Juliana Melo (*)
“Não existe uma política cultural de gestão para a área, com financiamentos e apoio aos grupos teatrais. O maior problema que eu enxergo é a falta de dinheiro para manter os teatros que temos aqui na capital”. O desabafo é do ator, produtor cultura e fundador do Grupo Raízes, Jorge Lins, que considera os dois teatros de Aracaju – Atheneu e Tobias Barreto – bons. Ele diz isso, não só por conta do olhar de um ator atento, mas também como alguém que já percorreu diversos teatros pelo Brasil afora. Criador de diversos prêmios em Sergipe, dentre eles o famoso Sanfona de Ouro, Jorge Lins, conta também, um pouco de sua carreira e revela detalhes interessantes, como o fato de ser formado em Direito, mas nunca tirou a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Com jeito todo seu de ser, de detestar paletó e gravata, Jorge Lins fala também como surgiu o Grupo Raízes e de que maneira inusitada foi dado esse nome ao grupo. Aliás, sobre isso, ele diz que gostaria que o nome do grupo fosse mais conhecido do que o seu próprio, pois, segundo ele, as pessoas não se referem ao Raízes, mas sim ao ‘grupo do Jorge Lins’. Essa semana, o ator conversou com o Só Sergipe.
SÓ SERGIPE – Além do isolamento social qual o maior problema que o teatro enfrenta para se efetivar na capital?
JORGE LINS – Falta recurso. O maior problema que eu enxergo é a falta de dinheiro para manter os teatros que temos aqui na capital. É uma luta muito grande. Nós temos dois teatros razoáveis que é o Atheneu e o Tobias Barreto. Anteriormente à pandemia eu vinha viajando o Brasil todo e pude ver que os teatros da capital são bons, com um estacionamento bacana. O problema é que não existe uma política cultural de gestão na área cultural com financiamentos, com apoio aos grupos teatrais.
SS – Ainda este ano seria construído um novo teatro para capital na Orla de Atalaia, o teatro Sesc. O que o senhor acha a respeito desse projeto?
JL – Já se foi falado muito sobre realizar novos teatros, mas eu nunca cheguei a ver projetos, não vi nenhum projetista e ninguém da área cultural que conhece esses projetos. Só existem ditos desde tempos. Então, eu particularmente acredito que Sergipe precisa de muito mais do que um novo teatro. O estado necessita de um trabalho de gestão cultural, de uma verba especifica para o investimento cultural.
SS – O senhor é formado em Direito. Por que escolheu esse curso?
JL – Eu me formei no ano de 80 e nem tenho a carteira da OAB. Naquela época era inaceitável uma pessoa viver de arte, até hoje é complicado, não é? Arte não dá dinheiro. Então minha família queria que eu cursasse Direto, eu resolvi fazer o curso. Eu gosto da arte, detesto ternos. Meu negócio é me vestir de uma maneira que eu fique à vontade. Mas o fato de ter realizado um curso superior na Universidade Federal de Sergipe me abriu muitas portas, foi muito importante para mim. Na época eu fui professor concursado da escola técnica, que hoje é o IFS, e a formação me abriu a mente. Mas eu nunca pensei em ser advogado e nem de levar a profissão à frente. Na época nós não tínhamos as opções que temos hoje como comunicação, psicologia, teatro, música, apesar de que eu não me formaria em teatro porque teatro eu já faço há muito tempo. Desde os meus 15 anos que eu estou envolvido em teatro. Quando eu me formei eu peguei meu certificado, coloquei em um quadro e dei para minha mãe, ela brincando comigo colou no banheiro de casa (risos).
SS – Como surgiu sua paixão pela arte?
JL – Eu não sei exatamente ao certo como surgiu esse gosto. É engraçado, mas eu não sei. Eu sei que já existem várias histórias que eu contei, mas o início disso ao certo nem eu sei. Na minha casa ninguém nunca tinha feito teatro, meus irmãos e meu pai tinham um gosto muito grande pela literatura. Eu cresci nesse ambiente, mas meu negócio era matemática. Quando eu fui para o colégio Atheneu, descobri esse mundo da escrita, de participar de jornais do colégio. Eu sempre conto isso, mas eu nem sei se é verdade. Eu tentei jogar handebol porque as meninas só namoravam com os meninos do esporte, mas eu não era bom no esporte. Então eu falei, vou fazer teatro, aí eu acho que consigo a ‘mina’ ( risos). Quando eu tinha 15 anos vi minha professora de história fazendo um espetáculo sobre o Santos Dumont. Eu gostei muito daquilo, pensei: caramba isso eu acho que eu consigo fazer. Mas isso é tentar explicar o inexplicável. Eu acabei entrando no grupo de teatro do Atheneu, sempre tive essa coisa de líder e acabei ficando à frente do grupo teatral do colégio sem nem perceber.
