Sábado. Levanto, faço o asseio matinal, me encaminho para a cozinha para o dejejum. O primeiro telefonema da manhã é dela, Rita, minha irmã que mora numa cidade no interior do Maranhão.
– Bom dia, tudo bem? Tá chovendo aí?
– Bom dia. Hoje a chuva deu uma trégua.
– Aqui chove todo dia. Tudo alagado, estou pensando em fazer curso de natação. Não sei nadar, vai que precise… nunca se sabe.
Rita de Cássia é a primeira das minhas três irmãs. Apenas com o Segundo Grau, sem estudos na área, mas profunda observadora da vida, Rita é minha psicóloga. Não há assunto, problema, aflição que eu tenha, que não tenha uma saída. Só ligar pra ela que tem solução. E… solução rápida, imediata.
Certa vez, com um problema que me consumia, liguei pra ela e disse:
– Rita, bom dia, estou com um problema…
Antes que concluísse a frase, ela perguntou:
– O problema que te aflige é na bunda?
– Claro que não, por quê?
– Porque se for na bunda, tu não pode sentar que dói; não pode andar que dói; não pode deitar que dói. Já que não é na bunda, me diz o que aconteceu?
Contei o que tinha ocorrido, e em pouco tempo, já a gargalhar, o problema tinha desaparecido como mágica.
Essa é Rita de Cássia. Super prática, super sincera, sem arrodeios. Papo reto.
Há trinta anos Rita é dona de um hotel, que administra sozinha. Com a separação do marido, ela transformou a ampla casa em um hotel.
Durante a conversa, na manhã de sábado, ela me disse que um dos hóspedes, chegou todo contente para lhe dizer que tinha comprado vários fardos de papel higiênico.
– Rapaz, pra que tu comprastes todo esse papel higiênico, vais montar uma mercearia?
– Não, dona Rita. É para levar para os desabrigados pela chuva, os que estão alojados na Escola Municipal.
– Rapaz, esse pessoal está é desabrigado, não com virose nem diarreia. Se eles não têm o que comer, imagina o que botar pra fora. Não pensastes em comprar comida? Compra alimento para esse pessoal, é de mais utilidade.
– E qual foi a reação dele? Indaguei eu.
– Ficou com raiva. Trancou a cara e saiu com a caçamba do utilitário cheio de papel higiênico. Não sei nem se a chuva não molhou todo o material.
Depois chegou no hotel um político da região, perguntado se ela tinha colchão para doação. Rita pediu para o político entrar, sentar, e disse:
– Tenho colchões, sim. Vários. Todos comprados, nenhum roubado ou doado. Tu entendestes? Aqui nada foi de graça, trabalho para ter minhas coisas. Tudo aqui é fruto de muito trabalho. Vocês, políticos, que foram mal acostumados a receber verba pra tudo. Metem o dinheiro no bolso, e ficam à procura de quem faça boa ação com o chapéu alheio. Vocês só pagam penitência com o joelho dos outros. Assim é fácil, o que foi mesmo que tu doastes? Tu és político, faz tua parte, tira o dinheiro do bolso, ou vai atrás de verba. Vejo na TV que vocês políticos estão cheios de ‘emendas’. Pede lá para o prefeito. E, tem mais, se eu te der os colchões, tu vais lá fazer média, tirar selfie, postar nas tuas redes sociais. Não é assim que funciona? Rapaz, eu estou é ficando velha, não é besta.
– Dona Rita a senhora é demais.
– Não sou nem demais e nem de menos, procuro ser justa.
Nos despedimos, ela me diz que estava começando a chover por lá, precisava fechar portas e janelas.
Com Rita de Cássia, não há problema sem solução, a não ser na bunda.
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(*) Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante. Autor do livro “Das muletas fiz asas”, o latino americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes.