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Luiz Thadeu (*)

Eles se conhecem há anos, foram colegas de colégio, moravam próximos, no mesmo bairro. Cresceram juntos: três fizeram curso superior, um fez curso técnico, abriu uma metalúrgica, virou empresário, prosperou. Casaram, sempre com os demais como padrinhos e viraram compadres. Um padrinho do filho ou da filha do outro.

Todos chegaram aos sessenta anos, os cabelos pratearam com a passagem do tempo, a barriga cresceu com os chopes. Três moram por aqui, um mora em São Paulo, e está de férias por essas bandas.

Faz tempo que não se reúnem, falam-se todos os dias pelas redes sociais, têm um grupo de WhatsApp chamado “Quatro mosqueteiros”; todos os dias um sacaneia com os demais, menos um que virou vegano e religioso xiita. Não satisfeito em salvar a própria alma, está na difícil tarefa de salvar as dos demais. Todos os dias é o primeiro a enviar mensagem falando de salvação. Os outros mandam mensagens de homens, vocês sabem.

No último final de semana, sem mulheres, filhos, cachorro, periquito, papagaio, se reuniram em um bar de praia. Assuntos transbordavam. Ávidos para se verem, zonear com o outro, falar de seu dia a dia, coisas de amigos que se gostam.

– Garçom, quatro chopes, por favor.

– Garçom, três por favor, traz um suco de laranja pra mim.

– Cara, não acredito que vamos conversar, matar a saudade, e você a seco, no suco de laranja. Vai aí, toma só um, ajuda a fluir as ideias. Destrava.

– Obrigado, não estou travado, não bebo mais nada alcoólico. Na boa.

– Tudo bem, se quiser pode pedir leite, mas solta a língua.

– E, aí, tudo bem com vocês? Muito bom estarmos reunidos novamente.

Na quarentena da pandemia, mesmo os que moram próximos, não se viram. Nem no velório do irmão de Rogério, que morreu de Covid-19, não se viram por causa dos protocolos sanitários. Rogério sepultou o irmão, sem testemunhas. Dor dobrada.

Mas agora era hora de celebrar a vida, virar a página: relaxar, rir, brincar, zoar, ser zoado, tomar umas.

– Como estão as crianças, Renato?

– Tudo bem, Marcelo. Renato Jr está em Dublin, chega para o Natal.

– Como é a vida de solteiro, Jaime? Você deve tá pegando muita gente.

– Não posso me queixar, Rogério.

A conversa fruía, todos na quinta ou sexta caneca, Renato, no segundo copo de suco.

– Renato, me diz uma coisa, você que virou religioso, o que mudou em tua vida?

– Muita coisa, Rogério, sou mais centrado, tenho nova visão de mundo, estou feliz, minha saúde agradece.

– Vocês estão bem? Pergunta Jaime.

– Na medida do possível, sim, responde Marcelo.

– Estamos com saúde, reunidos com os brothers, tomando chopp gelado, acho que estamos bem. Somos privilegiados e sobreviventes dessa loucura toda. Fico triste por essa nova geração que vai pegar um mundo mais neurótico pela frente, diferente do que vivíamos.

– Marcelo, teu casamento com Ana, tudo bem? Pergunta Renato.

– Defina ‘tudo bem’, Renato.

– Vocês se dão bem? Ainda têm coisas em comum?

– Cara, para ser franco, pouco conversamos, trabalho o dia todo, Ana tem as atividades dela, saímos de vez em quando, sexo de quando em vez, acho que isso é estar bem. Na nossa idade, casamento longevo, esse o conceito de normal. Todos à mesa riram e concordaram.

– Preocupante é a quantidade de coisa ruim acontecendo ao mesmo tempo: pandemia, gente doente, inflação voltando, muita gente pirando. E ainda tem gente brigando por políticos; para mim todos iguais, entre ruins ou péssimos.

– Renato, toma só um chopp, lembra de nossas farras, bons tempos que não se tinha um problema de saúde: nem impingem, frieira ou hemorroida. Éramos felizes, aliás somos felizes, temos o essencial para viver.

Todos riram como nos velhos tempos, pediram mais três chopps e mais um suco de laranja.

“É junto dos bão que a gente fica mió!”, Guimarães Rosa, em “Grande Sertão, veredas”.

Quem tem amigos leais tem bom ouvido, amigo é aquele que te zoneia no privado e te elogia no público. Quem tem amigos não precisa de psicólogo, mesa de bar é o melhor lugar para boa terapia.

Dezembro é tempo de confraternizar, reunir, ajuntar, aglomerar as pessoas que se gostam, tomar chopp ou suco de laranja em boa companhia.

– Garçom, quatro chopes, por favor, pede Renato, o momento merece.

– Viva Renato, você é brother, brindaram todos.

– Cara, vocês são ‘o cara’….amo vocês, estava com saudade de tudo isso.

Todos se abraçaram, celebrando a vida, sobreviventes de tempos pandêmicos.

_____________

(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.

 

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Luiz Thadeu Nunes

Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas". E-mail: luiz.thadeu@uol.com.br

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