SS – Existe algum fato da sua infância que talvez tenha ajudado nesse talento todo que o senhor tem para se reinventar e criar as suas histórias no teatro?
JL – (Risos). Desde menino que eu criava história com tampinhas de garrafas. Eu tinha 365 delas, de garrafa normal mesmo. Eu dava nome a elas, todas elas. Eu, inclusive, tenho escoliose na minha coluna por conta disso, eu brincava deitado no chão de lado, ficava muito tempo nessa posição. Eu chorava com as tampas de garrafa, minha mãe achava um barato isso. Era um mundo meu e enquanto os outros estavam jogando na rua, eu estava com minhas tampinhas de garrafa, criando. Eu acho que o teatro na minha vida é influencia disso. Quando eu tinha 7 anos, meu irmão já tinha 13 e eu não o acompanhava nas brincadeiras por conta da diferença de idade. Nunca tive um irmão para brincar muito, então eu acho que a tampa de garrafa foi essencial. Eu contava histórias com elas, narrava jogos com elas. Sempre fiz essas loucuras.
SS – Na sua carreira existe alguma coisa que você considera como ruim?
JL – Por vezes, eu sinto que existe uma competição entre o Jorge Lins e o Grupo Raízes. Isso é um estigma muito ruim na minha vida. Eu comecei escrevendo, para depois começar a ser ator e eu nunca me considerei um bom ator, isso é um detalhe importante. Aracaju criou muito estigma que eu era muito conhecido como ator, mas eu sempre fui um cara muito mais de dirigir e produzir. Porém, como fui um dos primeiros a fazer teatro, eu fiquei muito conhecido por ser o cara do teatro, sabe. O Imbuaça é o Imbuaça, poucos sabem quem é o diretor. O meu grupo é denominado grupo do Jorge Lins e não usam o nome Raízes, eu sou mais conhecido do que o grupo. Há festivais de teatro no interior que empregam o nome de grupo de Jorge Lins ao invés do nome Grupo Raízes. Isso é muito ruim.
SS – Como surgiu a ideia de montar o grupo Raízes e por que esse nome ?
JL – Como eu estava cada vez mais engajado no teatro, resolvi montar meu grupo. O nome foi bem interessante porque não se chamava Grupo Raízes, mas sim, Grupo Máscaras e Trastes, porém esse nome era grande demais para o cartaz que eu havia pedido para construir. O rapaz que estava preparando me disse que o nome não caberia no espaço e sugeriu que eu colocasse Grupo Raízes. Eu até poderia dizer que o nome tem todo um significado, mas não(risos), foi exatamente assim que aconteceu.
SS – Qual a diferença entre o Grupo Raízes, Oficinas do Ator e a Companhia Brasileira de Teatro ?
JL – A Oficinas surgiu nos períodos de férias. Junho, julho, dezembro e janeiro, eram meses fracos para o Raízes; poucos atores viajavam para o interior fazendo as peças e havia pouca renda para isso. Eu pensei na Oficinas como uma maneira de ganhar renda e descobrir novos talentos para os meus projetos artísticos. Quem se destaca ganha lugar no Raízes. O trabalho do Raízes é autoral, educativo e mais voltado para histórias ligadas a Sergipe . Quando eu quero assinar peças que consistem em grandes clássicos e grandes histórias possuindo um elevado número de atores em cena eu assino como sendo produzidas pela Companhia Brasileira de Teatro, a exemplo desses grandes espetáculos temos a peça do falecido político Marcelo Deda, os Filhos dos Beatles e Cazuza. A companhia surgiu justamente para diferenciar o conteúdo das peças que levam a assinatura do Raízes.
SS – Como faz para participar das suas oficinas?
JL – É só se inscrever entrando em contato comigo pelo número (79) 9 9920-7842.
SS – Existe alguma taxa?
SS – Como surgiu o desejo de idealizar prêmios para fomentar a cultura Sergipe e premiar quem faz arte na capital?
JL – Na verdade eu sempre gostei de homenagear meus amigos. O primeiro prêmio que eu fiz foi o Sanfona de Ouro, há 39 anos. Eu vi o troféu na Bahia que homenageia os destaques do carnaval e pensei em fazer um aqui para homenagear os melhores do São João. Fiz bem simplesinho, aí o negócio foi pegando e cresceu, então eu fui fazendo o Destaques da Cultura e o Prêmio Educar-SE. Esse surgiu por causa do projeto escola que é dentro do Raízes e visa levar peças teatrais para as crianças no horário do colégio, sempre peças educativas. Eu queria homenagear as escolas que trabalhavam comigo, surgiu o Educar-SE. Hoje existe um portal Educar-SE e guia Educar-SE. Fizemos também prêmio para o destaque do turismo no restaurante Zodíaco. Os prêmios só foram crescendo.
(*) Estagiária sob orientação do jornalista Antônio Carlos Garcia
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