sábado, 30/11/2024
Centro comercial de Aracaju, recentemente

Muita cautela com a flexibilização das medidas de distanciamento social

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Bruno Setton – Prof. Adm. Pública UFAL

Emerson Sousa – Economista

Fábio Salviano – Sociólogo

 

As ações básicas da Administração Científica clássica são coordenar, controlar, comandar, organizar e planejar. A partir dessas formas de intervenção as pessoas (físicas e jurídicas) constroem a gestão das coisas ao seu redor.

Algo também a ser considerado quando o assunto é a pandemia causada pelo novo coronavírus, a covid-19. Um passo em falso e todo e qualquer avanço obtido pode ser simplesmente jogado fora.

Dessa forma, todas as etapas do enfrentamento da doença devem ser previamente pensadas, mas de forma alguma uma fase pode ser assumida sem que a anterior esteja consolidada.

No exato momento, é preciso começar a planejar a retomada das atividades econômicas, mas esses movimentos devem ser ponderados pelo o que está e o que pode vir a acontecer. Afinal, como dizia o poeta Cazuza: “Bobeira é não viver a realidade!”.

O que agora for apresentado serve como um parâmetro de como se agir quando for o momento adequado. E, no caso da covid-19, o momento adequado da flexibilização é aquele no qual o Estado tenha condições de receber em seu sistema de saúde todos os enfermos em condições apropriadas de tratamento.

Os recursos de saúde em Sergipe

De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), em fevereiro de 2020, quando o novo coronavírus aportou oficialmente em terras brasileiras, o estado de Sergipe possuía 3.202 leitos hospitalares, destinados à internação de pacientes, 542 leitos em urgências, para fins de observação e repouso, e outros 413 leitos ambulatoriais.

O Estado também detinha 29.675 profissionais de saúde, dentre os quais 1.670 enfermeiros e 3.123 médicos, que tinham à sua disposição um total de 3.963 equipamentos para a manutenção da vida, aí inclusos os chamados respiradores.

Isso resulta na seguinte sequência de indicadores:

  • 1,4 leitos hospitalares para cada 1.000 habitantes;
  • 1,7 equipamentos de sustentação da vida por 1.000 habitantes;
  • 12,9 profissionais de saúde por 1.000 habitantes;
  • 1,6 médicos por 1.000 habitantes;
  • 52 enfermeiros para cada 100 leitos hospitalares.

Essas medidas colocam Sergipe numa posição intermediária no contexto nordestino, onde ele estaria à frente de Alagoas, Ceará, Maranhão e Piauí, mas atrás de Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Contudo, é necessário melhor trabalhar esses números, tendo em vista que eles contêm em si toda a estrutura de saúde do estado. Quando se é focalizado apenas o Sistema Único de Saúde (SUS) a coisa muda de figura.

Isso porque o SUS sergipano abarca em seu estoque de recursos 95% dos enfermeiros, 91% dos profissionais de Saúde, 80% dos médicos, 74% dos leitos hospitalares e tão somente 11% dos equipamentos de suporte à vida.

E o que esses números dizem? Que o SUS, no estado de Sergipe, possui braços para atender e acolher a população geral, mas carece de estrutura física para suportar casos mais sérios, tais como covid-19.

Apenas para que se estabeleça a devida comparação, restringindo-se apenas ao SUS sergipano, os indicadores acima descritos tomam as seguintes formas:

  • 1 leito para cada 1.000 habitantes;
  • 0,2 equipamentos de suporte à vida por 1.000 habitantes;
  • 12,9 profissionais de Saúde por 1.000 habitantes;
  • 1,4 médicos por 1.000 habitantes;
  • 70 enfermeiros para cada 100 leitos hospitalares.

Esses resultados mostram que, em Sergipe, o SUS apresenta-se mais fragilizado para enfrentar a Covid-19 e que a estrutura privada de atendimento não possui o alcance necessário para tanto.

Agravantes demográficos

E há outro elemento nessa análise: a concentração dos serviços de saúde na capital, Aracaju. Em fevereiro de 2020, muito embora só possua 28,5% da população do Estado, nela estavam sediados 46,8% dos profissionais, 60,6% dos enfermeiros, 74,1% dos médicos e 67,3% em toda a estrutura de saúde. Ou seja, o interior sergipano está desguarnecido para qualquer coisa que vá para além da atenção básica de saúde!

Caso haja uma disparada das ocorrências, o Estado não tem estrutura para suportar tamanha pressão. Afinal, com base em estudos colhidos por esta coluna, dos 75 municípios sergipanos, 52 não possuem o mínimo para enfrentar a covid-19.

De forma que as pequenas e as médias cidades do Estado não se verão em condições de interver adequadamente e toda a demanda do estado terá na capital Aracaju o seu estuário.

