isso pode acontecer a qualquer momento. O que queremos é que o governo elabore um projeto para diminuir o nosso martírio. Já há o sofrimento natural, por conta do vírus que tomou conta do mundo inteiro. Mas há sofrimento em todas as áreas econômicas, e nós estamos parados sem podermos exercer nossas atividades. O comércio foi atingido, mas está funcionando e pouco ou muito gera a economia. Nós estamos totalmente parados. Queremos que seja estudado algo não vergonhoso, como essas duas parcelas de R$ 200, mas que seja digno, pois pagamos impostos e cumprimos com as nossas obrigações como cidadãos. Merecemos o mínimo de respeito, já amenizaria inicialmente essa dor.
SS – Alguns de vocês tiveram acesso ao auxílio emergencial?
VL – Sim. Infelizmente tivemos conhecimento que muitos não tiveram acesso ao auxílio emergencial. E só ficam os que estavam recebendo no ano passado. Não haverá novo cadastramento. Ou seja, quem não recebeu no ano passado também não receberá desta vez. Não tiveram acesso por quê? Acredito que falta transparência com relação aos cadastros das pessoas.
SS – Qual é o seu olhar para o futuro?
VL – Eu tinha até uma perspectiva de que íamos reaprender a fazer eventos e que nunca mais seria como antes. E vou ser sincero: não consigo enxergar uma certeza, mas só vejo incertezas. Quando pensávamos que estávamos recomeçando, tudo voltou. Eu estava me sentindo como em março do ano passado, tendo que ficar em casa, sem poder ganhar o pão de cada dia. Eu só vejo incertezas. Não consigo enxergar mais uma estabilidade para o nosso setor.
SS – Isso não abre uma perspectiva para aprender outras coisas?
VL –A palavra de ordem é reinventar-se. Alguns têm oportunidade, mas, e quem não tem? Exemplo: um garçom que ganha no máximo R$ 100 por evento vai se reinventar como? É possível buscar novos conhecimentos, mas estamos num momento em que até o psicológico está abalado. Recentemente, um amigo que era nutricionista entrou em depressão e isso o levou à morte, infelizmente. Ele não foi infectado pela Covid-19, mas entrou em depressão porque perdeu clientes, teve prejuízos por causa dos investimentos que fez no consultório. Ele chegou ao ponto de ser internado e morreu. Nem sabemos como nos reinventar.
SS – Músico não toca e nem canta, cozinheira não faz a comida para o evento e, às vezes, nem para ela. E agora?
VL – Todos nós estamos no mesmo mar, mas cada um no seu barco e levando até onde der. Enquanto existe vida, há esperança e só nos resta lutar individualmente e pelo bem comum. Se eu for beneficiado, toda a minha classe será porque eu não faço um evento sozinho . Preciso de todos os outros profissionais. O lema é lutar.