Interior de Sergipe, anos 70. Donato nasceu em uma pequena propriedade, os pais eram sitiantes. Cresceu, sempre muito esperto, nunca gostou de estudar, a duras penas concluiu o antigo primário. Aprendeu a montar em animais, com oito anos era atração na cidade, todos nas redondezas conheciam ou ouviram falar de suas proezas e habilidades.
Com quinze anos ganhou o primeiro torneio de rodeio, e assim foi acumulado prêmios e dinheiro. Foi o campeão do Nordeste por diversas vezes e com isso comprou fazendas, camionetes, e atraiu as mais bonitas moças por onde passava.
Já rico e estabelecido, comprou a melhor casa da cidade, que ficava na praça da matriz; cansado da vida mundana, resolveu casar. Entre as várias pretendentes, se fixou em Sheila, uma loira que fora Miss na cidade vizinha.
Namoraram pouco, não mais que seis meses, ele a tratava bem, mas não a amava, fora atraído pela moça simples e calma que não gostava de excessos.
Sempre de calça Wrangler, modelo americano, que manda buscar em Goiânia, camisa xadrez e cinto fivelão, com dois cavalos em duas patas, bota de couro cano longo, era a indumentária de Donato os 365 dias do ano, fizesse chuva ou sol.
Sheila fora criada por uma tia, já que a mãe faleceu muito cedo, deixando-a com cinco anos. A tia, d. Euzira, solteira, não tivera filhos; Sheila foi tudo pra ela. Euzira não era rica, mas tinha uma situação confortável, era aposentada da REFFSA, proporcionou à sobrinha, estudos e conforto.
A tia não aprovava o namoro de Sheila com Donato, achava que ela merecia coisa melhor, mas não se metia, não emitia opinião, nem dava conselhos.
Quando Sheila ganhou o concurso de Miss, os principais partidos da região correram ao seu encontro, sempre a cortejá-la. Mas discreta e calma, sempre na dela, optou por Donato, pois sentia segurança ao seu lado.
Fizeram um grande casamento. Políticos da região e da capital foram ao regabofe: casamento na igreja matriz, festa nos salões principais do clube social da região, decorado por um especialista vindo da capital. Nunca a pequena cidade tinha visto casamento tão pomposo.
Mesmo antes do casamento Sheila via que Donato não era muito chegado à sexo, diferente de outros namorados que tivera. Mas isso não foi empecilho para casarem.
Passados três anos de casados, a vida continuava sem novidades, com Donato mais interessado em cavalos e vaquejadas, que na beldade que levara pra casa.
Em casa, não faltava nada para Sheila: roupas boas, dispensa cheia, empregada doméstica, os melhores eletrodomésticos, cama king size; mas faltava o principal, a atenção de Donato.
Sheila tentou conversar diversas vezes com Donato, que se sentia só, ele sempre distante, quem sabe se ela engravidasse seria melhor para o casal.
Donato que não gostava desse papo de mulher, dizia sempre que “ele era assim mesmo, homem de fazenda, que não gostava de conversar”.
Sheila se acostumou com o jeito duro e seco de Donato.
Em uma segunda-feira, perto da hora do almoço, bate no portão da casa um maltrapilho que perambulava pela pequena cidade.
– Oh! de casa, bom dia, tem alguém aí?
Dorinha, a empregada doméstica, foi até o portão e avistou aquele rapaz de feições finas, todo sujo, pedindo uma ajuda.
– Oh! moça, bom dia, tô pedindo uma ajuda, qualquer coisa serve.
– Um momento, vou ver o que tem e já volto.
Dorinha entrou, encontrou Sheila sentada no quarto, com um livro nas mãos.
– D. Sheila, tem um homem lá fora pedindo ajuda, disse que qualquer coisa serve.
– Que homem é esse? Você conhece? Mora onde?
– Sei não, senhora, esse é novo pra mim, não é da cidade, não.
Sheila se levantou, levada pela curiosidade, foi até a varanda da casa, e ao ver aquele estranho, perguntou:
– Pois não…
– Dona, preciso de uma ajuda, qualquer coisa serve, vivo de sobras, do que as pessoas não querem mais.
Sheila achou aquilo interessante, “vivo de sobras, do que as pessoas não querem mais”.
– Um momento, o senhor já almoçou?
– Não.
– Um momento…
Sheila foi até Dorinha e pediu pra ela fazer um prato de comida reforçado para levar àquele homem que chamou sua atenção.
Dorinha fez o prato, levou até ele, pediu para ele entrar, disse-lhe para comer à mesa, no terraço.
Enquanto Dorinha levou o prato de comida, o mendigo entrou para comer, Sheila foi até o closet do marido, e viu a quantidade de camisas, calças, cintos com fivelas de todos os tamanhos, botas e chapéus. Quantidade que daria para montar uma loja. Donato havia separado algumas peças de roupa para ela doar a quem precisava.
Sheila foi até o terraço e viu aquele homem até então desconhecido, maltrapilho, mas com boas feições, sorridente, dentes alvos, grato pelo prato de comida.
– Dona faz tempo que não como tão bem como comi hoje, obrigado, Deus lhe pague.
– Olhe, essas são roupas do meu marido, que ele não usa mais, talvez sirvam ao senhor, disse Sheila.
– Obrigado, muito obrigado mesmo.
– Será que não tem algo mais que seu marido não use?
Por um momento, Sheila pensou e quase sussurrando disse:
– Tem, eu, serve?
E, assim, no começo daquela tarde quente, o maltrapilho que “vivia de sobras, do que as pessoas não usam mais”, carregou a mulher de Donato.
Até hoje Donato procura onde foi que errou, para Sheila ter lhe trocado por um mendigo.
Moral da história: Faça uso de tudo que você tem, senão vem outro e carrega.
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(*) Luiz Thadeu Nunes e Silva é engenheiro agrônomo, palestrante, cronista e viajante: o sul-americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 143 países em todos os continentes.
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