Por isso, é preciso tomar bastante cuidado com a flexibilização das medidas de isolamento social. Um descuido e Sergipe é jogado num cenário de tragédia como o foi Milão, na Itália, ou, pior ainda, Quito, no Equador.

Lembrem que Sergipe possui a quarta maior densidade demográfica do país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são quase 105 habitantes por Km2, uma medida superior à da já citada Itália.

E há outro agravante: Aracaju possui 3,6 mil habitantes por Km2, densidade que equivale a 45% da encontrada na cidade de São Paulo, muito embora a capital sergipana encerre em si uma população 21 vezes menor.

Uma tempestade perfeita!

Num ambiente assim, a disseminação da covid-19 pode facilmente perder o controle. Não nos esqueçamos de que, desde o dia 14 de abril, Sergipe registra, ao menos, um novo caso da doença por dia, conforme dados do Ministério da Saúde. Registre-se que, depois que entrou nessa fase, nenhum dos nove estados do Nordeste viu a incidência diária de casos voltar a zero.

Ressalte-se que, entre 20 e 29 de abril, a média de ocorrências tem sido de 25,4 novos casos registrados diariamente. Para fins de comparação, nos dez primeiros dias desse mesmo mês, esse valor era de tão somente 2,3 novas ocorrências diárias.

Sem esquecer que, desde a primeira notificação, em 15 de março, levou-se seis dias para se chegar a 10 casos. Para chegar a 20, mais onze dias. Daí para atingir-se a marca de 40 casos foram necessários mais nove dias, mesmo prazo para se atingir 80 ocorrências de covid-19.

Do mesmo modo, em Sergipe, para se alcançar 159 registros, precisou-se apenas de sete dias e bastou somente mais três para se ultrapassar a marca de 320 casos confirmados.

De acordo com dados do Ministério da Saúde e da Secretaria Estadual da Saúde, na tarde do dia 29 de abril, Sergipe apresentava um total de 337 casos confirmados, onde, somente neste dia, foram registrados 57 novos casos. Esse número faz com que o sinal amarelo seja cada vez mais forte.

E, sim, já são doze as famílias que choram a morte de entes queridos em função da pandemia. Por sinal, pela primeira vez, Sergipe chega à triste condição de registrar óbitos causados pela covid-19 por mais de dois dias seguidos.

Bom lembrar que Sergipe possui apenas 285 leitos de UTI, onde 190 encontram-se no SUS e 95 na rede privada e deste total, 44 já estão ocupados. Logo não é preciso ser economista, estatístico e muito menos matemático para se perceber que essa conta não vai fechar se a trajetória ascendente da curva continuar na atual velocidade.

Por sua vez, aos mais distraídos, torna-se necessário avisar que a cidade de Aracaju, sozinha, já representa em torno de 50% dos casos confirmados e que, segundo o Centro de Informações Específicas de Vigilância em Saúde (CIEVS/SMS), até 27 de abril, o coeficiente de incidência da covid-19 a cada 100 mil habitantes na capital era de 21%.

No entanto, até esse momento, tal medida mostra que os maiores riscos de se contrair a covid-19 estão concentrados em bairros de classe média tais como: Jardins (92%); Salgado Filho (84%); Pereira Lobo (70%) e 13 de Julho (62%).

Assim, quando o aumento dessa incidência começar a migrar para os bairros mais periféricos da cidade, onde a população depende quase que exclusivamente do SUS, a falência generalizada do sistema será inevitável.

O sucesso ama a cautela

Caso as autoridades competentes pensem, por conta de pressões do poder econômico, em afrouxar as medidas de distanciamento social, que não vêm sendo tão observadas pela população em geral, Sergipe e Aracaju têm os ingredientes necessários para reprisar o que se viu em Milão e Quito: alta concentração demográfica e sistema de saúde à beira da exaustão.

Claro que é importante se pensar no retorno da normalidade cotidiana. Contudo, isso deve ser realizado de modo cuidadoso. A covid-19 é uma doença nova e agressiva, sobre a qual pouco se sabe, de modo que todo o cuidado é pouco.

Até porque uma debacle no sistema de saúde traria prejuízos descomunais para a própria economia. Não esqueçam que Sergipe é peça importante da cadeia produtiva de saúde nordestina e essa contribui com 10% da produção nacional. Uma pandemia descontrolada também afetaria negativamente esse setor, tanto em termos materiais quanto em termos de pessoas.

Então, a volta à estabilidade produtiva deve ser a consequência e não o objetivo do planejamento do combate ao novo coronavírus e que, até que surja uma vacina segura, as únicas saídas para se retardar sua disseminação são o uso de máscaras faciais e o distanciamento social.

Ceder a interesses comerciais e proselitistas é apenas acelerar o passo para uma tragédia humanitária, ainda mais num território tão pequeno e adensado como é o estado de Sergipe.

E que os sergipanos também entendam isso!

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