Outras palavras

Mulheres no Oiticentos Sergipano na perspectiva de Samuel Barros de Medeiros Albuquerque

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Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos (*)

 

No último sábado, 8 de março, Dia Internacional da Mulher, nas dependências do Centro de Excelência Prof. Paulo Freire, na cidade de Aracaju, realizou-se a vigésima edição do Encontro de Ensino de História, evento promovido semestralmente pelo Núcleo de Ensino do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Sergipe, com o apoio técnico e parceria do Programa Tutorial em História desta instituição.

Na ocasião, os presentes e este que vos escreve tiveram a grata oportunidade de ouvir e de prestigiar a conferência de abertura proferida pelo Prof. Dr. Samuel Barros de Medeiros Albuquerque (DHI-UFS), intitulada “Memórias, cartas e afins: fontes autobiográficas, história das mulheres e ensino de História. Uma fala muito rica e didática, não somente em conteúdo, mas muito oportuna para pensar o papel, a importância e a presença da mulher na sociedade, seja em outros tempos, como a exemplo do século XIX, como também, numa ponte reflexiva com o nosso tempo, na pesquisa história, no ensino de História e nas demais atividades humanas, notadamente no Brasil e em Sergipe.

Mas antes, permitam-me discorrer um pouco sobre o nosso convidado. Samuel Barros de Medeiros Albuquerque é pernambucano de nascimento, sergipano por adoção e identidade. Fixado em Sergipe, mais de perto em Aracaju, construiu uma carreira marcante e sólida, firmando seu nome entre as melhores contribuições da recente historiografia sergipana, com um trânsito nacional considerável, a exemplo da amizade que nutre com a historiadora Mary Del Priore, mas também ocupando cargos e funções importantes, para além de ser professor da Universidade Federal de Sergipe, desde 2009.

Graduado em História, Mestre em Educação e Doutor em História, Samuel Albuquerque é sócio de entidades importantes e representativas, como a Associação Nacional de História – ANPUH, a Sociedade Brasileira de Estudos do Oitocentos – SEO, o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano – IAHGP e o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe – IHGSE. Deste último, foi seu presidente entre os anos 2010-2017. É autor dos livros “Memórias de Dona Sinhá” (2005), “Nas memórias de Aurélia: cotidiano feminino no Rio de Janeiro do século XIX” (2015), “A carta da condessa: família, mulheres e educação no Brasil do século XIX” (2016), “José Calasans e Sergipe” (2016), “Aos filhos da Mina Nova” (2017), “Felisbelo, Thetis e Ibarê: contribuição aos estudos de História da historiografia” (2021) e “Poço Redondo: notas sobre sua história e seu patrimônio cultural” (2022).

De sua seara acadêmica e editorial, destaco a trilogia “Memórias de Dona Sinhá”, “Nas memórias de Aurélia” e “A carta da condessa”, que versam sobre “as memórias de mulheres da aristocracia açucareira em Sergipe”, fazendo-o de forma singular, com uma escrita robusta e ao mesmo tempo, leve e acessível, bem fundamentada ao nível das fontes, sem incorrer no erro crasso de algumas produções acadêmicas no campo da pesquisa histórica, em geral, maçantes por seu excesso de teoria histórica; trabalhos muitas vezes eclipsados pelas ideias de outrem, sem que o autor, a exemplo dele, ouse contar uma história, trazendo pessoas, lugares e tempos para seus textos como se à mente lhe parecesse uma excitante viagem na dobra da existência humana.

Voltando à sua conferência, penso que para além de tudo que fora dito, vale destacar a sua defesa do ensino de História de Sergipe, seja ao nível no Ensino Básico, seja ao nível do Ensino Superior. Tudo isto em razão de uma minoria mal-intencionada, para não dizer ignorante mesmo, que não entende a pesquisa histórica como essencial para a nossa juventude e sociedade, argumentando-se que uma História do Brasil basta. Entende o autor, como também o entendo, que isto é mais do que óbvio, mas não se pode abrir mão de uma História de Sergipe, ao passo que escrever sobre o país e entendê-lo (inclusive o mundo) pode e dever ser feito a partir do olhar da aldeia, como preconizava Leon Tolstói (1828-1910).

A trilogia de Samuel Albuquerque é um significativo exemplar de como uma fonte histórica pode dar muitos panos para a manga e tintas para a pena. No caso específico do seu trabalho, o documento manuscrito, a partir do qual ele discorre sobre o papel das preceptoras (professoras particulares), que durante o século XIX eram responsáveis por educar os filhos/filhas das elites sergipanas, enriquecidas com a produção e o comércio do açúcar, seja ao nível local, seja também ao nível da Corte carioca e também no exterior, mais de perto em Paris.

Nesse sentido, ilustro esta assertiva com um trecho do relatório da aluna do Curso de História da UFS, Karoline de Sá Santos (formanda), presente ao evento:

“(…) Albuquerque usa este documento [carta manuscrita] para buscar entender o papel das preceptoras europeias na educação brasileira da elite oitocentista, em especial a sergipana. O professor expôs as complexidades desse objeto de estudo e destacou o protagonismo das mulheres durante todo o processo”.

Em tempos de uma misoginia cada vez mais ousada e cínica, ao passo em que se solidifica o empoderamento das mulheres, visitar e revisitar a obra de Samuel Medeiros de Albuquerque é muito oportuno. O passado feminino sergipano, brasileiro e internacional por ele estudado, mesmo na perspectiva de uma elite que queria ser ilustrada, também impõe oportunidades para pensar outras mulheres, como as em condição de escravidão daquele longínquo século XIX.  Afora isso, como foi a nossa intenção em convidá-lo para o XX Encontro de Ensino de História, também, a partir destas obras compreendermos melhor, ao nível da sala de aula e das práticas docentes, como era o cotidiano daquelas mulheres com vistas a lançar luzes identitárias e emancipadoras para o nosso tempo.

 

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Claudefranklin Monteiro

Professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.

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